Relatório final da CPI das gémeas aprovado à revelia do Chega
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em torno das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma chegou esta terça-feira ao fim. Os deputados atingiram um consenso quanto ao relatório final, que não é o do Chega, que, por sua vez, foi o partido proponente da CPI a título potestativo. Como corolário destes 10 meses, com 37 audições públicas a depoentes, o relatório aponta o dedo ao antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, por ter dado indicações à ex-secretária para marcar a primeira consulta em Santa Maria, e ao filho de Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno Rebelo de Sousa, cujas diligências “junto dos órgãos de soberania são a origem deste processo”.
Estas ideias ficaram plasmadas no documento que esta quarta-feira deverá ser apresentado em sessão plenária, se a Conferência de Líderes assim o entender, até porque é a última oportunidade para que isso aconteça, tendo em conta que o Parlamento será dissolvido, dando lugar à Comissão Permanente, até às próximas eleições legislativas. Depois do plenário, seguirá para o Ministério Público, para que o poder judicial decida o que fazer.
A relatora inicial da CPI, a deputada Cristina Rodrigues, do Chega, acabou esta derradeira reunião a renunciar à sua função, na sequência do chumbo, por maioria dos votos dos grupos parlamentares, do relatório preliminar que elaborou.
No final, com o relatório do PSD e do CDS a servir de base para o documento final, juntaram-se as propostas de alteração do PS e do PAN, tendo assumido o papel de relator final o social-democrata António Rodrigues.
Em relação ao que a CPI rejeitou, o relatório do Chega era o único que acusava o Presidente da República de ter tido uma conduta “especialmente censurável por se tratar do Chefe de Estado e, como tal, qualquer pedido feito por si ou em seu nome tem inerente uma convicção de obrigatoriedade de cumprimento por parte de quem recebe o pedido, ainda que não seja necessariamente uma ordem, revelando assim a eventual prática de abuso de poder”.
Afastada esta possibilidade, a CPI aprovou para o relatório, com os votos contra do CDS e do PSD, as propostas do PS que defendem que “as diligências levadas a cabo por Nuno Rebelo de Sousa junto dos órgãos de soberania são a origem deste processo, sem nunca revelar o real motivo da sua atuação”. Para além disto, os socialistas também conseguiram que constasse no documento a indicação de que o filho de Marcelo “intercedeu e atuou de forma insistente junto do Presidente da República, da Casa Civil, do Secretário de Estado da Saúde e do Hospital Lusíadas Lisboa”.
Por parte do PSD, o relatório vai refletir que Lacerda Sales recebeu Nuno Rebelo de Sousa e que, na sequência desse encontro, “deu orientações à sua secretária pessoal, Carla Silva, para assegurar a marcação da primeira consulta junto do serviço de Neuropediatria” em Santa Maria.
Numa discussão prévia na generalidade, e antes de ser decidido o processo de votação do documento final, todos os partidos, à exceção do Chega, alertaram para a necessidade de incluir no relatório final conclusões baseadas em factos e que não refletissem convicções.
“Uma coisa são as nossas convicções daquilo que foi sendo demonstrado pela” CPI, outra coisa “é aquilo que fica provado”, sublinhou a deputada do BE Joana Mortágua. Esta ideia foi acompanhada por todos os partidos, com a exceção do Chega.
O único ponto aprovado por unanimidade foi o proposto pelo PSD, que indicava que “o processo de tratamento das crianças com o medicamento Zolgensma decorreu, única e exclusivamente” no Hospital Santa Maria.
No final, todos os partidos agradeceram a isenção como o presidente da CPI, Rui Paulo Sousa, do Chega, conduziu os trabalhos, na mesma medida em que apontaram o esforço da relatora, Cristina Rodrigues, ainda que as diferenças nas perspetivas não tenham permitido que o relatório do Chega tivesse prevalecido.
Rui Paulo Sousa, antes de fechar as portas à CPI, despediu-se da “comissão das gémeas”. Com este comentário, disse esperar “não ser processado pelo Bicalho”, numa alusão a Wilson Bicalho, o advogado de Daniela Martins, a mãe das meninas, que em outubro de 2024 avançou com uma intimação, com o objetivo de proteger os dados das filhas, o que acabou por mudar o nome da CPI. No final, aquele instrumento parlamentar adotou a designação quilométrica de Comissão Parlamentar de Inquérito para Verificação da Legalidade e da Conduta dos Responsáveis Políticos Alegadamente Envolvidos na Prestação de Cuidados de Saúde a Duas Crianças Tratadas com o Medicamento Zolgensma.