Melo Gomes: "Vamos ter um Dono Disto Tudo nas Forças Armadas?"

Antigos chefes de topo das Forças Armadas insistem no alerta contra a concentração de poderes no CEMGFA, prevista na proposta de lei que o governo aprovou, com apoio do PSD
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O ex-chefe de Estado-Maior da Armada, Almirante Melo Gomes, uma das principais vozes críticas ao plano do governo para concentrar no Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) os mais importantes poderes dos chefes da Marinha, Força Aérea e Exército, alerta para os riscos de se estar a criar "uma figura demasiado poderosa" no sistema de Defesa Nacional.

"A ser aprovada assim esta lei prefigura um CEMGFA com poderes e responsabilidades como não se vê em nenhuma outra pessoa. Vamos ter um Dono Disto Tudo nas Forças Armadas?", questiona, recordando a expressão utilizada em relação ao ex-gestor do BES Ricardo Salgado.

Melo Gomes, salvaguardando não conhecer a detalhe o diploma que seguiu para a Assembleia da República, não vê que tenham sido atendidas as principais preocupações que os chefes dos ramos, no ativo, terão entregue ao ministro da Defesa.

"As modificações em relação à proposta original serão pura cosmética, no essencial os alertas que temos feito foram, pura e simplesmente, ignoradas. Antevejo que, caso no parlamento se mantenha tudo assim, que esta reforma seja fonte permanente de atritos entre o CEMGFA, os ramos e o ministro. Há um tricotar de competências que não são clarificadas e vão piorar a relação entre as tutelas militares e políticas, e entre o CEMGFA e os chefes dos Ramos", conclui, assinalando que "nunca uma reforma desta dimensão e com este impacto tinha sido tratada nas costas dos chefes militares, como foi este processo".

No rescaldo da semana em que foi já aprovada em Conselho de Ministros a proposta de reforma do comando superior das Forças Armadas (FAA), também o ex-chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), General Pinto Ramalho, reforça ao DN a mesma preocupação.

"Os CEMGFA´S não são iluminados. Em matérias militares é essencial a corresponsabilização nas opções estratégicas e nas respostas", sublinha o oficial general.

Pinto Ramalho não entende "como alguém pode dizer que o sistema que se pretende introduzir mantém a autoridade dos chefes perante os seus Ramos". "Se estão na dependência do CEMGFA para tudo, se no Conselho de Chefes só dão opiniões, sem as mesmas serem vinculativas é óbvio que a autoridade dos chefes é claramente afetada", assevera.

Para o ex-CEME há ainda outro perigo: "apostando na centralização de competências num só homem abre-se, perversamente, a porta para a governamentalização das Forças Armadas. É um grande risco."

O PSD, único partido que poderia travar a iniciativa do governo, que precisa de ser aprovada por dois terços dos deputados porque implica alterações à Lei de Defesa Nacional e à Lei de Bases para a Organização das Forças Armadas, não vê as coisas assim.

"As propostas apresentam alterações muito cirúrgicas que mantêm a integridade e a importância dos Ramos", diz Ana Miguel , coordenadora para a Defesa no grupo parlamentar social-democrata, que em entrevista ao DN já afirmara que esta reforma era "inevitável".

No entender da deputada "os chefes dos Ramos continuam a manter o acesso ao ministro, não existe qualquer super concentração no CEMGFA. O processo fica apenas mais claro e mais fluido".

Ana Miguel realça outras preocupações, as quais, aliás, também têm sido apontadas pelos ex-chefes: "o nosso foco deve estar na perda estrutural de militares, um problema crónico das Forças Armadas. Por isso, o PSD está a trabalhar para apresentar propostas que ajudem na solução desta falta de atratividade da carreira militar. E é sobre a falta de efetivos que todos nos devemos empenhar, sob pena de, dentro de pouco anos, só termos comandantes sem soldados para comandar!".

Também para o PS, que tinha prometido "um olhar crítico" à proposta do governo" e afirmado que era preciso "manter a dignidade dos Chefes", "esse objetivo é conseguido e conservado".

"Resultam claros os objetivos positivos desta reforma, que reforça as competências do CEMGFA, nomeadamente no comando de todos os assuntos de natureza militar, dotando o CEMGFA da autoridade necessária para liderar operacionalmente e estrategicamente as Forças Armadas face aos novos desafios e antecipando, na medida do possível, as ameaças do presente e do futuro", afiança Diogo Leão, coordenador do grupo parlamentar do PS na Comissão de Defesa Nacional.

Para o deputado "fica também claramente evidenciada a vontade do governo em conservar o prestígio e a dignidade dos Chefes de Estado-Maior dos três Ramos, mantendo-os como conselheiros do Ministro da Defesa, no âmbito do Conselho Superior Militar e despachando diretamente com o Ministro em matérias que todos sabemos relevantes para a identidade e capacidades de cada um dos Ramos, em particular a execução da Lei de Programação Militar, entre outros".

O ministro da Defesa Nacional tem procurado um "consenso o mais abrangente possível" no parlamento para a aprovação das propostas do Governo, tendo reunido com alguns dos grupos parlamentares antes de irem a Conselho de Ministros.

Em declarações após essa reunião do governo, João Gomes Cravinho não resistiu a deixar uma farpa aos generais que têm criticado os seus planos, afirmando que só observou alguma "turbulência entre os antigos chefes" militares.

"Tudo me leva a acreditar que o objetivo que estabeleci, de termos um consenso muito alargado na Assembleia da República, será atingido. Estou otimista sobre o processo. Quanto a turbulência nas Forças Armadas, não prevejo isso. Vejo que há alguma entre antigos chefes. Mas não vejo turbulência refletida nos atuais chefes e noutras estruturas das Forças Armadas. Vejo as Forças Armadas muito serenas, a encararem com toda a normalidade", disse Gomes Cravinho.

Os chefes dos Ramos, "deixam de despachar com o ministro tudo o que seja assuntos militares. Tudo o que seja assuntos administrativos e orçamentais, continuarão a despachar com o ministro. Nunca houve intenção de colocar estes assuntos na esfera do CEMGFA", garantiu.

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