Os desempregados que a pandemia atirou para a rua mas que não perdem a esperança
De muletas e uma 'bota' a proteger o pé partido, Valéria, brasileira de 55 anos, recorda como foi obrigada a pedir ajuda para não ficar a viver na rua.
"Em fevereiro estava trabalhando a recibo verde e quando foi o início da pandemia eu me vi sem emprego, então a única opção que eu tive, porque não tinha como pagar a renda, foi ir para o alojamento", conta, referindo-se ao centro de emergência para sem-abrigo do Casal Vistoso, onde a Lusa a entrevistou em maio.
Agora, cinco meses depois, e já num quarto na Pousada da Juventude do Parque das Nações, entretanto também transformada em centro de acolhimento para sem-abrigo, está inscrita no centro de emprego e envia currículos.
Espera até dezembro recuperar do pé partido e conseguir uma resposta positiva "para pelo menos sair do alojamento" e voltar a ter um quarto para morar.
"Era copeira, sempre trabalhei como copeira, nunca fiquei sem emprego aqui", recorda, retratando-se a si própria como "uma das vítimas da pandemia" e aspirando a "voltar à vida normal" que tinha desde que há quase três anos chegou a Portugal.
"Tenho esperança de logo, logo voltar ao trabalho", repete, sentada na cama coberta com um 'édredon' branco no quarto que partilha há algumas semanas com Solange.
"Mas, não acabou bem", conta, tentando falar em português, língua que ainda tem alguma dificuldade em compreender e, mais ainda, em falar.
Planos e sonhos continuam a ter: "Estamos a tentar arranjar emprego [para o Ricardo] e eu estou a tentar continuar os meus estudos e arranjar um 'part-time' para ajudar nas despesas com o meu namorado", diz.
"Nunca pensei passar por isto... não estou habituado a isto e quero sair daqui", acrescenta, com Ricardo ao lado, afónico devido a uma faringite, a conseguir pouco mais do que acenar com a cabeça em sinal de concordância.
Carlos Farias, coordenador do centro de emergência instalado desde maio na Pousada da Juventude do Parque das Nações, confirma que a pandemia de covid-19 'atirou' novas pessoas para a rua.
"Temos aqui algumas situações que ilustram bem isso, temos pessoas que trabalhavam, perderam o emprego, deixaram de poder pagar a renda da casa ou do quarto onde estavam e a solução foi procurar apoio", diz.
A esses juntam-se, não só na pousada do Parque das Nações, mas também nos restantes centros de acolhimento criados pela Câmara de Lisboa, outros que "já estão há algum tempo na rua".
Para todos o objetivo é o mesmo: encaminhá-los para uma nova vida.
"Temos pelo menos duas pessoas em formação, alguns que trabalham, alguns que conseguiram emprego por eles próprios... também se fazem à vida", diz Carlos Farias.
Atualmente, no centro do Parque das Nações, com capacidade para 52 utentes, estão 49 pessoas, algumas já desde 13 de maio, dia em que a pousada abriu portas para receber pessoas em situação de sem-abrigo.
"Não há muita rotatividade, as pessoas ficam aqui até ser arranjado um encaminhamento", explica.