Cravinho assume que considerou "adequada" a nomeação de ex-diretor sob suspeita
O ex-ministro da Defesa foi questionado no parlamento num debate de urgência por iniciativa do Chega sobre a alegada corrupção no Ministério quando o tutelou. João Gomes Cravinho classificou de "fabulações" as dúvidas dos deputados.
O motivo da nomeação para uma empresa pública do ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, indiciado por corrupção e detido na semana passada pela PJ na operação "Tempestade Perfeita", quando já estava sob suspeita de ter cometido ilegalidades nas adjudicações da empreitada do antigo Hospital Militar de Belém, era uma das explicações mais relevantes esperada do ex-ministro da Defesa, João Gomes Cravinho.
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Presente no parlamento nesta terça-feira, num debate de urgência por iniciativa do Chega, Cravinho foi questionado por toda a oposição sobre esta nomeação de Alberto Coelho para a Presidente do Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A), uma empresa do universo da holding IdD Portugal Defence, detidas pelo Estado, em abril de 2021, quase um ano depois de ter sido alertado pelo seu então secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches, para a derrapagem nas obras, que triplicaram o orçamento de 750 mil para 3,2 milhões, atribuindo a responsabilidade a Coelho; responsabilidade essa confirmada por uma auditoria interna do próprio Ministério que detetou "inconformidades legais" que o ministro tinha enviado para o Tribunal de Contas em fevereiro anterior.
Questões de deputados são "fabulações"
A justificação de Cravinho, que começou por classificar de "fabulações" as dúvidas colocadas pelos deputados, foi a seguinte: "tendo em conta a sua experiência e conhecimento acumulado na área da Defesa Nacional - e sobretudo sem que houvesse, nessa altura, qualquer suspeita dolosa - considerei adequada a sua nomeação para uma empresa das Indústrias de Defesa, um processo que começou em abril de 2021, passou pela CRESAP, e foi concluído a 8 de junho".
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Recorde-se que até essa data já tinham vindo a público vários dados que, não indicando expressamente "suspeita dolosa" (quando alguém conscientemente comete um crime para causar dano), já eram claros quando a eventuais más práticas do diretor-geral (as quais vieram depois a ser confirmadas pelo Tribunal de Constas que o condenou a uma multa de 15 mil euros).
Cravinho apresentou a sua "fita de tempo", alegando que fez "o que se exige a quem tem responsabilidades públicas, em cada momento, com base na informação disponível".
Assim, recordou os alertas de Seguro Sanches, logo em junho e julho de 2020 (o Centro de Apoio Militar - Covid 19 fora inaugurado a 20 de março) e que assentiu à proposta deste de enviar "a matéria à Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN)", o que fez "logo no dia seguinte".
Também seguiu a recomendação da IGDN e enviou o relatório para o Tribunal de Contas. No despacho, de 16 de fevereiro de 2021, que acompanhou o envio, Gomes Cravinho até destacou "a utilidade e valia" da obra (...) "evidente e incontestável quer nos serviços de saúde prestado neste quadro de emergência, quer na valorização futura do património da Defesa Nacional".
No entanto, assinalou que decidiu, ao contrário do que sugeria a IGDN, não autorizar as despesas em causa, através de um "despacho de delegação de competências autorizando a despesa, com retroatividade a 20 de março".
"Desse modo ficariam sanadas as irregularidades administrativas. Decidi não fazer um despacho de regularização, por entender que careciam algumas respostas que justificassem o aumento dos custos da obra face ao inicialmente previsto. Preferi, por isso, aguardar a análise do Tribunal de Contas", frisou.
Porém, como já foi referido, nomeou Alberto Coelho para a ETI, sem aguardar pelas conclusões do TdC.
Auditoria reavaliada
Questionado sobre porque demorou seis meses a enviar o relatório da IGDN à Procuradoria-Geral da República (PGR), conforme o DN noticiou, o ex-ministro da Defesa, revelou que, depois de em "meados de julho (2021) surgiram notícias novas na comunicação social levantando suspeitas graves sobre as empresas contratadas" e que decidiu pedir "a 20 de julho, à IGDN que fizesse uma reavaliação da sua auditoria original".
Esta informação era desconhecida até agora, apesar das inúmeras perguntas que sucessivamente o DN foi enviando ao seu gabinete e que ficaram sem resposta.
Segundo Cravinho esta reavaliação dizia que "a matéria então identificada não apontava de per si para a existência de factologia que pudesse relevar para efeitos de eventuais responsabilidades criminais" e propunha que "face às novas informações e à nova investigação que tinha feito, a matéria deveria de ser enviada ao Ministério Público". Foi o que fez a 16 de agosto de 2021.
No balanço que faz à própria atuação, atual ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que foi "proativo" porque enviou à IGDN "o despacho em que o Secretário de Estado manifestou as suas preocupações"; porque enviou a auditoria da IGDN para o Tribunal de Contas"; porque "perante as notícias de julho de 2021", pediu uma reavaliação da auditoria", e porque, perante essa reavaliação, enviou a auditoria ao Ministério Público.
Continuou por explicar, ainda assim, o ziguezaguear político de ações e omissões de Cravinho ao longo de todo o processo, desde que foi alertado por Seguro Sanches e pela própria comunicação social, como foi o DN que o começou a questionar logo em junho sobre a derrapagem.
Por exemplo, porque mandou classificar como confidencial a auditoria da IGDN impedindo o escrutínio público, incluindo dos próprios deputados, que só tiveram acesso à mesma em julho de 2021.
Porque, em junho de 2020, chamado ao parlamento pelo PSD, apesar de já ter conhecimento factual do que estava em causa pelo seu secretário de Estado, o ex-ministro da Defesa relativizou a situação, manifestando a sua "grande satisfação com a qualidade da obra, que será no futuro uma unidade de cuidados continuados".
"É dinheiro que não se perde, uma valorização do ativo superior ao previsto", exclamou.
Já depois de enviar a auditoria ao TdC, a 16 fevereiro de 2021, que imputava responsabilidades e vários incumprimentos de Alberto Coelho e em relação às quais já tinha conhecimento, João Gomes Cravinho foi de novo ao parlamento, a 23 desse mês e tentou convencer os deputados que não tinha havido "derrapagem" nas obras do antigo Hospital Militar de Belém.
"O que se entende por derrapagem?", questionou retoricamente o Ministro. "Se estamos a falar de uma obra, devidamente parametrizada, que acaba por custar mais, podemos falar nisso; mas aquilo que se verificou não foi isso, mas sim uma obra preparada num curtíssimo espaço de tempo que acabou por ter uma intervenção maior e que custou mais", explicou Cravinho, ou seja, precisou, "derrapagem era se a mesma obra custasse o triplo. (...) Uma coisa é um desvio, outra é uma derrapagem. Custou três vezes mais, mas é uma obra mais completa do que tinha sido pensado".
Cravinho não partilhou com os deputados o que já sabia da auditoria e foi também nessa audição que anunciou que não tinha renovado a comissão de serviço a Alberto Coelho, por uma questão de "olhar e abordagens novos", deixando elogios ao seu desempenho: "uma pessoa extremamente qualificada e capaz" que "prestou enormes contributos ao Ministério, que lhe estará sempre grato".
Como se sabe o custo das obras acabaram por derrapar dos 750 mil euros, inicialmente previstos, para 3,2 milhões e as suspeitas de corrupção nas adjudicações empreitada foram centrais na operação "Tempestade Perfeita", que levou à detenção do ex- diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), Alberto Coelho, e de outros dois altos quadros do ministério então liderado por Cravinho, o ex-diretor de serviços de Gestão Financeira, Paulo Branco, e o ex-diretor de serviços do Património, Francisco Marques, à data da detenção, coordenador de uma comissão do Ministério.
Estão indiciados por corrupção ativa e passiva, abuso de poder, peculato e participação económica em negócio e, conforme noticiou o DN, há outros seis funcionários superiores constituídos arguidos.
Conforme noticiou o Expresso, na passada sexta-feira, Alberto Coelho foi ainda um dos palestrantes convidados pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN) em outubro de 2021, quando a atual ministra Helena Carreiras era diretora, para lecionar uma aula de "contratação pública" no âmbito da Lei de Programação Militar. Fez ainda parte do júri da CRESAP que escolheu Carreiras para o comando do IDN.
Fora do escrutínio parlamentar ficou ainda o atual secretário de Estado da defesa, Marco Capitão Ferreira que era o presidente da IdD que recebeu Alberto Coelho na sua participada ETI.