Agente da PSP acusado de homicídio. Odair Moniz não empunhou faca
Rita Chantre

Agente da PSP acusado de homicídio. Odair Moniz não empunhou faca

Odair Moniz foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro, no bairro da Cova da Moura e morreu pouco depois no Hospital São Francisco Xavier.
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Homicídio com dolo eventual (quando o agente não tem a intenção direta de causar a morte da vítima, mas assume o risco de produzir esse resultado ao realizar uma conduta perigosa) é o crime pelo qual o Ministério Público (MP) decidiu acusar o agente da PSP envolvido na morte de Odair Moniz no bairro da Cova da Moura (Amadora), distrito de Lisboa.

Outro facto registado pela acusação é que Odair não empunhou nenhuma faca no confronto com o agente.

Como é sabido, a PSP informou, no seu primeiro comunicado sobre o ocorrido, que Odair tinha consigo uma faca e a empunhou face aos agentes, mas esse facto - o de ter usado a faca para os ameaçar - não foi corroborado pela investigação criminal.

Segundo um comunicado publicado esta quarta-feira pelo DIAP Regional de Lisboa, o agente da PSP foi acusado como "autor material, pela prática de um crime de homicídio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 26.º, 14.º, n.º 3 e 66.º, todos do Código Penal".

Refira-se que o dolo eventual tem uma moldura penal mais reduzida.

Ricardo Serrano Vieira disse que "foi deduzida acusação por um crime de homicídio" contra o seu cliente, acrescentando que vai consultar o processo e ponderar se vai ou não requerer a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.

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O Ministério Público já pediu a suspensão de funções do agente da PSP. Em comunicado da Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público explica que, na sequência da acusação pelo crime de homicídio, foi também requerido que "o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de suspensão do exercício de profissão de agente da PSP".

Neste momento, o agente da PSP está de baixa e não existe ainda data para que regresse ao trabalho, tendo sido transferido da esquadra onde estava a trabalhar na altura em que Odair Moniz foi morto.

O Ministério Público pediu ainda que o arguido seja condenado ainda a uma pena acessória de proibição de exercício de função.

O que dizem os artigos evocados pelo MP para a acusação da prática de crime de homicídio da parte do agente da PSP:

Artigo 3.º Momento da prática do facto

O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.

Artigo 14.º Dolo

1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.

2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

Artigo 26.º Autoria

É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

Artigo 66.º - Proibição do exercício de função

1 - O funcionário que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado ou por causa dessa atividade, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, ou cuja pena seja dispensada se se tratar de crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou de corrupção, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 8 anos quando o facto:

a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.

Artigo 131.º Homicídio

Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.

Caso remonta a outubro de 2024 na Cova da Moura

Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro, no bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, distrito de Lisboa, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

De acordo com a versão oficial da PSP, o homem pôs-se "em fuga" de carro depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação "séria e isenta" para apurar responsabilidades, considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias.

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Nessa semana registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados.

Além do processo judicial, estão a decorrer na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e na PSP processos de âmbito disciplinares.

Com Lusa

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