Quem são os 13 infetados. A rede de contágio do novo coronavírus em Portugal
Quando telefonou para a linha SNS 24, o médico de 60 anos do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel, queixou-se de falta de ar e de febre. O alerta soou. Tinha regressado há pouco de férias do norte de Itália, o país europeu onde há mais infeções pelo novo coronavírus, e nas últimas 24 horas, onde foram registados mais mortos (49) no mundo. Do outro lado da linha, o enfermeiro registou os sintomas e uma ambulância dos Bombeiros Voluntários de Lousada precipitou-se para transportar o profissional de saúde com suspeitas de Covid-19 para o Hospital Padre Américo, em Penafiel. Como a unidade hospitalar não é uma das referenciadas para lidar com o surto, teve de ser transportado, pelo INEM, para o Hospital de Santo António, no Porto. Na manhã seguinte, dia 2 de março, a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciava o desfecho da correria: o Covid-19 tinha chegado a Portugal.
A responsável pela pasta da Saúde, com a Diretora-Geral da Saúde ao lado, Graça Freitas, confirmou o resultado positivo das análises, realizadas pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge. E abria ainda a porta para o segundo caso positivo: um homem de 33 anos, que aguardava ainda os resultados de um segundo teste PCR (a análise biológica usada para verificar a presença deste vírus). Ao início da tarde, o laboratório reafirmava o segundo positivo. O doente tinha estado na cidade espanhola de Valência, onde já existiam então casos de contágio.
Na terça-feira o primeiro-ministro, António Costa, visitou o Centro Hospitalar Universitário de São João no Porto, onde se encontravam internados então dois dos infetados, um deles este homem de 33 anos com quem o chefe do Governo falou, através de um vidro. "Pareceu-me com um bom estado de saúde, comunicámos por gestos", disse António Costa aos jornalistas no fim da visita.
Passaram quatro dias desde os primeiros casos e a cada 24 horas o contador de infetados cresce, apesar de Portugal continuar a estar entre os países com menos casos confirmados. Há 13 infetados, quatro destes foram revelados esta manhã por Marta Temido, no final da reunião com os ministros da Saúde europeus, em Bruxelas. Estão todos estáveis, de acordo com os boletins da Direção-Geral da Saúde (DGS) e encontram-se distribuídos pelos hospitais Curry Cabral (Lisboa), São João, Santo António (Porto) e de Coimbra.
"Destes quatro novos casos, três são no Norte e têm ligação epidemiológica a casos anteriores" e a Itália, disse Marta Temido, após uma reunião dos ministros da Saúde da União Europeia (UE), em Bruxelas. Segundo o Jornal de Notícias, os novos infetados no Porto serão dois homens entre os 40 e 50 anos e uma mulher de 70. Todos ligados a um caso internado naquela cidade.
O DN apurou que apenas metade destes casos foram notificados através da linha SNS 24 (808 24 24 24), o procedimento aconselhado pela DGS em caso de manifestação de sintomas (febre, tosse, dificuldades respiratórias). Os restantes foram encontrados através do trabalho das entidades de saúde no terreno, que procuram desconstruir o historial das pessoas infetadas e falar com a rede próxima de contactos dos casos confirmados e suspeitos. É o trabalho de "detetive" a que a Diretora-Geral da Saúde tanto se tem referido, nos últimos dias.
"No fundo é um inquérito epidemiológico", explica a infeciologista Margarida Tavares, que integra a equipa preparada para receber os doentes suspeitos de serem portadores do vírus no Hospital de São João, no Porto, sobre este tipo de trabalho. "Há uma colaboração entre os colegas da saúde pública, que estão no terreno, e nós [no hospital] no sentido de apurar o maior número de informações sobre os contactos próximos dos doentes. Isto para podermos precocemente implementar medidas eficazes na eliminação ou na mitigação do risco, quebrando cadeias de transmissão. É um processo já conhecido nos casos de tuberculose, por exemplo".
Entre os infetados encontram-se dois professores, ambos confirmados no dia 4 de março. O professor da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no Porto, tem 44 anos e está hospitalizado no São João. Terá sido infetado em Itália, em Bérgamo (na região da Lombardia) e até revelar sintomas ainda deu aulas na sua escola e noutra universidade na Covilhã. O que obrigou ao encerramento temporário da faculdade de música e ao isolamento de todas as pessoas com quem tinha estado em contacto.
A outra professora, que esteve em Milão por altura do Carnaval, dá aulas na Escola Básica Roque Gameiro, na Amadora, onde estudam cerca de 150 alunos. Como medida de prevenção, os estudantes de cinco turmas do 7.º e 9.º anos e do 11.º da Escola Secundária da Amadora - onde a professora de Físico-Química também dá aulas - vão cumprir um período de isolamento de 14 dias. Já a docente encontra-se no Hospital Curry Cabral.
Para já, não estão previstas medidas excecionais para os alunos que vão perder, pelo menos, duas semanas de aulas. Cada instituição afetada pelo Covid-19 terá ainda de pensar como fará para compensar o tempo perdido. O Ministério da Educação, em resposta ao DN esta quinta-feira, esclareceu que "através dos seus serviços regionais, está a acompanhar permanentemente os órgãos de gestão e direção das escolas e ao dispor para prestar apoio em caso de necessidade". Quanto às faltas, estas estão justificadas no Estatuto do Aluno, que prevê a "doença" ou o "isolamento profilático".
Até ao momento, morreram 3412 pessoas no mundo inteiro por causa do Covid-19, desde que a epidemia foi identificada no final do ano passado. A taxa de letalidade, avançada esta semana pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 3,4% - superior à da gripe sazonal, que este ano foi mais branda e matou menos de 1% dos contagiados a nível global. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ressalva, no entanto, que o novo coronavírus parece "espalhar-se de forma menos eficaz do que a gripe".
A maioria das vítimas mortais é do sexo masculino e tem mais de 80 anos, de acordo com a OMS. Em geral, trata-se de pessoas que já tinham o sistema imunitário enfraquecido por doenças cardiovasculares, diabetes, doenças crónicas respiratórias e cancro. No entanto - e apesar de ainda não existir um tratamento especifico para o Covid-19 - mais de metade dos infetados já recuperaram. Dos mais de cem mil casos de coronavírus notificados, 55 988 acusaram negativo quando repetiram as análises.