É fim de tarde. Ameaça chover e está frio. Mas num escritório da baixa lisboeta há abraços calorosos. Virtuais, mas calorosos, como gosta Olaf, um boneco de neve do filme "Frozen" que faz as delícias das crianças. Lá dentro, em quatro salas estão outros ídolos dos miúdos: quatro pais natais que, por força da pandemia, levam as crianças a um mundo de fantasia através de videochamadas. Foi a forma encontrada para reinventar esta figura natalícia que costuma animar os centros comerciais da Sonae numa época em que os abraços estão proibidos..Severino Moreira, 71 anos, é um desses pais natais. E um dos mais reconhecidos e solicitados por miúdos e graúdos tanto pelas campanhas publicitárias em que aparece, como pelos 20 anos consecutivos de serviço no Colombo, em Lisboa. A ideia de saltar da praça central daquele centro comercial, onde costumo passar o mês de dezembro rodeado de adereços natalícios e na companhia de milhares de pessoas, para uma sala com uns 20 metros quadrados, despida de enfeites, paredes brancas e sentado em frente a um computador e a um foco de luz circular deixou-o na dúvida.."Mas será que isto vai resultar? Como é que eu próprio me vou dar?", perguntou-se. Utilizador de redes sociais, rapidamente aprendeu a lidar com o programa que o põe em contacto com as crianças. "Isto é muito intuitivo. E passados três ou quatro contactos, meia dúzia deles, estou noutra praia. Mas que se torne a minha também", diz Severino Moreira, barba branca bem crescida, vestido a preceito..Está sentado num trono, diante de uma tela verde, mas quem o acompanha através do computador vê os cenários virtuais criados pela dupla Oskar & Gaspar, a mesma que já criou espetáculos de videomapping para a Praça do Comércio. Tanto pode escolher entre a sala com lareira, como a vista da janela que mostra a neve que cai. "Tenho uma imagem da fábrica dos brinquedos e às vezes sinto que os olhos se abrem, arregalam-se a ver a imagem", conta..Mais de 4.000 videochamadas.Começou a fazer estas videochamadas a 16 de novembro. Ele e os outros três pais natais dos centros comerciais da Sonae. Até ao Natal terão feito mais de mil cada um. Estão de serviço todos os dias ao fim da tarde, mais horas aos fins de semana e Severino ainda conta uma história semanal em direto. "Isto acabou por ter uma afluência muito grande, maior do que a esperada", conta. De tal forma, que neste momento já não há vagas para reservar uns minutinhos com nenhum Pai Natal.."É o país todo que nos liga. Tanto falo agora com uma menina da Madeira como a seguir estou a falar com um menino do Norte Shoping, no Porto...", comenta Severino. E do estrangeiro, também lhe ligam? "Por acaso já me apareceu uma menina espanhola... mais do que uma até, umas três"..O diálogo com as crianças nem sempre é fácil. Algumas são mais envergonhadas e na comunicação por computador parece que ainda mais se inibem. "Depois, à medida que o diálogo se desenvolve, a criança solta-se. Então temos, como presencialmente, gargalhadas, temos graças, fazem-se as promessas", descreve Severino Moreira. Também há equívocos, como julgar que está a falar com uma menina e, afinal, ouvir lá do outro lado a criança dizer: "Eu sou um rapaz"..Mimos de todo o lado.E há momentos emotivos, que o deixam de lágrima no olho. Como aquele casal que tira fotografias com este Pai Natal há 15 anos e que, agora, durante uma videochamada, foi ao álbum e mostrou essas memórias a Severino. "Não sei o que fiz às pessoas. As pessoas mimam-me muito", comenta agradecido..Garante que as famílias também se mostram agradecidas por se ter encontrado uma alternativa ao Pai Natal presencial. "Apesar da pandemia não se quebra a ternura. É uma realidade que nada substitui a presença, o afeto presencial, mas tenta-se dar à criança a emoção do momento dentro das circunstâncias que estamos a viver. E vivem-se na mesma momentos muito felizes", assegura..Tal como o menino que lhe pediu uma varinha mágica para triturar o covid, também Severino pede ao seu Pai Natal que a pandemia tenha um fim rápido. "A linguagem do abraço é uma linguagem sempre presente e neste momento é uma linguagem de saudade. Peço para que isso volte tudo o mais depressa possível". Para que no Natal de 2021 volte tudo ao normal.