Costa defende na Hungria que Estado de Direito não deve ser associado à recuperação
Depois de um encontro bilateral com o seu homólogo húngaro, no quadro dos contactos que tem realizado com outros líderes europeus para preparar o Conselho Europeu que arranca na próxima sexta-feira em Bruxelas, António Costa, em declarações à RTP em Budapeste, apontou que muitas vezes é a "falta de diálogo" que previne compromissos, pelo que considerou "importante" a conversa mantida com Orbán, na qual foi abordada a delicada questão da eventual condicionalidade na disponibilização de fundos de recuperação ao cumprimento do Estado de Direito, que, segundo Bruxelas, está ameaçado na Hungria.
O que está em causa são as conclusões da cimeira de chefes de Governo e de Estado da UE que reunirá em Bruxelas sexta e sábado. A agenda é pesada: o Quadro Financeiro Plurianual da UE para o período 2021-2027 e o Fundo de Recuperação económica pós-pandemia que lhe está associado.
Costa apontou que "com a Hungria há um problema particular, que tem a ver com a questão do Estado de Direito e qual é a relevância que deve ter nesta condicionalidade", no quadro das negociações sobre o Fundo de Recuperação, e indicou que a posição de Portugal é que esta é uma matéria fulcral, mas que deve ser tratada em sede própria, designadamente através do artigo 7º do Tratado, que dota a UE da capacidade de intervir em caso de risco manifesto de violação grave dos valores comuns, e que de resto já foi acionado ao encontro da Hungria.
"Como sabe, para nós a questão das liberdades, democracia e Estado de direito são questões centrais e que devem ser resolvidos nos termos próprios do Tratado, com base no artigo 7º, porque não se trata de discutir simultaneamente valores e dinheiro. Os valores não se compram. Se há um problema de valores, aí deve ser tratado, como está previsto, no artigo 7º como uma condicionante à participação na própria União", defendeu o PM português.
Para António Costa, outro tema, distinto, "é a discussão relativamente a este programa de recuperação financeira, onde aquilo que importa assegurar é um adequado controlo do uso dos fundos europeus", algo que considerou "absolutamente razoável" e que todos aceitam, incluindo a Hungria, disse acreditar.
"Eu acho que esta conversa é importante, porque todos temos de perceber quais são efetivamente os pontos de conflito que estão em aberto, para fazer um trabalho e um esforço para, até ao próximo Conselho, encontrarmos soluções para os diferentes pontos. Acho que há muitas vezes falta de diálogo entre as pessoas, e estes contactos bilaterais permitem perceber melhor quais são as dificuldades de uns e de outros, quais são os pontos de vista de uns e de outros, e isso aproxima e facilita a construção de acordos", disse.
O primeiro-ministro, que na véspera esteve em Haia para um encontro com o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, notou a propósito que "todos os primeiros-ministros andam mais ou menos neste momento a circular pelas diferentes capitais, procurando identificar quais são as dificuldades que uns e outros têm".
Costa voltou a manifestar-se confiante num acordo já na próxima cimeira, até porque, salientou, adiar uma solução para "uma situação dramática que hoje a Europa está a viver, já não só do ponto de vista sanitário, mas também do ponto de vista económico e do ponto de vista do emprego" seria algo que "nenhum cidadão na Europa, em parte alguma da Europa, pode perceber".
"Como sabe, eu sou um otimista impenitente e, portanto, não vejo razão para que, desde que haja vontade política, não possa haver acordo no próximo fim de semana. Não sei se é a 17 [de julho, sexta-feira], não sei se é a 18, não sei se teremos de ficar mesmo para 19, mas não vejo nenhuma razão para que não haja acordo", reforçou.
Costa revelou ainda que, tal como fizera na véspera com o chefe de Governo holandês, também explicou a Orbán "a especificidade regional da situação que se vive em Portugal" a nível da pandemia da covid-19, isto no dia em que a Hungria também colocou Lisboa na 'lista vermelha'.
"Sei que amanhã haverá uma reunião do Governo húngaro, e o primeiro-ministro ficou de considerar todos os dados e documentação que lhe forneci", declarou, sublinhando que, na sua conversa com Orbán, enfatizou o facto de o aumento de casos em Portugal ser muito localizado e de Portugal ser "dos países que mais testes fizeram", pelo que seria "muito injusto penalizar quem faz um esforço muito grande para identificar as pessoas infetadas", ao contrário de outros Estados-membros que preferem outras abordagens.
Entretanto, em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, anunciou que os seus contactos de preparação da cimeira marcada para sexta e sábado, inclui hoje um contacto telefónico com o PM português.
Segundo uma atualização da agenda de Charles Michel divulgada pelo seu porta-voz, pelas 14:45 de hoje (hora de Bruxelas, menos uma em Lisboa), o presidente do Conselho Europeu fará uma chamada telefónica para António Costa, no mesmo dia em que ouve outros chefes de Governo da UE, incluindo Mark Rutte, da Holanda, o principal rosto dos chamados países 'frugais'.
"Tendo em vista a cimeira de sexta-feira sobre o quadro financeiro plurianual e o fundo de recuperação, Charles Michel vai continuar as suas negociações [prévias] com os líderes dos 27", entre os quais António Costa, escreveu o porta-voz na sua conta na rede social Twitter.
Na segunda-feira, o PM portugês jantou em Haia com o seu homólogo holandês, Mark Rutte, chefe de fila do grupo dos quatro países (Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca) conhecidos como "frugais" que não quer a recuperação económica da UE alavancada em dívida comum europeia e financiamentos a fundo perdido.
À saída do encontro, António Costa afirmou-se "mais confiante" na possibilidade de se chegar já no final desta semana a um acordo na Cimeira Europeia.
Contudo, esta manhã, no Parlamento holandês, Rutte manifestou-se pessimista: "As respostas que temos obtido nos bastidores à nossa proposta não me deixam esperançoso quanto às possibilidades de chegarmos a um acordo."