Em 10 anos, Estado distribuiu 53,1 milhões para apoio a imigrantes e refugiados
Entre 2014 e 2023 (neste ano até junho) o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) subsidiou 70 associações representativas de comunidades imigrantes com 13,1 milhões de euros.
Neste mesmo período, o SEF transferiu do seu orçamento e de fundos comunitários para este organismo, o ACM, 24,2 milhões de euros; para o Centro Português de Refugiados (CPR) 11 milhões; e 4,3 milhões para a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
No total, somando aos 13,1 milhões recebidos pelas associações, quase 40 milhões para organismos que também apoiam a integração de migrantes e refugiados, numa década, o Estado investiu quase 54 milhões de euros para ajudar a vida de quem chega ao nosso país.
Estes números pecam por muito defeito, porque estão fora destas contas grandes organizações como a JRS-Portugal (Serviço Jesuíta aos Refugiados), a Cruz Vermelha ou as Misericórdias, que têm importantes programas de auxílio à integração destas comunidades, principalmente dos refugiados.
Faltam também todas as verbas que as associações e organismos referidos recebem para além dos subsídios do ACM ou do SEF - e que a partir de 29 de outubro vão passar a obter da nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) - como de autarquias ou de outros fundos internacionais.
Por exemplo, o CPR, em 2022, adquiriu 1,4 milhões de euros do SEF mas, de acordo com o seu relatório e contas desse ano, o total de subvenções que recebeu atingiram os 4,4 milhões de euros (+23,4% que em 2021).
Gastos com pessoal foram cerca de dois milhões de euros (são 93 funcionários) e com os "utentes" (2136 refugiados comunicados pelo SEF) foram gastos 1,7 milhões de euros (+43,3% que em 2021) em "alojamento, transportes, apoio pecuniário, higiene e conforto, equipamentos, consumíveis e outros".
Os números oficiais do SEF, a que o DN teve acesso, registam que o financiamento à CPR, ao ACM e à OIM em Portugal foram seis vezes mais elevados no último quinquénio (2018 a 2023), com 32,9 milhões de euros, que no anterior (2013 a 2017), com 5,5 milhões.
Recorde-se que este recrudescimento coincide com o efeito chamada proporcionado pela alteração à Lei de estrangeiros, em 2017, que isentou os imigrantes da obrigatoriedade de entrada legal para se candidatarem a uma autorização de residência.
Esta medida já foi identificada pelas autoridades judiciais como facilitadora de esquemas de auxílio à imigração ilegal.
Vítimas de tráfico de seres humanos e de redes de imigração ilegal, de exploração laboral, alojamento em condições indignas são a realidade enfrentada por milhares de imigrantes que têm chegado ao nosso país e que terão ficado fora do radar dos programas destes organismos e das dezenas de associações, representando diversas nacionalidades, criadas para os apoiar.
De acordo com os dados oficiais facultados ao DN pelo ACM, nos últimos 10 anos, sete das 70 associações registadas neste organismo concentraram 84% dos 13,1 milhões de subsídios transferidos entre 2014 e 2023 (ver números no final do texto).
A primeira, com 2,8 milhões (mais de meio milhão em 2022), foi a Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde (AJPAS), com sede na Falagueira, Amadora.
Inserida numa comunidade maioritariamente de imigrantes afrodescendentes, principalmente cabo-verdianos, gere dois Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), além de diversos projetos de apoio e atendimentos de saúde.
De acordo com o relatório de atividades, dos 2500 atendimentos em 2022, a maior parte (800) foram pedidos de apoio à regularização.
A sua presidente, Vitalina Silva sublinha que as "principais dificuldades" que a AJPAS enfrenta, "são as financeiras como a maior parte das associações".
Explica ao DN que "os financiamentos normalmente são anuais, à exceção dos projetos financiados pelos fundos europeus, estando sujeitos a candidaturas e as respostas às candidaturas são muito demoradas, obrigando, algumas vezes a não desenvolver os projetos a partir das datas propostas, por falta de verbas e incerteza da aprovação ou não, em alguns casos, a despedir pessoal afeto aos projetos por incerteza de continuidade, o que, também, origina uma certa incerteza e rotatividade de recursos humanos nada abonatório para o desenvolvimento das atividades e para os próprios funcionários".
Perante o aumento do número de imigrantes e questionada sobre se deveria haver mais apoios, responde "sem dúvida que sim", acrescentando "mas com menos burocracia e por períodos de 3 a 5 anos".
Sente-se "triste e apreensiva" quando vê as notícias das condições desumanas a que estão a ser sujeitos milhares de imigrantes - segundo o SEF, pelo menos 150 mil estavam inscritos em 2021 no portal com manifestações de interesse para obterem visto de residência e apesar de muitos poderem nem estar no país, boa parte aguardava a sua regularização e estava vulnerável à exploração.
"Pese embora Portugal seja um País de acolhimento, sentimos que muitos dos lóbis usam as pessoas que precisam de imigrar, para fazer face às duras condições de vida que têm nos seus países de origem, para os explorarem e ganharem dinheiro através de falsas promessas e exploração laboral. Nós tentamos, sempre, elucidar os imigrantes sobre os seus direitos e deveres, mas muitas vezes a necessidade obriga-os a aceitarem condições que os autóctones não aceitam", lamenta a presidente da AJPAS.
O DN também tentou obter testemunhos das outras duas associações com a verba mais elevada de apoios do ACM, mas não conseguiu respostas até ao fecho desta edição.
A segubda é a Olho Vivo - Associação para a Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos, que se apresenta na sua página da internet como interventiva na defesa do ambiente, património, direitos humanos, membro da Rede Europeia contra o Racismo e cofundadora da Rede Antirracista em Portugal, obteve 1,5 milhões.
A terceira é a Associação Solidariedade Imigrante (SOLIM), que recebeu 1,1 milhões .
O presidente da SOLIM, Timóteo Macedo, escreve na página de Facebook desta associação, por ocasião da comemoração dos 22 anos : "Com 3500 sócios de 66 países aquando da formalização da Associação, a 24 de Junho de 2001, decidimos que a nossa subsistência deveria ser assegurada por nós próprios, através das quotas e contribuições dos sócios e amigos. Jamais ficamos reféns do financiamento governamental ou de outras instituições aos projetos com que nos candidatamos, para podermos ter atividade, garantindo também assim a nossa independência que nos permite firmeza na crítica, na reivindicação dos direitos e força nas propostas apresentadas".
Ao contrário dos financiamento que chegaram à ACM, CPR e OIM por via do orçamento do SEF e de fundos comunitários, a evolução na distribuição destes subsídios às associações não acompanhou o crescimento da pressão migratória.
Pelo contrário, dividindo a década em dois quinquénios, no segundo, quando esses fluxos começaram a disparar, o valor total de apoios até desceu de cerca de oito milhões (a uma média de 1,6 por ano), entre 2013 e 2017, para 6,1 milhões (média de 1,2 por ano), entre 2018 e 2023.
Solicitado pelo DN a comentar esta evolução, o ACM - que será integrado na nova AIMA sob tutela da ministra-adjunta e dos assuntos parlamentares, Ana Catarina Mendes, não respondeu a tempo desta edição.
Com a criação da AIMA, foram feitas também alterações ao regime jurídico das "associações representativas dos imigrantes e seus descendentes".
Passa a ter um papel de destaque o do Conselho para as Migrações e Asilo, constituído por cerca de 40 membros - desde representantes das maiores comunidades de imigrantes, "instituições com ação ou interesse na área das migrações", a representantes das polícias, Economia, Saúde, Segurança Social e municípios, a que se juntam ainda "dois cidadãos de reconhecido mérito, nacionais ou estrangeiros, designados pelo presidente do conselho diretivo da AIMA".
As associações só serão reconhecidas com um parecer deste Conselho, que terá também o poder de apreciar os projetos a que se candidatam para a obtenção de subsídios.
As operações policiais divulgadas nos últimos meses têm revelado que há uma maior atenção aos crimes relacionados com auxílio à imigração ilegal.
As principais vítimas têm sido cidadãos de origem hindustânica. Os imigrantes indianos estão já entre as 10 principais nacionalidades que se conseguiram regularizar no nosso país.
Em 2020, pela primeira vez a Índia entrou no top 10 de nacionalidades com autorização de residência em Portugal, com 24 550, em 9º lugar.
Em 2021 a Índia sobe para o 5º lugar (30.251), deixando para trás a Roménia, a Ucrânia, a França, Angola e a China. Mais só nacionais do Brasil (204 694), que continua a liderar, seguido do Reino Unido, Cabo verde e Itália.
Em 2022, a Índia já está em 4º lugar (34.232), só superado pelo Brasil (233.138), que mantém o primeiro lugar nos últimos 10 anos, pelo Reino Unido e Cabo Verde.
Quantos estão na sombra, com registo de manifestação de interesse à espera de um agendamento, o SEF não diz, mas os números já superarão em muito os cerca de 30 mil que, em 2017, Timóteo Macedo, alertava estarem "a trabalhar e a descontar e não conseguem autorização de residência".
O porta-voz oficial do SEF refere apenas que "em agosto de 2021 o SEF iniciou o processo de notificação por ordem cronológica dos cidadãos estrangeiros que submeteram, desde 2017, Manifestações de Interesse no Portal SAPA. Neste processo, já foram notificados 150 mil cidadãos para deslocação a um balcão de atendimento".
Acrescenta que "com a implementação do novo modelo de concessão de Autorização de Residência a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AR CPLP), lançado em março deste ano, foi possível recuperar em cerca de 140 mil as Manifestações de Interesse pendentes, dado que estes cidadãos optaram pelo modelo de AR CPLP".
Ou seja, 140 dos 150 mil eram cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
Já no Relatório de Imigração Fronteiras e Asilo do SEF de 2022, está registado que nesse ano, "foram atendidas 625.404 chamadas, com relevância para as seguintes nacionalidades: Brasil 178.163; Índia 48.390, Angola 33984, Bangladesh 31.945, Paquistão 18.978".
Foram ainda efetuados 172.778 agendamentos realizados via Centro de Contacto e 89.612 agendamentos realizados online. Total: 262.390 estarão em condições de obter visto de residência da nova AIMA, que é a entidade que herda este expediente do SEF.
2017- 421.711 +6%
2018- 480.300 +13,9%
2019- 590.348 + 22,9%
2020- 662.045 +12,2%
2021- 698.887 + 5,6%
2022- 781.915 +11,9%
1º Brasil
2º Reino Unido
3º Cabo Verde
4º Índia
1.º - Alto Comissariado para as Migrações (ACM) -- 24.298.493,96*
2.º- Conselho Português para os Refugiados (CPR) -- 11.091.000,00*
3.º- Organização Internacional para as Migrações (OIM) -- 4.293.000,00*
Associações
1.º- Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde (AJPAS) -- 2.821.402,64 **
2.º- Olho Vivo - Associação para a Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos
-- 1.567.595,29 **
3.º Associação Solidariedade Imigrante (SOLIM)
-- 1.124.966,07 **
*Orçamento do SEF e Fundos Comunitários
** Financiamento do ACM