Em 2022, ano do pico inflacionário, a Carris gastou menos 288 149 euros em manutenção da sua frota elétrica (elétricos mais elevadores) que em 2021. Em 2023, com mais sete elétricos a circular que em 2021 e com uma forte inflação, a empresa gastou apenas mais 24 mil euros em manutenção da frota.No que respeita à manutenção das infraestruturas do seu “modo elétrico”, a empresa conseguiu poupar mais. Se em 2021 apresentou gastos de 1,8 milhões de euros, em 2022 gastou menos 65 770 euros (num decréscimo de 3,6%). Em 2023 foi ainda mais longe, reduzindo 316 707 euros (menos 17,98%) aos custos de 2022. E se em 2024 se verificou um ligeiro aumento de 4,29% face a 2023 (mais 61 926 euros), os custos de manutenção da infraestrutura elétrica ficaram ainda a 321 mil euros dos registados em 2021.Juntando as reduções nos custos de manutenção da frota elétrica e da respetiva infraestrutura, a empresa poupou 608 700 euros. Fê-lo enquanto à sua volta todos os preços subiam. Estes são os números que constam dos relatórios e contas da Carris, e que o DN reproduz em vários quadros. A não ser que esses números estejam errados, e que a empresa queira esclarecer em quê, é difícil entender a que se refere a Carris quando, na reação à manchete do DN desta terça-feira, enviou um comunicado à Lusa no qual, e citando a notícia da agência, “reitera que qualquer insinuação de desinvestimento na manutenção é falsa”.Recorde-se que a notícia a que a Carris reagiu é uma análise da evolução dos custos da manutenção da infraestrutura e frota elétricas da Carris desde 2018, aplicando aos montantes em causa a depreciação inflacionária. A conclusão foi de que, ao contrário do que sucedeu entre 2018 e 2021, em que assistiu a um aumento no investimento em termos reais, no que respeita ao modo elétrico registou-se uma redução acentuada, de 28%, no custo da manutenção da infraestrutura e de 9,3% na frota. Mas, como o DN afirmava na notícia em causa, a diminuição verificada nestes custos é também nominal. A Carris poupou, na manutenção do seu setor elétrico, mais de meio milhão de euros entre 2021 e 2024. Alhos e bugalhosMas a empresa insiste em afirmar que, ao contrário do noticiado pelo DN, aumentou, e consideravelmente, o seu gasto em manutenção. No citado comunicado, a empresa garante que “o custo das atividades de manutenção ultrapassou 24,6 milhões de euros no ano passado, um aumento de 32,7% em comparação com 2020”. Sucede que a Carris está, nestes números, a misturar as contas da manutenção do modo elétrico — às quais o DN se referiu — com a manutenção do modo rodoviário (autocarros). Está também a acrescentar um ano (2020, o da pandemia de Covid-19) ao período de análise e a referir apenas valores nominais, sem aplicar a variação de preços. Como resulta claro do gráfico abaixo, há uma grande discrepância entre a evolução dos custos da manutenção do modo rodoviário da Carris e os da manutenção do seu modo elétrico. . Para que não fiquem dúvidas sobre os factos, o DN reproduz, ano a ano, em três tabelas, os gastos em manutenção da empresa, assim como as variações percentuais no valor nominal que constam dos relatórios a partir de 2018, e as variações nos valores reais (tendo em conta a taxa de inflação verificada em cada ano). Inclui-se desta vez também a manutenção do modo rodoviário, aplicando igualmente à mesma a depreciação inflacionária.Custo de manutenção de autocarros subiu 9,2% em termos reaisA partir de 2018, os relatórios e contas da Carris passaram a informar de forma clara sobre os montantes anuais despendidos em manutenção em cada um dos “modos” da empresa, elétrico e rodoviário, assinalando as variações percentuais face ao ano anterior.Assim, relativamente ao modo rodoviário (que o DN não tinha analisado na notícia desta terça-feira), e ao período 2020/2024, a que a Carris faz referência no seu comunicado, verificou-se, em termos nominais, um aumento de 41,7% nos custos de manutenção. Já para o período 2021/2024 (aquele que o DN teve em conta na notícia), a evolução nos valores nominais é de 25,58%. Em termos reais, e atendendo ao disparar da inflação a partir de 2022, o aumento é consideravelmente menor nos dois períodos: em 2020/2024 (sendo 2020 o ano da pandemia de Covid-19, quando ocorreu, devido aos confinamentos, muito menos desgaste e utilização de autocarros), houve um acréscimo de 21,48%; no quadriénio 2021/2024, a variação foi de 9,02%.2023 é o ano no qual se verificou, em valores nominais, um aumento mais expressivo, face ao ano anterior, nos custos da manutenção da frota de autocarros (mais 14,32%); segue-se 2019 (13,68%). Já em termos reais 2019 é o ano record no que respeita a incremento dos custos de manutenção da frota de autocarros: mais 13,29% que em 2018. A seguir vem 2021, com mais 11,43%. O único ano em que se registou uma diminuição, em valores reais, dos custos de manutenção da frota rodoviária da Carris é 2022: menos 4,72% face a 2021. Trata-se do ano em que se registou também uma diminuição da frota (menos 13 ou menos oito autocarros, consoante se usem os números constantes no relatório de 2022 ou no de 2023).Refira-se que entre 2017 e 2024 a frota de autocarros da Carris aumentou de 600 para 777, o que corresponde a um acréscimo percentual de 29,5%. Os incrementos mais significativos ocorreram em 2024 (mais 33 autocarros), 2021 (mais 21) e 2020 (mais 15). Diminuições na frota houve a de 2022, já referida, e também em 2023 (menos três veículos). . Mais elétricos, mais inflação, menos custos de manutençãoNos sete anos entre 2017 e 2024 também se assistiu a um acréscimo no número de elétricos: de 38 passaram a 60 — o acréscimo sendo assim de 57,89%, bastante superior ao verificado na frota rodoviária. A estes veículos somam-se, na frota elétrica, os oito elevadores existentes, incluindo os quatro “históricos”: Bica, Glória, Lavra e Santa Justa.O maior aumento anual na frota destes veículos verificou-se em 2019, quando se somaram 10 elétricos aos 38 existentes em 2018; em 2023 foram mais sete e em 2024 mais cinco. Este incremento de 12 elétricos não teve, como o DN noticiou esta terça-feira, correspondência na evolução dos custos de manutenção. . Se entre 2022 e 2024 a Carris pôs mais 12 elétricos a circular (correspondendo a um aumento de 25% da frota), os custos de manutenção da frota elétrica apenas acresceram, em termos nominais, 14,49%. Quanto ao crescimento em termos reais, foi muito inferior: 5,77% em 2023 e 1,33% em 2024. E, como frisado acima, em 2022 os custos de manutenção da frota elétrica registaram até uma redução, em valores nominais (ou absolutos), de menos 8,71%: a Carris gastou menos 288 149 euros que em 2021. Em 2023, com mais sete elétricos que em 2021 e com uma forte inflação, a empresa gastou praticamente o mesmo — em termos nominais — em manutenção. No que respeita à infraestrutura elétrica, a quebra foi ainda maior: menos 3,6% em 2022 e menos 17,98% em 2023. Isto em valores nominais; aplicando a taxa de inflação, assistiu-se em 2022 a uma descida de 10,6%, face a 2021, nos custos, e em 2023 (face a 2022) de 21,37%. .Manutenção dos elevadores também com redução de custosQuanto à manutenção dos quatro elevadores históricos, duas semanas após o terrível acidente no ascensor da Glória, que causou 16 mortos e vários feridos, continua a não existir informação completa, com acesso aos cadernos de encargos, sobre todos os contratos de manutenção celebrados pela Carris para estes equipamentos. Nem sequer há, até ao momento, informação pública incontroversa sobre a data em que esta manutenção foi externalizada. Do mesmo modo, não houve até agora explicações sobre o facto de os valores dos contratos de manutenção conhecidos terem, entre 2012 e 2022, variações mínimas (não houve agravamento de custos em 10 anos, ou o contratado modificou-se, e nesse caso, em quê?). Recorde-se aliás que, como revelado pelo jornal Público, o contrato celebrado em 2022, assinado em agosto desse ano e cujo concurso fora lançado em maio (ou seja, quando já se verificava uma inflação nos preços), tinha um custo, para três anos, inferior em 2% ao do contrato anterior para o mesmo serviço: 851 515 euros (mais IVA) quando o referente período 2019/2022 fora celebrado por 868 140 euros (mais IVA). Explica o Público que "à primeira vista o valor do primeiro e segundo contrato entre a Carris e a MNTC [a empresa que desde 2019 faz a manutenção dos elevadores históricos] parece ter subido de 127 mil euros", mas "uma análise mais detalhada dos dois contratos permite perceber que os valores totais não podem ser comparados de forma direta". Isto porque, prossegue o diário, "o segundo contrato tem duas componentes, uma das quais não estava contemplada no primeiro. Trata-se de uma parcela para cobrir serviços de reparação de danos de vandalismo, acidentes/abalroamentos, que só é paga se os serviços forem prestados (...)." O que significa, conclui o jornal, que, "comparando os serviços comparáveis, observa-se uma diminuição de gastos no último triénio face ao triénio anterior".Partindo da comparação de preços efetuada pelo Público entre o contrato de 2019 e o de 2022, e aplicando-lhe a variação da inflação, trata-se de uma queda de 10%.