O relatório preliminar do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) sobre descarrilamento e subsequente colisão das cabinas do ascensor da Glória, divulgado esta segunda-feira, 20 de outubro, aponta para falsas tarefas de manutenção e de inspeção, da responsabilidade da Carris.No documento, a que o DN teve acesso, mais precisamente no sexto capítulo, que resume as constatações relevantes até à data, "há evidências de que tarefas de manutenção registadas como cumpridas nem sempre correspondem às tarefas efetivamente realizadas, bem como de serem executadas tarefas críticas para a segurança de forma não padronizada, com parâmetros de execução e validação díspares".. Mais abaixo, também sobre as constatações relevantes sobre a manutenção do ascensor, é referido que "as inspeções previstas para o dia do acidente e antecedentes estão registadas como executadas e pessoal do prestador de serviço esteve presente, mas as evidências não suportam o período horário indicado nas folhas de trabalho para a sua execução".O GPIAAF conta que, no dia do acidente e no anterior, o cabo não foi observado no fosso, nem tal estava previsto nos procedimentos de manutenção, “embora o caderno de encargos seja contraditório em relação a este aspeto específico”.“A lubrificação do cabo, prevista com periodicidade semanal, está registada como tendo sido realizada em 28 de agosto. A inspeção mensal ao cabo está registada como tendo sido realizada em 1 de setembro”, constataram os investigadores.De acordo com GPIAAF, “o local do cabo onde este se rompeu não era passível de ser observado em qualquer destas inspeções”, sublinhando que, nesta fase, não é possível concluir “se algum indício de anomalia no cabo poderia ou não ser observado algum tempo antes da rotura na parte visível junto ao trambolho [ponto de fixação do cabo]”..Elevador da Glória: o que se sabe e o muito que falta saber. Há mais de 20 anos que a manutenção do ascensor da Glória está contratada pela Carris a um prestador de serviços.A manutenção é assegurada pela mesma empresa desde 2019, contando com um corpo de cinco trabalhadores, à data do acidente.“O processo de formação dos cinco técnicos, com experiências a variar entre os 11 anos e os 8 meses na empresa, é assente em passagem de conhecimento prático em ambiente de trabalho, sem recurso a ações de formação teórica ou cursos técnicos específicos nos vários equipamentos intervencionados sob os contratos vigentes”, refere o GPIAAF.O conhecimento “foi sendo passado ao longo dos anos dos técnicos da Carris para os executantes do prestador de serviços e destes em sucessão”.Os procedimentos de execução (normas), desenhados pela Carris, “há já largos anos que não sofreram qualquer atualização nem o prestador de serviços conta com o necessário corpo de engenharia com o conhecimento técnico especializado em funiculares e meios para o desenvolvimento, atualização e adaptação das ações de manutenção à realidade da operação”.“Não há, por parte do quadro técnico do prestador de serviços de manutenção, no que respeita ao modo específico de execução dos trabalhos, qualquer orientação aos trabalhadores ou supervisão, a qual é feita pela fiscalização da Carris”, frisa o GPIAAF.O sistema de qualidade do prestador também não assegura o “levantamento de fragilidades ou a identificação de oportunidades de melhoria com foco nas suas atividades de manutenção, estando voltado maioritariamente para as questões de higiene e segurança no trabalho”..Como era Lisboa quando chegaram os ascensores? E qual o futuro após a tragédia no Elevador da Glória?. Cabo não respeitava especificações nem estava certificado Sobre o cabo de tração/equilíbrio, o relatório preliminar indica que o mesmo "não estava conforme com a especificação da CCFL [Carris] para utilização no Ascensor da Glória", "não estava certificado para utilização em instalações para o transporte de pessoas" e "não era indicado para ser instalado com destorcedores nas suas extremidades, como é o sistema no Ascensor da Glória (e no Ascensor do Lavra)". Porém, "cabos iguais estiveram em uso durante 601 dias no Ascensor da Glória (e 606 dias no Ascensor do Lavra), sem incidentes. Por esse motivo não é possível neste momento afirmar se as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente".“Desta forma, naturalmente se conclui que, neste momento, não se pode afirmar se interveio, ou que intervenção teve, a utilização deste tipo de cabo não conforme na rotura ocorrida aos 337 dias de utilização, sendo certo para a investigação que houve outros fatores que tiveram forçosamente de intervir”, aponta o GPIAAF.A investigação sublinha que “a zona onde o cabo rompeu não era passível de inspeção visual sem desmontagem do destorcedor do trambolho superior [zona de fixação do cabo]”..Carris poupou 600 mil euros em manutenção entre 2021 e 2023 . “Uma análise macroscópica das extremidades dos cordões rompidos evidencia roturas progressivas, portanto, ocorrendo gradualmente ao longo do tempo, e de diversos tipos. As peritagens metalográficas que serão realizadas no decurso da investigação esclarecerão os mecanismos de rotura envolvidos”, lê-se no relatório preliminar.O GPIAAF revela também que, “imediatamente antes da preparação para o início da viagem” do acidente, na cabina 1, que se encontrava no cimo da Calçada da Glória, estavam 27 pessoas, incluindo uma criança e o guarda-freio, enquanto no interior da cabina 2, junto à Praça dos Restauradores, estavam 33 pessoas, incluindo três crianças e o guarda-freio.“Portanto, ambas bem abaixo da sua lotação máxima de 42 ocupantes”, frisa este organismo, acrescentando que no dia do acidente os ascensores “haviam realizado 53 viagens no total”.“A ocupação média foi de 22 passageiros na cabina 1 e de 17 passageiros na cabina 2, sendo que a lotação máxima de 42 passageiros foi atingida em duas viagens na cabina 1 e em uma viagem da cabina 2”, constatou a investigação.No relatório preliminar, o GPIAAF adianta ainda que ambos os ascensores “estavam equipados com quatro câmaras de videovigilância, cada um, e com um dispositivo dotado de acelerómetros [equipamentos para medir a aceleração] de baixa precisão”, dando conta de que na Calçada da Glória “existem também diversas câmaras de vigilância”.“Tal permitiu à investigação estabelecer com o rigor suficiente a sequência de eventos que antecederam o acidente”, indica o documento.O primeiro embate ocorreu a uma velocidade estimada de entre os 41 e os 49 quilómetros hora, tendo decorrido 33 segundos desde a preparação para a viagem e 20 segundos desde o início do movimento..VMER falhou socorro no Elevador da Glória porque ficou trancada e a chave suplente estava no Algarve. Sindicato quer inquérito. Ascensores devem manter-se parados até reavaliação por entidade especializadaO GPIAAF recomenda à Carris “que não reative os ascensores sem uma reavaliação, por uma entidade especializada em funiculares, das fixações dos cabos e dos travões, em linha com o normativo europeu nesta matéria, respeitando a proteção histórica daqueles transportes, mas sem prejuízo da segurança”.Este organismo recomenda à empresa responsável pelos ascensores de Lisboa que proceda também “a uma reavaliação e revisão do seu sistema de controlo interno, nomeadamente no que respeita aos processos de especificação, aquisição, receção e aplicação de componentes críticos para a segurança dos veículos”.A investigação recomenda também à Carris que proceda “a uma avaliação das vantagens de definir e implementar um sistema de gestão da segurança, em linha com as melhores práticas europeias, mas adaptado à realidade da sua organização”.“Que permita uma identificação e análise explícita e documentada dos riscos de segurança da operação e das medidas implementadas para garantir o seu controlo a um nível considerado adequado, procedendo em conformidade com o resultado dessa avaliação”, aponta o GPIAAF.O cabo que unia as duas cabinas do elevador da Glória e que cedeu no seu ponto de fixação da carruagem que descarrilou não respeitava as especificações da Carris nem estava certificado para uso em transporte de pessoas.A investigação detetou falhas no processo de aquisição do cabo pela Carris e nos mecanismos internos de controlo da empresa.O GPIAAF recomenda ainda à Carris a “clarificação junto do prestador de serviços de manutenção das obrigações contratuais e exercício de uma efetiva fiscalização e controlo sobre essas obrigações, a nível de gestão da manutenção, sua execução e controlo da qualidade em conformidade com o normativo aplicável”.Quanto ao IMT, o relatório preliminar refere tratar-se de uma entidade pública nacional com as atribuições de promover a definição e atualização do quadro normativo e regulamentar do setor dos transportes terrestres, bem como de aprovar, homologar e certificar veículos e equipamentos afetos aos sistemas de transporte terrestre, garantindo os padrões técnicos e de segurança exigidos.O GPIAAF recomenda ao IMT que, em linha com o expresso no regulamento da União Europeia, proceda “à promoção de um quadro legislativo, regulamentar ou outro apropriado, que garanta que todos os funiculares e demais sistemas de transporte público similares ou assimiláveis estão devidamente enquadrados do ponto de vista técnico e de supervisão”.A investigação recomenda ainda que o IMT proceda “à promoção de um quadro legislativo que garanta que os carros elétricos sobre carris, históricos, modernizados ou modernos, que circulam nos arruamentos públicos, quer na sua entrada ao serviço, quer durante a sua vida, ficam sujeitos ao cumprimento de regras e condições de segurança adequadas”.“Seguindo as melhores práticas dos demais Estados-Membros neste domínio, e a um nível de supervisão independente apropriado”, indica relatório preliminar.Segundo o GPIAAF, as recomendações de segurança são propostas para melhoria, sendo elaboradas com base nas conclusões, ainda que preliminares caso tal seja apropriado, de uma investigação a um ou mais acidentes ou incidentes.O acidente com o elevador da Glória, ocorrido a 3 de setembro, causou 16 mortos e cerca de duas dezenas de feridos, entre portugueses e estrangeiros de várias nacionalidades.Moedas reafirma que a tragédia foi derivada de causas técnicas e não políticasO presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, já veio reafirmar que o acidente do elevador da Glória foi derivado a causas técnicas e não políticas.A reação do autarca surge na sequência do relatório preliminar do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), que aponta, nomeadamente, falhas à Carris, à manutenção e à supervisão.“Ao contrário da politização que alguns fizeram durante a campanha, este relatório reafirma que a infeliz tragédia do elevador da Glória foi derivada de causas técnicas e não políticas”, refere Carlos Moedas, numa curta declaração escrita enviada à agência Lusa.Carris remete compra de cabos com alegadas irregularidades para administração anteriorA Carris já veio dizer que desconhece qualquer incumprimento por parte da empresa que fazia a manutenção do Elevador da Glóriana sequência ds falhas e omissões nos trabalhos efetuados pelo prestador do serviço, que são indicadas pelo relatório preliminarNum comunicado, a Carris realçou que o relatório considera que “[…] não é possível neste momento afirmar se as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente” e esclareceu que o processo de aquisição dos cabos, “com alegadas inconformidades, que condicionaram todo o processo de substituição dos cabos, ocorreu em mandato anterior ao do presente conselho de administração”.“Sobre esta matéria, o conselho de administração da Carris desconhece a factualidade exposta” no Resumo das Constatações Relevantes até à Data sobre o cabo de tração/equilíbrio (nos pontos 2 a 5), sublinhou a transportadora, indicando que, “uma vez que o relatório refere o incumprimento de normativos em vigor na Carris, serão apuradas as respetivas responsabilidades”.