Jasmim é o nome da rua lisboeta onde abriu há dias um restaurante iraniano e até podia servir também para batizar a própria casa, pois afinal até é uma palavra persa, mas Khayaam acabou por ser a escolha. "Já havia outro restaurante Jasmim, não muito longe, e de qualquer forma faz sentido a homenagem a Omar Khayyam, um grande poeta persa, um epicurista", explica Sépideh Radfar, nascida em Teerão em 1965, a iraniana que se decidiu em plena pandemia a oferecer a Lisboa um local onde se pudesse provar o requinte da gastronomia do seu país (todos os dias, exceto às segundas-feiras).."Sempre gostei de cozinhar. Aprendi com a minha mãe, que continua a viver no Irão, e sempre fiz questão de manter em casa a tradição. Ao mesmo tempo, convidava amigos e alunos para conhecer a gastronomia iraniana e divertia-me a cozinhar para eles", acrescenta esta académica, professora de Iranologia na Universidade de Lisboa e que já teve uma agência de viagens..O espaço do restaurante é dominado pela cor branca, e duas colunas de pedra, assim como duas longas traves de madeira no teto, ajudam a um certo requinte oriental, reforçado por uma decoração discreta mas distintiva. A música que se ouve em fundo também nos transporta para o Irão, a antiga Pérsia, uma civilização com pelo menos 2500 anos. "Adoro Dariush", diz Sépideh, referindo-se ao cantor de Cheshme Man, que quer dizer "meus olhos"..Trato Sépideh pelo primeiro nome porque a conheço há alguns anos. Foi minha guia e intérprete numa reportagem no Irão para o DN e mais tarde escrevi dela um longo perfil que tinha como título "Sou uma iraniana que teve como amor da sua vida um português"..A história de amor, entre dois estrangeiros em França, ambos estudantes de doutoramento, aconteceu no início dos anos 1990 e dela resultou uma jovem luso-iraniana chamada Simine, que quer dizer "luz". Já agora acrescento que Sépideh quer dizer "aurora". E Simine, conta carinhosa Sépideh, tem sido um apoio entusiástico da mãe nesta nova aventura que é o Restaurante Bar Khayyam..Os pratos são deliciosos. Entre as entradas está kashk-e-badejoom, beringela com cebola, alho e menta frita. E nos pratos principais, entre tantas delícias, posso já sugerir o ghelgheli ba adass polo, almôndegas com cebola caramelizada e tâmaras acompanhadas por arroz com lentilhas. Para simplificar, e apesar de tudo estar explicado na ementa, o prato tem um nome português bem simples: tâmaras do deserto. E no final não perder o gelado de pistácios, fruto seco que é uma grande exportação do Irão..Para ajudar Sépideh na cozinha está Muhammad Ali, um cozinheiro paquistanês a quem a iraniana foi ensinando os segredos da cozinha persa, "menos condimentada e mais sofisticada do que a da Ásia do Sul", explica..Por ser o Irão um país muçulmano, de maioria xiita, Sépideh fez questão de toda a comida ser halal, de modo a que qualquer visitante vindo do mundo islâmico se sinta à vontade, sabendo que além da tradição se respeitam aqui as regras religiosas..Depois de viver no Porto, em Coimbra e em Lisboa, Sépideh fala hoje um português fluente, o que ajuda na hora de fazer uma introdução dos clientes à história plurimilenar do seu país, muitas vezes nas notícias apenas por questões de geopolítica. "Alguns clientes sabem um pouco sobre o Irão, outros sentem curiosidade. Tento sempre através da gastronomia levá-los a perceber um pouco melhor a nossa cultura", diz esta filha de um já falecido militar de alta patente do xá, que depois da Revolução Islâmica de 1979 continuou nas forças armadas e combateu na Guerra Irão-Iraque..No restaurante é servido vinho - lembrar que Shiraz é nome de uma casta francesa mas também se refere a uma cidade iraniana que já teve fama de produtora. Aliás, Khayyam na sua poesia escrita nos séculos XI e XII fala muito dos prazeres do vinho, hoje de consumo proibido no Irão exceto para as minorias religiosas, como os cristãos arménios..Um dos projetos de Sépideh é organizar aulas de gastronomia persa, mas também colóquios que façam debater Irão e Portugal, países que iniciaram relações há meio milénio ao ponto de em Ormuz existir uma fortaleza portuguesa. "Estou a pensar em fazer a comparação entre Fernando Pessoa e Omar Khayyam apesar de terem vivido separados por mil anos", sublinha entusiasmada esta especialista também em literatura..Falamos ainda do açafrão, tesouro natural caríssimo que pinta de dourado o arroz dos pratos persas. "O açafrão é tão famoso como a arte persa. No Irão valorizamos o cuidado minucioso, na arte, na arquitetura, na vida. Açafrão é também isso, precisa de paciência, de delicadeza, para ser preparado. Cada flor é apanhada à mão", já me tinha dito Sépideh noutras vezes, uma delas em Isfaão, no bazar, onde me explicou como comprar..A conversa não termina sem que experimente, a desafio de Sépideh, uma limonada persa. Fresquíssima, percebo que leva menta. E que mais, pergunto. "É segredo", diz Sépideh entre risos, explicando que o Oriente não tem de desvendar todos os seus mistérios.