"Portugal está a dizer às redes de imigração ilegal: temos aqui um negócio espetacular"
A pouco mais de uma semana de ser aprovada em Conselho de Ministros a nova Agência para as Migrações, o processo de extinção do SEF, anunciado há já dois anos pelo governo, segue para o capitulo final. Isto num momento em que estão a entrar em Portugal um dos maiores números de sempre de imigrantes. Que riscos há a ter em conta?
Está prevista para o Conselho de Ministros do próximos dia seis de abril a aprovação do diploma que cria a nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA), que vai substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) nas funções administrativas de processamento de vistos de residência para estrangeiros e asilo para refugiados, confirmou a deputada socialista Susana Amador, uma das convidadas do podcast Soberania, uma parceria DN/Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).
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O debate, moderado pelo DN e pelo presidente do OSCOT, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, centrou-se no processo de extinção do SEF, que com esta medida entra na sua reta final, mas também no impacto do aumento do fluxo de imigrantes que tem chegado a Portugal.

Debate no Podcast Soberania. Da esquerda para a direita: Susana Amador, Jorge Bacelar Gouveia, Valentina Marcelino, André Coelho Lima e Ana Rita Gil
© Paulo Alexandrino / Global Imagens
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Ana Rita Gil, doutorada em Direitos Fundamentais de imigração deixou um alerta "humanitário" para as consequências da miríade de vistos em vigor, que permitem autorizações de residência com entrada legal no país, mas também com entradas ilegais.
"Portugal não sabe quantos imigrantes estão no país, não sabe em que condições vivem. Está a dizer às redes, temos aqui um negócio espetacular para vocês", declarou esta professora da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que foi relatora da Comissão e do Parlamento Europeu para as Migrações.
Ana Rita Gil defendeu que, com a criação dos novos vistos de procura de trabalho "deviam fechar as regularizações" extraordinárias que estavam em vigor e que deixam milhares de imigrantes "ilegais e a ser explorados".
Ouça aqui o podcast:
Política irresponsável
A sua avaliação académica e de experiência no terreno (foi também consultora da Provedoria de Justiça para esta área) é a de que em Portugal "temos uma regularização em massa permanente" o que "vai contra totalmente a orientação da União Europeia. Mais do que isso, de facto, já é uma política de imigração que considero irresponsável porque ao fazermos da regularização o normal, significa que não sabemos quem nem quantas pessoas temos no país", sublinhou.

Ana Rita Gil
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Para esta professora "se esta questão não se debater vamos ter problemas de coesão social a vários níveis. Desde logo, entre a população migrante, que vê reconhecidos direitos que não consegue alcançar, porque Portugal encerra a promessa de Estado Social e de garantir o mínimo a quem vem, mas se não garante vai haver problemas de coesão social na própria população migrante, porque não vai ter essa promessa garantida. Mas também com a população portuguesa, porque damos a imagem de um país que não sabe quantos tem no seu território, a população portuguesa não quer, isto causa uma insegurança extrema nos seus residentes, nem Portugal quer um país em que tem o Ministro e o presidente da Câmara a atirarem culpas um para cima do outro sobre quem é que tem culpa dos problemas de habitação".
Rede de apoio a aumentar
Susana Amador, que também foi consultora jurídica do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, concordou com o problema que, "também acontece noutros países" que é "o crime parasitário", as "redes que se aproveitam desta vulnerabilidade, a que temos de estar particularmente atentos".
Reconheceu que, apesar do trabalho de "grande dedicação que tem sido feito" pelo ainda SEF e pela Autoridade das Condições de Trabalho, "não conseguem cobrir tudo aquilo que pode acontecer às pessoas que cá estão e que nós não sabemos em que condições estão".
Salientou, ainda assim, que "a segurança social tem vindo também a reforçar de forma sistemática" os seus centros de apoio, designadamente para as vítimas de tráfico de seres humanos, com cinco centros abertos.
"Portanto" afiança, "há uma rede que tem vindo a aumentar e a tornar-se mais capilar para resolver a questão da emergência social, o que aconteceu também em relação aos cidadãos timorenses, mais de 1200 que apareceram também, alguns que tiveram problemas de estar sem-abrigo e de estar na rua, mas que depois rapidamente também foram resolvidos".

Susana Amador
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Susana Amador defende que "as instituições e o poder local, em geral, estão a responder". "Obviamente que há situações que não queríamos nem desejávamos nunca que pudessem acontecer e temos que olhar para a aplicação da lei, verificar e avaliar aquilo que ainda temos que aperfeiçoar e melhorar para que estas situações que são indignas e nos incomodam a todos enquanto cidadãos, porque os seres humanos que chegam a Portugal devem ter os mesmos direitos que os que já cá estão e, portanto, é preciso olhar para esse trabalho e para esse assunto e fazê-lo de forma conjunta e transversal como estamos a fazer".
André Coelho Lima, deputado do PSD e membro do Conselho Superior de Segurança Interna, subscreveu a ideia de Susana Amador sobre "o imperativo de receber e receber bem os imigrantes". "Esta é a frase", frisou, acrescentando que "temos o dever de ter um sistema de segurança interna organizado para amparar precisamente essas pessoas".
Porém, assinalou, não estamos a fazer isto e por aquilo que ouvimos e aprendemos da professora Ana Rita Gil, percebemos que não estamos a fazer mesmo. Ou seja, não estamos a fazer o trabalho de casa no sentido de preparar o país para a quantidade de pessoas que estamos a receber. Este é o ponto. E este é o problema de Segurança Interna".
Erro histórico
Coelho Lima, que integra no parlamento a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, explica que o referido problema "não é de segurança do ponto de vista de haver insegurança nos cidadãos, não é causador de insegurança, não temos tido focos de insegurança causados pelos números elevados de imigrantes que têm vindo para o nosso país e que temos recebido. Os fenómenos de criminalidade associados à imigração são de nacionais sobre imigrantes mais do que de imigrantes sobre nacionais. O caso de Olhão demonstrou isso mesmo, que é o caso mais recente que temos".

André Coelho Lima.
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O deputado considera que "não estamos a ser capazes de receber bem os imigrantes, não estamos a ser capazes de os monitorizar e ainda para mais, com a extinção do SEF, na pendência da maior vinda de imigrantes da nossa história. É um erro histórico. Não estamos a ter verdadeiramente uma estratégia de imigração e a razão é simples: porque extinguimos o SEF em 2021 e até hoje ainda não fomos capazes de criar a APMA, ainda não fomos capazes de dizer o que é que a APMA vai fazer".
Susana Amador deixou claro que o governo não vai "voltar atrás " e que "está iminente a conclusão do processo" de extinção do SEF e a transição das suas competências administrativas para a APMA. "Só a evolução dos tempos é que nos vai permitir ver se estávamos certos ou errados", sublinhou.
Acrescentou que se vai "humanizar o atendimento dos imigrantes", despindo a "lógica securitária", devolvendo "às polícias a componente policial, reservando-lhes o controle de fronteiras (GNR e PSP) e dando à Polícia Judiciária uma reserva especializada para o combate ao tráfico de seres humanos, à imigração ilegal e aos crimes conexos".
André Coelho Lima retorquiu que "considerar que existir uma força policial dedicada aos imigrantes e que isso tem uma lógica securitária" é "um preconceito que considero inadmissível".
E lembrou que a atual competência do SEF para "controlar e fiscalizar a permanência e atividades dos estrangeiros em todo o território nacional" vai ser ocupada pela PSP. "Então será que vamos ter uma lógica securitária com a PSP? Ou seja, será que o SEF é, como diz o Partido Socialista, polícia de imigrantes. A PSP e a GNR são polícia de nós todos. Será que isso significa que nós temos todos uma lógica securitária sobre nós? Ou seja, aqui há um preconceito que pressupõe que as polícias são algo negativo, de hostil para o cidadão. E é o contrário. As polícias são aquilo que nos dá segurança", concluiu.

Susana Amador, Ana Rita Gil e André Coelho Lima.
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