Esquerda e PSD protegem Costa no caso 'Expresso Leaks'
A Ordem dos Médicos (OM) pediu na segunda-feira a audiência e António Costa respondeu em tempo relâmpago: a audiência será já esta terça-feira, logo pelas 9h00 da manhã, na residência oficial do primeiro-ministro (PM), em São Bento.
O que se antecipa é uma tentativa de desanuviar a tensão entre a Ordem dos Médicos e o governo, tensão que se agravou subitamente este fim de semana, pela divulgação nas redes sociais de um vídeo de sete segundos de uma conversa off the record do primeiro-ministro com jornalistas do Expresso.
Nessa conversa, Costa qualificava de "cobardes" os médicos que alegadamente terão recusado diretivas do presidente da ARS do Alentejo para acudirem ao lar de Reguengos de Monsaraz onde um surto de covid-19 provocaria 18 mortes (16 utentes, uma funcionária e uma pessoa da comunidade).
Esta segunda-feira, por volta do meio-dia, um comunicado da OM considerava as declarações do PM "ofensivas" e anunciava que a Ordem tinha pedido ao chefe do governo uma audiência urgente. "Estas afirmações, independentemente de serem proferidas de forma pública ou em privado, traduzem um estado de espírito ofensivo para os médicos e um sentimento negativo por uma classe profissional", lia-se no comunicado da Ordem.
A resposta de Costa foi rapidíssima. Ainda não eram 14h00 quando a Lusa dava nota da decisão do PM de receber a direção da OM já esta terça-feira, logo ao início da manhã. E menos de duas horas depois, o bastonário, Miguel Guimarães, já afirmava aos jornalistas - depois de uma reunião do Fórum Médico convocada pela Comissão Permanente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos - ser "absolutamente essencial" que se resolva o "mal-estar" entre os médicos e o governo por causa do que aconteceu em Reguengos de Monsaraz.
"Espero que este mal-estar possa ser sanado e resolvido rapidamente. Isso é absolutamente essencial, precisamos, de facto, de fazer isso. Precisamos de fechar este dossiê [surto no lar em Reguengos de Monsaraz] e precisamos de nos concentrar naquilo que é importante", sublinhava o bastonário.
O qual destacava ainda a necessidade de se criar um "clima de tranquilidade" para que os "os médicos possam estar mais motivados" para, por exemplo, enfrentar o que aí vem no outono/inverno (a acumulação da pandemia com a época normal de gripe).
A exploração política dos desabafos do PM indevidamente gravados pelo Expresso - e difundidos online por não se sabe quem - ficou por conta do CDS e do Chega.
O CDS considerou que "o primeiro-ministro deve retratar-se publicamente e retirar imediatamente o ataque feroz que desferiu à classe profissional que os portugueses mais contam para vencer esta pandemia". "O socialismo faz cada vez pior à saúde da nossa democracia", afirmou o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos.
Já o Chega aproveitava para fazer campanha presidencial (à qual o líder do partido, André Ventura, será candidato) dizendo que agora o Presidente da República tem de "repreender fortemente o primeiro-ministro", sendo que este, por sua vez, "dificilmente tem condições para continuar no cargo".
À esquerda, o silêncio foi ensurdecedor. Nem o BE nem o PCP comentaram os desabafos de Costa. Tudo o que se ouviu (leu, no caso) foi um texto de Catarina Martins no Facebook no qual a líder do Bloco de Esquerda se insurgia contra a "terrível tragédia" do que se passou no lar de Reguengos e também no Lar do Comércio em Matosinhos (20 mortos).
"A terrível tragédia destes casos é a absoluta desumanização das pessoas que habitam nos lares. E é essa desumanização que deve convocar toda a nossa indignação. Dos casos com contornos criminosos, como estes dois, a todos os outros onde o esquecimento também mata. Quase 40% das mortes por covid em Portugal foram em lares. Não tinha de ser assim. Não tem de ser assim. Não pode repetir-se."
Acrescentando: "Em Portugal, a resposta dada às pessoas mais velhas dependentes é a institucionalização em lares entregues ao setor social, pouco fiscalizados, quase sempre com trabalhadores a menos, com pouca formação e mal pagos", ou seja, "em vez do cuidado, o esquecimento".
E assim, porque "a pandemia expôs a crueldade de sempre", o que importa é assumir, conforme o BE defende, que "não tem sentido o Estado limitar-se à contratualização com privados". "Deve existir sempre rede pública, para uma resposta universal e de qualidade. E os privados, que, só na área da velhice, recebem 600 milhões de euros por ano do Estado, devem ser fiscalizados. Em 2016 apresentámos um projeto no parlamento para, entre outras medidas, impor uma fiscalização articulada da segurança social e da saúde aos lares de idosos; exatamente o que agora se prova tão essencial. Infelizmente pouco foi feito e quase nada mudou."
Rui Rio, pelo seu lado, também recusou comentar as inconfidências do PM, com o argumento de que foram divulgadas de forma não autorizada e obtidas numa conversa reservada. "Há princípios éticos que eu não passo e não comento, pura e simplesmente", afirmou, reforçando que não comenta "conversas em off, muito menos quando as conversas em off' são mandadas para as redações dos outros jornais".
O Expresso, entretanto, emitiu um segundo esclarecimento, depois do de domingo, quando o vídeo com os desabafos do PM começaram a circular massivamente pela redes sociais.
A direção do jornal assumiu um "lapso" (a gravação com captação de som da conversa reservada que o PM teve com jornalistas do semanário) e um "erro" (ter enviado essa gravação a duas televisões, a RTP e a SIC).
Revelou também que "denunciou junto do Facebook, Twitter e Youtube o referido vídeo por violar os direitos de propriedade" que pertencem ao jornal.