Pais e alunos ansiosos no arranque de um 3.º período com mudanças no ensino

Perto de dois milhões de estudantes estão de regresso às aulas nesta terça-feira, mas ainda à distância. Pais do pré-escolar pedem mais apoio a educadores, professores exigem o mesmo do governo e os alunos do secundário mostram-se ansiosos com a incerteza dos novos tempos.
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"Vivemos repentinamente o último dia do secundário no dia 13 de março." André Monteiro, aluno do 12.º ano da Escola Secundária Almeida Garrett, lembra este dia como se estivesse a viver "um filme", com um "ambiente muito pesado" nos corredores e recreios da escola, depois do anúncio do governo sobre o encerramento dos estabelecimentos de ensino. Já lá vai um mês, com duas semanas de aulas à distância e outras duas de férias de Páscoa. Pouco tempo para preparar um ensino que chegue a todos, mas o suficiente para limar algumas arestas, dizem os professores. Certo é que a incerteza do que se avizinha torna "a ansiedade elevada" entre alunos, principalmente os que frequentam os últimos anos do ensino obrigatório, diz o jovem André, de Vila Nova de Gaia.

Cerca de dois milhões de estudantes regressam às aulas esta terça-feira (14 de abril), para iniciar o 3.º período. E, à semelhança do que aconteceu no final do passado período letivo, estas vão continuar à distância. Por isso, as duas semanas de interrupção letiva que agora terminam "foram de muito trabalho" para a classe docente. "Sabemos que há problemas para resolver e, por isso, acho que os professores nunca trabalharam tanto como agora, à procura das melhores soluções", diz Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Este terceiro período espera-se que seja de mudanças. "Cada escola procurou decidir qual a melhor plataforma para utilizar, depois deste tempo quase experimental que tivemos", explica. Há agora "uma maior preocupação" dos docentes em "encontrar uma ou duas plataformas em que todos se sentissem à vontade para que os alunos não tenham de utilizar mil e uma plataformas diferentes", confirma o aluno André Monteiro, presidente da associação de estudantes do estabelecimento de ensino que frequenta.

Até os horários mudaram. Na sua escola, outros anos de escolaridade viram o seu horário "reduzido para aulas durante a manhã".

Uns pedem menos TPC, outros mais apoio dos professores

O mesmo não aconteceu com a filha de Céline Costa, 39 anos, mãe de três, natural de Leiria. Para esta família, falta comunicação por parte dos professores, que deixaram dois dos seus filhos ao total encargo dos pais. Um problema tanto maior quanto menor o ciclo de ensino, diz por experiência.

"Apenas uma mensagem de tranquilidade." Foi tudo o que Céline recebeu da educadora do filho mais novo. David, de 6 anos, frequenta um jardim-de-infância e está no último ano do pré-escolar. Até agora, não foi encaminhada "nenhuma atividade para fazer com ele por parte da educadora". Um pouco à semelhança do que acontece com a filha Letícia, de 8 anos. A frequentar o 2.º ano, também ainda não recebeu mais do que "uma ficha para imprimir" desde que a escola encerrou portas.

A um dia do arranque o último período, parece que nada deverá mudar, diz. Da escola do mais novo não chegou qualquer aviso sobre como decorrerá este período. Da escola da filha do 2.º ano, lembra que recebeu "um pedido de autorização no âmbito do RGPD para sessões síncronas, com indicação de que receberia mais informações mais tarde", ainda sem qualquer informação adicional. "Hoje, tenho apenas perguntas sem respostas", lamenta.

O educador de infância Diogo Guerreiro lembra que "todas as pessoas estão a aprender", mesmo os educadores e as educadoras, que procuram "adequar melhor as suas práticas a canais de comunicação assíncrona ou síncrona". "Do mesmo modo que a vida não é um livro de cálculo ou um documento de texto, a educação de infância (principalmente na sua fase pré-escolar) não é um livro de fichas", reitera.

Diogo trabalha na Associação Escola Aberta, em Beja, e lembra que o seu trabalho passa, atualmente, por acompanhar os pais e as crianças nos seus momentos de crescimento. "Falamos ao telefone e deixamos que as mães e os pais nos contem tudo dos dias que passam. Ouvimos muito, vemos imensas fotos e imensos vídeos que vamos recebendo dos momentos que forem escolhidos para serem partilhados connosco", conta. Mas lamenta que o grande adversário aos novos tempos no que toca à educação se deva à "falta de agenda das mães e dos pais", consumida pela "pressão do mundo do trabalho".

Como trabalhadora independente, na área da tradução, e "com muito pouco trabalho" por esta altura, Céline tem conseguido acompanhar os filhos e continuar a estimulá-los. "O mais difícil", desabafa, "foi conseguir encontrar atividades", para que não "passassem o dia todo à frente da televisão". Com pinturas e culinária, é assim que tem preenchido os dias dos seus filhos. "Mas não é fácil. Preferia ter tido orientação por parte dos professores", remata.

Só a filha mais velha escapa a este cenário. Clarisse, de 13 anos, frequenta o 8.º ano do ensino articulado com o Orfeão de Leiria e tem aulas de piano semanais por Skype, assim como tem recebido "algumas fichas" de outras disciplinas. Ao contrário dos irmãos, já recebeu informações sobre como irá decorrer este período letivo. "Vão utilizar a plataforma Teams" e há "um plano de trabalho semanal, enviado aos pais".

Ao passo que Céline Costa pede mais apoio por parte dos professores e dos educadores para continuar a acompanhar as crianças, outros pais reclamam excesso de trabalho enviado para cada aluno. Um problema que levantou o debate logo na primeira semana de ensino à distância.

Filinto Lima reconheceu mesmo que "nos primeiros dias possa ter existido algum exagero", mas lembra que "os pais devem estar calmos, são exercícios para serem realizados durante alguns dias". "O pai é um coordenador, um supervisor, por isso apelo a que façam uma supervisão das tarefas diárias que as crianças têm para fazer e deixem a correção a cargo dos professores", sublinhou o dirigente da ANDAEP.

Aulas na TV vêm ajudar, mas professores precisam de mais informação

O final do 2.º período denunciou a falta de preparação das escolas para enfrentar os atuais desafios, com cerca de 50 mil alunos sem recursos (computador ou internet) e professores sem formação para aplicar o ensino à distância. Por isso, o governo anunciou na semana passada que todo o ensino até ao 9.º ano "será agora reforçado com o apoio televisivo de conteúdos pedagógicos". A iniciativa irá chamar-se #EstudoEmCasa e terá início a partir de 20 de abril.

Embora elogiem a medida, os diretores de escolas mostram reservas quanto a este complemento ao ensino. Na opinião do presidente da ANDAEP, Filinto Lima, "é urgente que o ministério faça chegar às escolas os conteúdos que vão ser transmitidos", correndo o risco de estar a criar um mecanismo de apoio que "pode não ser rentabilizado" pelos professores.

Os conteúdos serão transmitidos diariamente (em dias úteis), no canal RTP Memória - acessível por cabo, satélite e também através da televisão digital terrestre. "Teremos atividades letivas por blocos de dois anos, começando com o 1.º ano até chegar ao 9.º, mais ao fim da tarde", explicou o primeiro-ministro. A grelha já pode ser consultada.

O primeiro-ministro frisou que estes conteúdos "complementarão mas não substituirão o trabalho dos professores". E só servirá do 1.º ao 9.º ano de escolaridade. No ensino secundário, "é tal a diversidade de disciplinas" que não será possível recorrer ao meio televisivo para apoiar as aulas.

Também na RTP 2 haverá uma programação especial de manhã para crianças dos 3 aos 6 anos.

Na casa de Céline, garante, esta poderá ser a solução para um terceiro período em que "pode haver problemas de disponibilidade dos equipamentos". Apesar de disponibilizarem dois portáteis, um tablet e um telemóvel, com cinco pessoas em funcionamento, torna-se difícil gerir a utilização destas ferramentas. Se os seus filhos irão recorrer às aulas na TV? "Sim, garantidamente. Nem que seja para os ocupar uma hora por dia", admite.

Também para auxiliar os professores, o Ministério da Educação anunciou nesta segunda-feira uma formação para o ensino à distância, que deverá chegar a cerca de 750 agrupamentos inscritos e e que tem início já no dia 15.

Secundário com futuro incerto

O ensino secundário ainda é o centro das grandes reservas do governo na tomada de decisões. O primeiro-ministro admite ainda não haver condições para fixar uma data no regresso às escolas para os dois últimos anos do ensino obrigatório, tendo por base a informação atualmente disponível. No entanto, o cenário predileto é que o ambiente esteja minimamente seguro em maio para poder estudar este regresso, mas só dos 11.º e 12.º anos.

Enquanto se adicionou esta dúvida, chegaram algumas certezas: os exames nacionais do secundário vão ser realizados, embora em datas distintas das inicialmente previstas. As provas decorrerão, na primeira fase, entre 6 e 23 de julho e, na segunda fase, entre 1 e 7 de setembro, o que "permite estender a atividade letiva até ao dia 26 de junho", anunciou António Costa. No entanto, os alunos só realizarão os exames que necessitam para o acesso ao ensino superior. A restante avaliação será assegurada pela nota interna.

O jovem André Monteiro aplaude as medidas apresentadas pelo governo. "Foram ao encontro não só das minhas expectativas mas também da maioria dos meus colegas", confirma. No entanto, admite que a possibilidade de regressar em maio pode ser perigosa. "Sinceramente parece arriscado de mais e provavelmente iríamos deitar tudo por água abaixo", desabafa. Para já, basta-lhes esperar para ver aonde nos levam estes novos tempos, que são, como assegura, de ansiedade para muitos alunos.

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