Exploração laboral e tráfico no Tejo. Apenas nove dos 249 imigrantes estavam em situação irregular
Dez pessoas foram constituídas arguidos no âmbito da megaoperação da Polícia Marítima esta quarta-feira, no Estuário do Tejo, de acordo com um comunicado esta quinta-feira da Autoridade Marítima Nacional (AMN).
Estão suspeitos dos crimes de associação criminosa, fraude fiscal, fraude aduaneira e branqueamento de capitais. A ASAE também se juntou à operação no final do dia para encerrar dois estabelecimentos/armazéns que serviam de dormitórios aos mais de 200 imigrantes identificados pelo SEF.
Apenas nove desses 249 imigrantes identificados pelo SEF na megaoperação da Polícia Marítima (PM) de combate às redes criminosas associadas à captura ilícita, comércio e tráfico internacional de amêijoas no estuário do Tejo, não têm a sua situação regularizada.
Todos os outros ou têm autorização de residência ou visto para trabalho sazonal, confirmou fonte oficial deste serviço policial. A sua "legalidade" não impediu, porém, que fossem explorados e obrigados a viver sem condições de dignidade.
Citaçãocitacao"Já estive em várias operações da Frontex, em campos de refugiados, com condições precárias. O que vimos aqui hoje, nunca vi. É desumano
"Já estive em várias operações da Frontex, em campos de refugiados, com condições precárias. O que vimos aqui hoje, nunca vi. É desumano", relatou ao DN um dos agentes da Polícia Marítima (PM) que esteve envolvido nas buscas e detenções da operação desta quarta-feira.
Referia-se às condições de alojamento dos 249 imigrantes - a maioria tailandeses, mas também do Bangladesh - na zona do Samouco, Montijo, pelo qual pagavam cerca de 300 euros mensais. "Estavam amontoados em colchões numa divisão, ou em tendas no exterior em condições deploráveis. De tal forma que foi determinada a sua selagem e a autoridade de Saúde certificou a insalubridade dos espaços", acrescenta a mesma fonte.
Ao início da noite desta quarta-feira cerca de 90 dos imigrantes estavam a ser instalados no quartel de Bombeiros do Montijo, pois a Polícia Marítima entendeu que havia um "problema grave social a resolver" e chamou a segurança social e as autarquias locais.
Entre os suspeitos indiciados como encabeçando a rede de tráfico e exploração laboral estão indivíduos de nacionalidade portuguesa, tailandesa e romena. Alguns com amplo cadastro criminal e dois deles envolvidos no passado em crimes violentos, como tentativas de homicídio.
A investigação da Unidade Central de Investigação Criminal (UCIC) da Polícia Marítima procurou consolidar provas de associação criminosa para que, uma vez chegados a julgamento, estes suspeitos sejam condenados a penas mais severas.
A maioria destes imigrantes eram provenientes da Tailândia, mas também havia de outros países asiáticos, como o Bangladesh.
Segundo fonte judicial, boa parte destes imigrantes começaram com vistos para trabalho sazonal a agricultura na zona de Odemira, mas findo ali o seu serviço foram deslocados pela rede para a zona do estuário do Tejo. "Alguns já estão ali, pelo menos, desde 2021, quando começámos a investigação", sublinha.
Perante as revelações que se foram tornando públicas ao longo do dia, o presidente do PSD, Luís Montenegro, que se encontrava no Barreiro, reafirmou a necessidade de Portugal ter um programa "bem estruturado de atração, acolhimento e de integração e imigrantes" para evitar que estas pessoas sejam alvo de redes de tráfico, que o seu partido já tinha defendido.
"Temos vindo a sustentar de há um ano a esta parte para a necessidade de Portugal ter um programa bem estruturado de atração, acolhimento e integração de imigrantes. Nós precisamos de mão-de-obra imigrante em vários setores da atividade económica, mas temos de dar condições", disse.
O líder do PSD sustentou que as pessoas não podem ser alvo de redes que não olham a meios para ter lucros ilegais defendendo também a necessidade de regulamentar a imigração para dar dignidade às pessoas.
A população local já convive há vários anos com este fenómeno da apanha ilegal da amêijoa, que é depois exportada para países como a Holanda, França e Inglaterra.
Já assistiram a diversas operações policiais, também da GNR, mas a verdade é que o terrível cenário se vai mantendo e até crescendo.
Citaçãocitacao"Aqui até já se diz que o o símbolo da terra (Montijo e Alcochete) que é o barrete do campino foi substituído pelo fato de mergulho"
"Aqui até já se diz que o o símbolo da terra (Montijo e Alcochete) que é o barrete do campino foi substituído pelo fato de mergulho", afiança uma fonte policial residente.
Centenas de fatos de mergulho, usados pelos imigrantes para apanharem as ameijoas no leito do rio, a secar ao sol, passaram a ser um elemento característico da paisagem.
Por isso, o presidente da Câmara de Alcochete não ficou surpreendido com a megaoperação que decorreu naquele concelho e defendeu a criação de uma task-force para combater o problema.
"De uma coisa não tenho dúvidas: todos os dias há um conjunto de crimes ambientais, económicos e de saúde pública, que são cometidos no estuário do Tejo. É um problema que não foi resolvido há quinze anos, quando era pequenino, e que se foi agravando progressivamente ao longo dos anos", afirmou Fernando Pinto (PS).
Em comunicado, a Autoridade Marítima Nacional (AMN) informou que foram executados "mais de três dezenas de mandados de busca, detenção e apreensão", tendo sido detidas quatro pessoas - três portugueses e um tailandês, que estava na posse de uma arma.
As buscas repartiram-se por várias localidades da margem sul: Alcochete, Montijo, Samouco, Almada e Setúbal.
De acordo com a AMN, foram empenhados 161 agentes da Polícia Marítima, acompanhados por 22 inspetores do SEF, inspetores da Autoridade Tributária e cerca de uma centena de operacionais da PSP".
Foi ainda divulgado que "no âmbito da análise operacional, a operação contou também com a colaboração do Serviço de Informação e Segurança (SIS)".
Segundo explicou ao DN fonte judicial, este apoio relacionou-se com a identificação e cruzamento de várias informações sobre a atividade da rede e suas relações internacionais, que ajudaram a consolidar provas para indiciar os suspeitos por crime de associação criminosa.