Ministro João Cravinho demorou seis meses a enviar auditoria à PGR
A auditoria interna do Ministério da Defesa sobre as suspeitas na derrapagem nas obras de requalificação no antigo Hospital Militar de Belém foi enviada em fevereiro de 2021 ao Tribunal de Contas e só em agosto ao MP.
O ex-ministro da Defesa Nacional e atual titular da pasta dos Negócios Estrangeiros (MNE) demorou seis meses a enviar à Procuradora-Geral da República (PGR) a auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional que identificou várias irregularidades na contratação pública para as obras de requalificação do antigo Hospital Militar de Belém (HMB), em março de 2020, cujo custo derrapou para o triplo de 750 mil euros para 3,2 milhões), e que apontava o ex-Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), Alberto Coelho, como o principal suspeito.
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Questionado para reagir à "Operação Tempestade Perfeita", no âmbito da qual Coelho foi um dos detidos pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de corrupção (existindo ainda outros quadros superiores do ministério arguidos), João Gomes Cravinho, que era o responsável político na altura das obras, garantiu que enviara a referida auditoria não só ao Tribunal de Contas (TdC) como à PGR.
Ficou implícito que tinha sido em simultâneo, o que é a prática normal nestas situações. "De acordo com a informação que tinha a cada momento enviei o material que tinha para a Inspeção Geral de Defesa Nacional, para o Tribunal de Contas e para a Procuradoria-Geral da República", disse.
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Contudo, indagada a PGR, tal não tal não aconteceu. "O então ministro da Defesa Nacional remeteu a referida auditoria à Procuradoria-Geral da República em meados de agosto de 2021", confirmou ao DN fonte oficial.
Ou seja, seis meses depois de a ter enviado ao TdC e, sem aguardar a conclusão da investigação do TdC aos procedimentos que a auditoria classificara de ilegais, quatro meses depois de ter validado a nomeação de Alberto Coelho para presidente do Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A), uma empresa do universo da holding IdD Portugal Defence (Indústrias de Defesa), detida pelo Estado.
Nesta altura, recorde-se, já Cravinho tinha sido alertado para as suspeitas pelo seu próprio secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches, logo em julho de 2020; estivera sob pesada pressão parlamentar, principalmente do PSD a questionar o Ministro sobre a derrapagem em, pelo menos três audições, e com vários artigos já publicados no DN.
Logo em outubro de 2020, apesar de já ter conhecimento factual do que estava em causa, o ex-ministro da Defesa, além de informar que tinha pedido uma auditoria, relativizou a situação, manifestando a sua "grande satisfação com a qualidade da obra, que será no futuro uma unidade de cuidados continuados". "É dinheiro que não se perde, uma valorização do ativo superior ao previsto", exclamou.
Num segundo momento, e já depois de saber, pelo menos a 16 de fevereiro de 2021 (data em que assina o despacho a enviar o relatório para o Tribunal de Contas), das conclusões da auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional, que imputava responsabilidades e vários incumprimentos de Alberto Coelho, João Gomes Cravinho foi de novo ao parlamento, a 23 desse mês e tentou convencer os deputados que não tinha havido "derrapagem" nas obras do antigo Hospital Militar de Belém.
O DN questionou o gabinete do atual MNE sobre porque remeteu a auditoria ao TdC em fevereiro de 20 21 e à PGR em agosto, se teve mais informações que indiciassem a prática de crimes e se, nesse caso, porque manteve o principal suspeito pelas irregularidades à frente de uma empresa pública sob a sua tutela da Defesa.
A porta-voz oficial de Gomes Cravinho não respondeu, remetendo "todos os esclarecimentos" para a audição parlamentar que terá lugar na próxima terça-feira, a pedido do Chega, que pediu um agendamento potestativo (obrigatório).
Esta delonga será mais uma explicação que Cravinho terá de dar aos deputados sobre as suas ações e omissões neste processo, incluindo a nomeação de Alberto Coelho, apoiada pelo atual secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, na altura presidente da IdD.
Quando questionado na altura pelo DN sobre esta nomeação, Cravinho encaminhou as respostas para este dirigente que defendeu a "legalidade" da mesma e refutando qualquer "conflito de interesses" pelo facto de Alberto Coelho ter sido diretor-geral da DGRDN, organismo que tem poderes de fiscalização das atividades das empresas setoriais.
Apesar da responsabilidade política que pode ser levantada, a demora no envio da auditoria à PGR não teve influência prática na investigação criminal do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e da PJ, que já estava a decorrer nessa altura. Tal como o DN já referiu em artigos anteriores, logo que a auditoria chegou ao TdC, em fevereiro de 2021, a procuradora Celestina Morgado, titular do inquérito criminal, pediu o documento à sua colega do MP junto ao TdC, Teresa Almeida, para juntar ao processo.