Foi o gosto pelo desenho que levou José Pedro Silva a pedir ao pai para o inscrever no concurso Construções na Areia que ia ter lugar no areal da praia de Buarcos (Figueira da Foz). Sem o saber estes foram os primeiros passos para uma carreira como arquiteto que já o levou a participar na projeção do Museu Nacional de Abu Dhabi, a trabalhar com Siza Vieira, a integrar gabinetes de arquitetura em Nova Iorque a agora a fazer parte do gabinete de Norman Foster, em Londres. Além de uma vida de viagens pelo mundo que o ajudam a esquecer a desilusão sentida pelo país onde nasceu..Mas comecemos pelo princípio. Estávamos em 1995, José tinha 10 anos e imaginação suficiente para decidir não "ir na onda" das esculturas "normais": castelos e conchas. "Foi a primeira vez, estávamos de férias, vi qualquer coisa sobre construções na areia [esta iniciativa do DN teve a sua primeira edição em setembro de 1952] e pedi ao meu pai para me inscrever, a mim e ao meu irmão. E eu disse que ia fazer uma coisa diferente - um gorila. Foi fácil", recorda agora ao DN passados 25 anos dessa manhã. Um quarto de século em que cumpriu um dos seus sonhos e vai concretizando outro: é arquiteto e viaja. Muito e com muitas aventuras pelo meio..José está agora em Londres no escritório da Foster+Partners no que é mais um passo de uma vida que já o levou, por exemplo, a EUA, Brasil, Peru, Bolívia, Patagónia, a fazer a travessia de barco entre a ilha francesa de Saint Martin e Toulouse (França), Dubai, Japão..Londres é agora o "mundo" deste arquiteto que na manhã de 13 agosto de 1995 surpreendeu o júri constituído pelos pintores Cunha Rocha, Tísha e João Ricardo. No DN do dia seguinte pode ler-se: "Apareceram aqui trabalhos realmente muito bons, alguns indiciadores de interessantes talentos. (...) Embora deva ser sublinhado O Gorila, do José Pedro Silva, do escalão dos mais novos, que, indiscutivelmente, justificava "um prémio à parte"."."Toda a gente estava a construir a mesma coisa e eu disse que ia fazer uma coisa diferente. Foi simples fazer a estrutura [do gorila] na areia", explicou José Silva ao DN. Uma aposta que teve como prémio, além dos elogios, uma bicicleta. "Fiquei todo contente", diz..Aos 10 anos começava assim a dar os primeiros passos a carreira de arquiteto que, na realidade, nem era uma surpresa para José e família. "Desde pequeno que diziam que tinha muito jeito para desenhar e que ia entrar em Belas-Artes ou Arquitetura. A minha obra final no secundário foi a maqueta de uma casa. Sempre disse que queria ser arquiteto", conta na conversa mantida desde Londres..José diz que esta "vida de arquiteto é muito cansativa", mas depois fala da sua outra paixão e aí "perde-se" nas recordações. "Gosto muito de viajar. Aos 19 anos pedi o carro emprestado ao meu pai e fui até Pompeia. Joguei ténis, ganhei alguns torneios, e assim viajava", explica. Aliás, este não é o único desporto que pratica: escalada, esqui, vela, mergulho, kitesurf, fazem parte dos gostos desportivos deste natural da Covilhã, cidade onde estudou até ao final do secundário. Aliás, o currículo académico de José é também bem diversificado: depois do secundário, seguiu para Viseu onde fez a licenciatura e o mestrado em Arquitetura no polo da Universidade Católica e frequentou um ano letivo na Universidade de Bolonha ao abrigo do programa Erasmus..Em termos profissionais o seu percurso começou no ateliê de Siza Vieira - "foi uma boa experiência, ele pagou-me. Estive lá um ano e três meses e tive a oportunidade de fazer parte da equipa que participou no concurso para o projeto de Alhambra [em 2011 Siza Vieira com o arquiteto espanhol Juan Domingo Santos venceu o Concurso Internacional de Ideias Átrio da Alhambra, para a criação de um acesso e centro de visitantes para o complexo da Alhambra de Granada, Espanha] - passou depois por Nova Iorque e regressou à Europa, a Inglaterra. Aí trabalhou em alguns escritórios de arquitetura até chegar à Foster+Partners, onde está há mais de três anos. Neste, fez parte da equipa que acompanhou a construção do Museu Nacional em Abu Dhabi..Se a arquitetura é uma das paixões de José Pedro Santiago da Silva não é, como já se escreveu, a única. Passear, conhecer países e regiões seja a pé ou de mochila às costas, ensinar esqui na Patagónia ou fazer a travessia do oceano Atlântico de barco, também fazem parte do seu portfólio.."Depois de ter estado em Nova Iorque, decidi ir visitar o meu irmão ao Rio de Janeiro [Brasil]. Devia ter sido dois meses e acabei por demorar dois anos e meio. Andei a passear pela América do Sul, sempre sozinho. Subi a Machu Picchu, fui à cidade Cerro de Pasco que está a mais de quatro mil metros de altitude e é conhecida como a cidade mineira. Foram 15 dias de mochila às costas e a acampar na floresta", recorda, acrescentando: "E fui instrutor de esqui na Patagónia. Uma pessoa começa a viajar pela América do Sul e não para.".Aventura passada, era hora de regressar à Europa e até aí optou por uma viagem diferente: "Fiz a travessia de veleiro com um médico norueguês. Ele foi para o Brasil com o filho, que depois não podia regressar com o pai. Falámos e fui ter com ele à ilha francesa de Saint Martin, realizei uns testes e fizemos a ligação Saint Martin-Bermudas-Açores-Toulouse. Aí tive de o deixar pois tinha uma proposta de trabalho que tinha sido difícil conseguir depois de tanto tempo parado - nas entrevistas queriam sempre saber a razão de ter estado tanto tempo parado.".E é neste novo passo profissional que vai trabalhar para Abu Dhabi acompanhando a construção do museu nacional. E é aqui que tem mais uma história para contar: foi infetado com a covid-19. "Passei mal, tive sintomas durante quatro meses.".José Silva saiu de Portugal há alguns anos, vai cumprindo os seus sonhos e participando em projetos de dimensão mundial, mas também foi uma decisão motivada pelas poucas oportunidades que diz existirem no seu país. Onde, acrescenta, "não é dada qualquer oportunidade aos jovens. Um arquiteto ofereceu-me um ordenado de 800 euros e um contrato para voltar para Portugal. Anteriormente um outro ficou a dever-me dinheiro. É o capitalismo selvagem. Os próprios arquitetos exploram a classe, usam a mão-de-obra de estagiários e fazem concorrência desleal aos colegas". "O nosso sistema educativo dá-nos capacidades que os outros países não têm. Forma profissionais de qualidade. Não temos dificuldades em adaptar-nos num outro país. Por exemplo, a nossa arquitetura e a nossa engenharia são bastante boas. Temos pessoas competentes no país, mas depois quem está à frente diz "vem aí a Champions"", lamenta.."A abstenção [nas eleições] devia servir para alguma coisa. É a forma de mostrarmos o descontentamento. Já não acredito nas pessoas que estão nos partidos. O sistema político tem de mudar. Acho que já nem devia haver partidos. Deviam chamar as pessoas pela competência e não pelo partido. As pessoas estão cansadas.".Desilusões à parte, José Silva vai continuar em Londres, desta vez envolvido num projeto para a construção de quatro hotéis na Arábia Saudita. "Numa ilha que querem tornar turística", conta..É mais um passo numa carreira que começou há 25 anos em Buarcos com um gorila na areia e que segundo o júri merecia um prémio à parte pela sua sensibilidade, facilidade, rapidez e vivacidade".