A complicada aprovação do Orçamento do Estado marcará os próximos meses, até porque pode causar uma nova crise política se não se concretizar. No entanto, mesmo havendo antes autárquicas, que se realizarão entre setembro e outubro de 2025, as atenções já se viram para janeiro de 2026, quando ocorrerá o que promete ser a mais disputada eleição presidencial desde 1986..Numa altura em que a moção com que Luís Montenegro se recandidata (sem opositor) à liderança do PSD estabelece a preferência por um candidato a Belém que seja militante social-democrata, e após Pedro Nuno Santos ter vincado que desta vez o PS terá de se empenhar na disputa, evitando que alguém do outro lado do espetro político suceda a Marcelo Rebelo de Sousa, como ele sucedeu a Cavaco Silva, não faltam nomes capazes de impedir que alguém possa obter mais de metade dos votos na primeira volta. Aliás, tal fasquia não mais voltou a ser superada com grande folga (tirando nas reeleições para segundos mandatos, que até hoje não falharam) desde que Ramalho Eanes se tornou Chefe de Estado. E existe a convicção generalizada de que nas próximas presidenciais ocorrerá uma inevitável segunda volta, aquela que só aconteceu em 1986, com Mário Soares a ultrapassar Freitas do Amaral. Ainda que PSD e PS cerrem fileiras atrás dos reseptivos candidatos..Que alteração no espetro político impede a concentração de votos?.As legislativas e as europeias deixaram um indicador muito claro, e que persiste em ser confirmado pelas sondagens: a pulverização do eleitorado veio para ficar, com Chega e Iniciativa Liberal a garantirem parte significativa dos votos (à volta dos 20%) que no passado reverteriam para o centro-direita tradicional. Mas mesmo na esquerda, apesar da quebra sofrida pelo Bloco de Esquerda e da CDU, a ascensão do Livre garante que se mantém um considerável núcleo de votos que escapa aos socialistas..Olhando para os nomes mais prováveis que se perfilam do lado do PSD (Marques Mendes) e do PS (Mário Centeno), os restantes partidos terão motivos para fomentar candidaturas que sirvam de afirmação dos respetivos pesos eleitorais ou até de “provas de vida”. À esquerda, o novo secretário-geral Paulo Raimundo pode seguir o exemplo dos antecessores Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa, o Bloco de Esquerda deve apostar num perfil diferenciado e o Livre dificilmente poderá excluir-se, sobretudo se o PS apoiar o ex-ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal. Nos antípodas ideológicos, um duelo centrista Mendes-Centeno motivaria André Ventura a enveredar pela segunda candidatura presidencial consecutiva, enquanto a Iniciativa Liberal ficará pressionada a avançar com uma figura destacada, tendo o seu maior trunfo eleitoral, Cotrim de Figueiredo, a iniciar o mandato de eurodeputado. .Mas há mais um motivo para antecipar a segunda volta: a candidatura independente de Henrique Gouveia e Melo, que muitos dizem ser possível e não raros consideram provável. O reconhecimento garantido pelo almirante enquanto coordenador da vacinação contra a covid-19, a tradição de bons resultados de outsiders (Manuel Alegre e Sampaio da Nóvoa foram os segundos mais votados em 2006 e 2016) e o respeito dos portugueses por militares tornariam plausível que, tal como Ventura, Gouveia e Melo se intrometesse na corrida à segunda volta..Há quem tenha alguma hipótese de contrariar essa lógica?.Não há dúvidas de que o ex-primeiro-ministro Passos Coelho teria maiores hipóteses de concentrar o eleitorado de direita, podendo agregar apoios tanto no Chega como na Iniciativa Liberal, embora talvez tivesse maiores dificuldades em fazer o pleno no seu próprio partido e enfrentasse alguns anticorpos..Do lado da esquerda, o antigo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que no fim-de-semana passado foi convidado a intervir no Fórum Socialismo, rentrée política do Bloco de Esquerda, é considerado como uma alternativa bastante mais agregadora do que Mário Centeno. Mas, tal como no caso de Passos Coelho, poderia abrir uma brecha ao centro..Quem estará irrevogavelmente fora da corrida presidencial?.Embora Paulo Portas tenha seguido um caminho semelhante ao de Marques Mendes, enquanto comentador televisivo, como antes deles fez o atual Presidente da República, a posição fragilizada do CDS-PP é tida como um dos fatores que afastava o antigo vice-primeiro-ministro da corrida presidencial ainda antes de Montenegro ter estipulado que o candidato apoiado pelo PSD deverá ser um militante do partido..Do lado do PS, o empenho em voltar a colocar um militante no Palácio de Belém, após os falecidos Mário Soares e Jorge Sampaio, esbarra na indisponibilidade daqueles que seriam os mais facilmente vencedores, muito embora não tivessem admitido tal desejo: António Guterres só termina o segundo mandato à frente da Organização das Nações Unidas em dezembro de 2026, enquanto António Costa será presidente do Conselho Europeu até ao final de 2027..Também excluída da corrida, por sua vontade, está a presidente da Fundação Champalimaud (e ex-ministra da Saúde), Leonor Beleza, a quem o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, apontara como tendo perfil para suceder ao seu amigo Marcelo..CAMINHOS PARA BELÉM.1976.Ramalho Eanes .Apoiado pelo PS, PPD e CDS, e embalado pelo papel decisivo no 25 de Novembro, António Ramalho Eanes tornou-se facilmente o primeiro Presidente da República eleito após o fim do Estado Novo. O até agora único militar a consegui-lo, tendo então apenas 41 anos, ficou à beira dos três milhões de votos (61,59%), enquanto outro candidato ligado à revolução, Otelo Saraiva de Carvalho, que tinha consigo a extrema-esquerda, ficou com 16,46%, à frente de mais um militar, o ex-primeiro-ministro do VI Governo Provisório Pinheiro de Azevedo (14,37%), um independente de direita, e do dirigente comunista Octávio Pato (7,59%)..1986 .Mário Soares .A única Eleição Presidencial disputada a duas voltas deu a vitória ao fundador do PS, Mário Soares, com mais de três milhões de votos (51,18%), ultrapassando o fundador do CDS, Freitas do Amaral (48,82%) por apenas 138 698 eleitores. Valeu mais o apelo do líder histórico comunista Álvaro Cunhal, capaz de convencer os seus apoiantes a votar útil, do que a aposta do primeiro-ministro social-democrata Cavaco Silva. Freitas do Amaral chegou à frente na primeira volta, com 46,31%, que lhe deram larga vantagem sobre Soares (25,43%) e os independentes de esquerda Salgado Zenha (20,88%), que rompeu pessoal e politicamente com Soares, e Maria de Lourdes Pintasilgo. A ex-primeira-ministra não foi além de 7,38%..1996 .Jorge Sampaio .A vitória de Jorge Sampaio (53,91%) sobre Cavaco Silva (46,09%), restando apenas esses dois candidatos depois das desistências de Jerónimo de Sousa (PCP) e Alberto Matos (UDP), confirmou o estatuto do ex-líder socialista enquanto construtor de pontes à esquerda, depois de interromper o ciclo da direita na Câmara de Lisboa. Após inéditos dez anos consecutivos enquanto primeiro-ministro, Cavaco Silva falhou na primeira tentativa de ser Chefe de Estado, confirmando-se a viragem de Portugal nas Legislativas de 1995, quando o secretário-geral do PS, António Guterres, suplantou o PSD, então liderado por Fernando Nogueira, e deu início a quatro anos de governação, mesmo sem contar com maioria absoluta no Parlamento..2006.Cavaco Silva.A segunda campanha presidencial de Cavaco Silva correu-lhe muito melhor do que a primeira experiência, vencendo logo à primeira volta. Ainda assim, os seus 50,64% representaram a mais curta margem de sempre, menos de 100 mil votos acima da soma da votação dos restantes candidatos. O antigo primeiro-ministro concentrou em si o eleitorado de direita, enquanto a esquerda se dividiu em nada menos do que cinco candidaturas: num duelo entre amigos desavindos socialistas, o independente Manuel Alegre (20,70%) superou o oficial Mário Soares (14,35%), seguindo-se o comunista Jerónimo de Sousa (8,58%), o bloquista Francisco Louçã (5,30%) e o advogado Garcia Pereira, líder do PCTP-MRPP, que não foi além de 0,44%..2016 .Marcelo Rebelo de Sousa.A abstenção levou a que ficasse por pouco mais de 2,4 milhões de votos, mas o comentador televisivo, professor universitário e ex-líder social-democrata Marcelo Rebelo de Sousa teve uma entrada mais folgada do que o antecessor no Palácio de Belém. Atingiu 52%, quase 30 pontos percentuais à frente de outro académico, António Sampaio da Nóvoa, apoiado por grande parte da esquerda, com mais de um milhão de eleitores consigo (22,88%). Mais atrás ficaram a bloquista Marisa Matias (10,12%), a socialista independente Maria de Belém Roseira (4,24%), o comunista Edgar Silva (3,94%) e os independentes Vitorino Silva (3,28%), Paulo de Morais (2,16%), Henrique Neto (0,84%), Jorge Sequeira (0,30%) e Cândido Ferreira (0,23%).