Investigação à corrupção na Defesa. Antigo ministro Cravinho desvalorizou derrapagem e defendeu ex-diretor-geral 

Foram detidos numa operação da PJ três ex-dirigentes do Ministério de Defesa Nacional, um deles ainda ao serviço como coordenador. O principal alvo da operação "Tempestade Perfeita" que investiga crimes de corrupção e abuso de poder é o ex-diretor-geral de Recursos de Defesa, que o antigo ministro da Defesa e atual titular dos Negócios Estrangeiro defendeu e promoveu depois de saber das suspeitas que atingiam as obras do antigo Hospital Militar de Belém.

Menos de quatro meses depois de o requalificado antigo Hospital Militar de Belém ter sido inaugurado (março de 2020) como Centro de Apoio Militar (CAM) - Covid 2019, o ex-ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, recebeu do seu secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches, um extenso relatório sobre as suspeitas que tinha em relação aos ajustes diretos da empreitada e a falta de esclarecimentos do então diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), Alberto Coelho, em relação à despesa que tinha passado para mais do triplo do autorizado - de 750 mil euros para 3,2 milhões.

O ex-diretor da DGRDN é o principal alvo da investigação do DIAP de Lisboa, que levou nesta terça-feira à sua detenção, juntamente com outros dois altos quadros do Ministério da Defesa e dois empresários. Há um total de 19 arguidos.

Corrupção ativa e passiva, abuso de poder, peculato e participação económica em negócio são imputados pelo Ministério Público, num investigação que começou há cinco anos e levou esta terça-feira a uma operação da PJ designada "Tempestade Perfeita", que envolveu 200 inspetores.

No referido despacho, Seguro Sanches dava conta de que não tinha tido de Alberto Coelho "resposta satisfatória e exigível às questões de autorização e comunicação das adjudicações realizadas, por ajuste direto, pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) na obra do CAM", propunha a "realização de uma auditoria à conformidade legal dos procedimentos administrativos e financeiros dos ajustes diretos da empreitada". Gomes Cravinho aprova e assina um "visto com elevada preocupação" a 23 de julho de 2020.

A derrapagem tinha começado a ser do conhecimento público, através da imprensa, nomeadamente pelo DN logo a partir de junho, e Cravinho foi chamado ao parlamento pelo PSD.

"Dinheiro que não se perde"

Apesar de já ter conhecimento factual do que estava em causa, o ex-ministro da Defesa e atual ministro dos Negócios Estrangeiros, além de informar que tinha pedido uma auditoria, relativizou a situação, manifestando a sua "grande satisfação com a qualidade da obra, que será no futuro uma unidade de cuidados continuados". "É dinheiro que não se perde, uma valorização do ativo superior ao previsto", exclamou.

Esta explicação levou até o deputado do PSD Carlos Eduardo Reis a frisar nunca ter ouvido "ninguém a justificar uma derrapagem dizendo que é dinheiro que nunca se perde".

Num segundo momento, e já depois de saber, pelo menos a 16 de fevereiro de 2021 (data em que assina o despacho a enviar o relatório para o Tribunal de Contas), das conclusões da auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional, que imputava responsabilidades e vários incumprimentos de Alberto Coelho, João Gomes Cravinho foi de novo ao parlamento, a 23 desse mês e tentou convencer os deputados que não tinha havido "derrapagem" nas obras do antigo Hospital Militar de Belém.

"O que se entende por derrapagem?", questionou retoricamente o Ministro. "Se estamos a falar de uma obra, devidamente parametrizada, que acaba por custar mais, podemos falar nisso; mas aquilo que se verificou não foi isso, mas sim uma obra preparada num curtíssimo espaço de tempo que acabou por ter uma intervenção maior e que custou mais", explicou Cravinho, ou seja, precisou, "derrapagem era se a mesma obra custasse o triplo. (...) Uma coisa é um desvio, outra é uma derrapagem. Custou três vezes mais, mas é uma obra mais completa do que tinha sido pensado".

Cravinho não partilhou com os deputados o que já sabia da auditoria. "Sobre as eventuais irregularidades caberá ao Tribunal de Contas decidir. Do meu lado, retirei uma consequência muito clara: os mecanismos instituídos não corresponderam àquele momento, àquela experiência", limitou-se a dizer.

Foi também nessa audição que anunciou que não tinha renovado a comissão de serviço a Alberto Coelho, por uma questão de "olhar e abordagens novos", deixando elogios ao seu desempenho: "uma pessoa extremamente qualificada e capaz" que "prestou enormes contributos ao Ministério, que lhe estará sempre grato".

Hospital desativado passado um ano

No despacho que assinava para enviar a auditoria para o Tribunal de Contas, o governante não deixou de voltar a destacar "a utilidade e valia desta obra (...) evidente e incontestável quer nos serviços de saúde prestado neste quadro de emergência, quer na valorização futura do património da Defesa Nacional".

Em abril, causando alguma surpresa no setor, o então ministro nomeou Alberto Coelho para presidente do Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A), uma empresa do universo da holding IdD Portugal Defence (Indústrias de Defesa), detidas pelo Estado. Segundo disse o Ministério à Lusa, ocupou o cargo até final de dezembro do ano passado.

Depois de terem sido gastos 3,2 milhões de euros para receber 657 doentes (morreram 12), o CAM-Covid foi desativado passado um ano (em março de 2021), e em dezembro desse ano foi adaptado para acolher 133 refugiados afegãos.

Em agosto, o Governo anunciou que desistira da cedência do imóvel à Câmara Municipal de Lisboa - que tinha sido usado como argumento de Cravinho para a sua "valorização" - e passou a responsabilidade para o Estado-Maior das Forças Armadas, cujo destino ficou de estudar e apresentar até final do ano passado.

O DN pediu uma reação ao atual gabinete de João Gomes Cravinho, no Palácio das Necessidades, mas não obteve ainda resposta.

O ex-diretor da DGRDN é o principal alvo da investigação do MP e da PJ, na qual foram também indiciados o atual o coordenador (já nomeado pela Ministra Helena Carreiras) para a comissão técnica do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, Francisco Marques, que era, ao tempo de Alberto Coelho, diretor de serviços de Infraestruturas e Património da DGRDN; e Paulo Branco, que era o diretor dos Serviços Administrativos e Financeiros da DRDN e também assinou expediente no âmbito do processo do HMB. Foi exonerado em junho de 2021.

Recorde-se que Alberto Coelho foi condenado pelo Tribunal de Contas, seguindo a mesma linha de acusação da auditoria do MDN, a pagar uma multa de 15.300 euros por seis infrações financeiras negligentes pela responsabilidade pelos os ajustes diretos feitos a três empresas, por terem violado as regras da contratação pública, entre outros, por não terem tido autorização hierárquica superior (do Ministro, na altura João Gomes Cravinho), por não estarem documentadas e por extravasarem as competências delegadas no então Diretor-Geral.

Em contrapartida, este Tribunal ilibou Francisco Marques e Paulo Branco.

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