“A Carris aumentou em 30% a manutenção entre 2021 e 2024.” Esta afirmação pertence ao presidente da Câmara de Lisboa, na sua primeira entrevista, concedida à SIC a 8 de setembro, após o acidente do Elevador da Glória matar 16 pessoas. Ora, como foi logo esclarecido pelo Expresso, o aumento percentual garantido por Moedas não se verificou na manutenção do “modo elétrico” (elétricos e ascensores) da Carris. Pelo contrário: nessa parte do serviço, os custos de manutenção diminuíram, em valores nominais, 3%. Mas o decréscimo foi na verdade muito maior: tendo em conta a inflação, que disparou em 2022, a Carris gastou menos 28% na manutenção das infraestruturas e menos 9,3% na manutenção da frota.Vejamos então: em 2021, a Carris, segundo o seu relatório e contas referente a esse ano, gastou 1,82 milhões de euros com a manutenção das infraestruturas elétricas (carris, cabos, etc); em 2024 gastou 1,5 milhões. Trata-se de uma descida de 17,54% em termos de valores nominais, que se transforma, tendo em conta a inflação, em menos 28,4%.Já na manutenção da frota elétrica houve um ligeiro aumento nos valores nominais despendidos, de 3,3 milhões para 3,47 milhões: uma variação positiva de 4,5% que se transforma, aplicando a variação de preços, numa diminuição real de 9.3%. Recorde-se que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, a inflação verificada em 2022 foi de 7,83%, em 2023 de 4,31% e em 2024 de 2,42%. Assim, o aumento de preços no triénio terá de ser estimado em cerca de 15%. Para que o custo da manutenção da Carris aumentasse globalmente 30% em termos reais, teria de existir um acréscimo de 45% nos valores nominais. Ora, como se constata, no que respeita ao modo elétrico — aquele que releva quando está em causa o esclarecimento das causas de um acidente num ascensor elétrico — sucedeu o inverso.De 2018 a 2021 custos de manutenção cresceram sempreTal descida, tanto em termos nominais como reais, nos custos da manutenção das infraestruturas e frota elétrica da Carris contrasta com o que ocorrera nos anos anteriores, nos quais se assistira, desde 2018, a aumentos consecutivos e bastante significativos — quando as taxas de inflação variaram entre inflação negativa (em 2020) e 1,27% (em 2021), com 0,99% de variação de preços em 2018 e 0,34% em 2019.Assim, em 2018, o ano seguinte ao da passagem da empresa para a órbita da Câmara de Lisboa, houve, no que respeita à manutenção das infraestruturas elétricas, um acréscimo de 40,87% face a 2017 (de 772 018 euros para um milhão de euros), ao que se seguiram mais 7,26% em 2019, mais 29,53% em 2020 e mais 20,93% em 2021. Já em 2022, e ainda em valores nominais, registou-se uma diminuição nesses custos — menos 3,6% —, e em 2023 o decréscimo foi de 17,98%. Só em 2024 se assistiu a um pequeno aumento de 4,28%. Na manutenção da frota elétrica, a tendência no quadriénio 2018/2021 foi sempre crescente: mais 19,33% em 2018 (gasto de 2,6 milhões), mais 3,86% em 2019 (2,7 milhões), mais 17,43% em 2020 (3,17 milhões) e mais 4,19% em 2021 (3,3 milhões). Em 2022, ano do pico inflacionário, a Carris gastou menos 8,71% (baixando para três milhões de euros). Em 2023, num aumento percentual de 10,33% face a 2022, regressou, em valores nominais, ao montante de 2021 (3,3 milhões); em 2024 registou-se um novo aumento 3,78% no valor nominal (para 3,4 milhões).Custo nominal de contratos para ascensores variou 0,7% numa décadaIgualmente interessante é avaliar, à luz da variação de preços, a evolução do custo da manutenção externa dos elevadores da empresa de transportes da cidade de Lisboa.Tendo em conta a pouca informação disponível sobre o custo destes contratos (não estão todos no Portal Base; quando se contabilizam duas semanas sobre o acidente, a Carris só disponibilizou, no seu site, os últimos, celebrados com a empresa MNTC/Serviços Técnicos de Engenharia), e como já foi apontado pelo Expresso, constata-se que os valores anuais da manutenção dos elevadores “históricos” da cidade não variaram muito desde 2012. Assim, nesse ano, de acordo com o contrato de prestação de serviços de manutenção dos ascensores da Bica, Lavra e Glória e elevador de Santa Justa celebrado com a empresa CME (Construção e Manutenção Eletromecânica SA), que está no Portal Base, a Carris pagou 329 232 euros por 365 dias, após um concurso público no qual o preço base era de 330 mil euros. Uma década depois, em 2022, a Carris contratou com a MNTC (com a qual já tinha celebrado contrato de manutenção em 2019), sob a mesma descrição, por 995 500 euros, o correspondente a 331 800 euros anuais (mais 2568 euros que em 2012, ou seja, mais 0,77%), e pretendia, num concurso de 2025 que acabou por ser cancelado, pagar 1190 mil euros por três anos — 396 666 euros anuais. Montante que corresponde a um aumento nominal de 19,54% face a 2022, o qual, aplicando a depreciação inflacionária, resulta num acréscimo muito menor: 4,6%.Refira-se, para apreciação da evolução dos montante em causa nos contratos, que o valor nominal do salário mínimo nacional aumentou 79,38% entre 2012 e 2025 (de 485 para 870 euros).Quanto aos contratos de manutenção (dos elevadores) anteriores a 2012, não são conhecidos os valores nem condições — até agora, a empresa não esclareceu, nem apresentou os contratos e respetivos cadernos de encargos. O DN encontrou, no Diário da República, o anúncio de um concurso público, cuja data de publicação é 11 de setembro de 2006, relativo a essa mesma manutenção — “Concurso Público nº 03/ME/2006, de sectores especiais para prestação de serviços de manutenção dos Ascensores da Bica, Lavra e Glória e do Elevador de Santa Justa da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa (…) nos termos e condições definidos nas especificações do caderno de encargos”.Trata-se de um contrato para vigorar durante 24 meses, cujos critérios de adjudicação são especificados como “Proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta, em igual medida (50%) “Preço e condições de pagamento” e “Qualidade técnica da proposta”, com prazo de receção de propostas às 17 horas de 23 de outubro de 2006.A “privatização” da manutenção é de 2012?O DN não encontrou mais informação sobre o citado concurso de 2006 — sendo assim impossível saber se dele resultou um contrato e, nesse caso, de que valor. Porém, de acordo com o que o Observador noticiou a 12 de setembro, o concurso não terá resultado em qualquer contrato. "O processo de externalização da manutenção [da Carris] começou em 2005”, diz este diário digital, “mas durante os primeiros anos a responsabilidade ficou em casa, quer numa unidade dentro da própria Carris, quer numa empresa da transportadora — a Carrisbus — criada em 2005.” Esta última empresa (Carrisbus), continua o Observador, só em 2010 “passou a ter atribuições na frota elétrica e ascensores”. E cita o relatório e contas da Carris de 2010: “Em novembro, a manutenção dos carros elétricos, ascensores e elevador foi totalmente subcontratada à Carrisbus”. Ressalva no entanto que no ano seguinte o relatório e contas da Carris só mencionava a externalização, na Carrisbus, da manutenção da frota de carros elétricos, sem menção a ascensores. E conclui: “Não são conhecidos quaisquer contratos para a manutenção regular dos ascensores com entidades externas até esse período”. Assim, crê o Observador, “data de 2012 o primeiro contrato global de manutenção dos quatro ascensores — Bica, Lavra, Glória e Santa Justa — com uma empresa privada”. Trata-se do contrato já mencionado, com a CME.Neste, lê-se: “O contrato irá vigorar durante o período de 1 (um) ano, com início em 01.03.2012 e termo em 28.02.2013, podendo ser renovado por 2 (dois) períodos de 1 (um) ano, no caso de haver acordo entre o adjudicatário e a Carris,S.A.. O adjudicatário e a Carris, S.A. encetarão negociações para efeito de eventual renovação do contrato, devendo as partes chegar a acordo relativo à renovação do contrato com a antecedência mínima de 4 (quatro) meses em relação ao termo do prazo inicial do contrato ou de qualquer uma das suas renovações.” Terá sido isso mesmo que sucedeu; o contrato foi renovado, e a CME continuou a assegurar a manutenção dos elevadores até que em 2019 o concurso foi ganho pela MNTC, que até hoje se mantém como contratante da manutenção — agora, na sequência de o último concurso, em agosto de 2025, ter sido cancelado (por todas as empresas concorrentes apresentarem propostas acima do valor base), com um contrato de cinco meses, em ajuste direto, cujo valor é proporcionalmente muito mais elevado do que o proposto no concurso cancelado. Neste, a Carris contratou por 221 mil euros aquela manutenção durante os referidos cinco meses, o que corresponde a 44 mil euros mensais — bem acima dos 33 mil euros previstos no concurso cancelado.