
Justiça
MP acusa 27 skinheads suspeitos por crimes de ódio e homicídio qualificado
O Ministério Público acusou 27 arguidos dos 37 suspeitos da prática de crimes de ódio e homicídio qualificado. Um dos acusados é guarda prisional e esteve envolvido em agressões contra um militante comunista
O Ministério Público (MP) acusou 27 suspeitos neonazis indiciados por vários crimes de ódio, envolvendo grande violência, incluindo tentativas de homicídio, contra negros, muçulmanos, homossexuais e comunistas. Conforme o DN tinha noticiado há cerca de um mês, a investigação incidiu sobre 37 arguidos, mas 10 acabaram por não ser acusados.
Segundo o MP, pertencem ao movimento Portugal Hammer Skins (PHS), o mais violento grupo dos cabeças rapadas. Só nos processos que constituem este inquérito estão 18 vítimas.
Segundo um comunicado publicado no site da PGDL, "o Ministério Público requereu o julgamento, perante tribunal coletivo, de 27 arguidos pela prática de crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, ofensa à integridade física qualificada, incitamento à violência, homicídio qualificado tentado, dano com violência, detenção de arma proibida, roubo, tráfico de estupefacientes e tráfico de armas".
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"os arguidos agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a superioridade da raça branca"
A mesma nota diz que "os arguidos agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a superioridade da raça branca" e desenvolveram "ações violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas".
A acusação , é o desfecho de uma investigação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ), que levou à detenção em 2016 de cerca de duas dezenas destes skinheads - todos libertados pelo tribunal de instrução.
Em quase quatro anos mais de investigação, coordenada pelo procurador Óscar Ferreira, da 11.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, não só as suspeitas se confirmaram como os crimes se agravaram, com a identificação de mais vítimas e de mais suspeitos.
É o segundo grande golpe das autoridades contra a extrema-direita violenta em Portugal, desde a última grande e inédita operação da PJ em 2007, também titulada pelo DIAP de Lisboa, com a procuradora Cândida Vilar, em que foram levados a julgamento 36 skinheads, incluindo o líder da altura do PHS, Mário Machado.

Material apreendido a skinheads na operação da PJ em 2016
© Pedro Rocha / Global Imagens
Os arguidos deste novo inquérito estão indiciados por agredirem violentamente as vítimas, algumas quase até à morte, motivados por ódio racial, homofóbico e político-ideológico. Tentativas de homicídio, ofensas à integridade física qualificadas (pela motivação), posse de armas de fogo ilegais, injúrias e ameaças e associação criminosa são os principais crimes em causa.
Comunista deixado à beira da morte
Entre os acusados está um guarda prisional, a quem várias testemunhas e a investigação judicial colocam no local de um dos crimes e o apontam como um dos autores do espancamento brutal que deixou um militante comunista à beira da morte e com sequelas neurológicas para o resto da vida.
Este guarda tem negado o seu envolvimento nestas agressões, alegando que a sua presença no local devia-se ao facto de ter tentado ajudar as vítimas - o que o inquérito conseguiu contrariar, até porque este guarda já foi identificado noutras situações relacionadas com grupos extremistas, incluindo em claques de futebol.
Neste processo foram ainda identificados alguns casos em que o órgão de polícia criminal de primeira linha não os tinha registado como crimes relacionadas com discriminação e racismo - apesar de as características das vítimas e dos agressores assim indicarem
Neste processo foram ainda identificados alguns casos em que o órgão de polícia criminal de primeira linha não os tinha registado como crimes relacionadas com discriminação e racismo - apesar de as características das vítimas e dos agressores assim indicarem - mas apenas como situações de vulgares agressões, cuja moldura penal é mais leve.
Entre as situações mais graves relatadas neste processo há duas tentativas de homicídio que tinham sido arquivadas, tendo a PJ pedido a sua reabertura para juntar a este processo. Umas das vítimas, um jovem negro, não quis testemunhar por temer represálias dos agressores - uma atitude comum a outras vítimas, com que o MP e a PJ se foram deparando ao longo da investigação e que dificultou algumas identificações. Noutro caso que a PJ juntou a este processo tinha sido o próprio MP a arquivar, apesar de a suspeita recair sobre hammerskins.
Condenados pela morte de Alcindo
Entre os 37 suspeitos, dos quais 27 são agora acusados, há 11 arguidos que já estiveram anteriormente referenciados em processos que envolveram organização de neonazis. Cinco deles estão entre os cabeças rapadas condenados pelo homicídio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em 1995.
Para os investigadores, que há um núcleo duro deste grupo que tem sempre continuado a sua atividade de defesa de ideais racistas, homofóbicos, xenófobos. Mesmo não estando diretamente envolvidos nas agressões, estão na retaguarda a controlar e a gerir os recrutamentos.
Há seis que foram alvo da megaoperação de 2007. Isto significa, para os investigadores, que há um núcleo duro deste grupo que tem sempre continuado a sua atividade de defesa de ideais racistas, homofóbicos, xenófobos. Mesmo não estando diretamente envolvidos nas agressões, estão na retaguarda a controlar e a gerir os recrutamentos. Quatro outros arguidos foram ainda condenados por roubos, agressões e sequestros, em 2010, num processo que envolveu o ex-líder dos PHS, Mário Machado.
Os factos que constituem o presente processo ocorreram entre 2013 e 2017 - pelo menos um deles aconteceu já depois da operação de 2016, demonstrando a continuação da atividade criminosa. Todas as 18 vítimas dos inquéritos que foram juntos a este processo enquadram-se nos alvos dos crimes de ódio, seja por motivos religiosos, raciais, de género ou ideológicos.

Material apreendido a skinheads pela PJ
© Bruno Castanheira
A PJ detetou ainda, já depois de 2017, vários sinais da atividade destes arguidos enquadrada no desígnio do movimento dos PHS e demonstrando o seu dinamismo. Participações de alguns dos skinheads em eventos neonazis internacionais, assim como a realização e encontros / concertos que contaram com a presença no nosso país de vários elementos das congéneres internacionais, foram vigiados e registados pelas autoridades.
O facto de nenhum dos detidos de 2016 ter ficado em prisão preventiva acabou por dar mais tempo aos investigadores para recolherem provas contra estes suspeitos, fazer mais vigilâncias, falar com as vítimas - algumas muito renitentes a testemunhar com medo de represálias. O MP passou a pente fino a fundamentação e está a concluir a acusação.
Clima de medo
Para os investigadores, durante cinco anos (2013-2017), estes arguidos definiram uma estratégia para criar um clima de medo e perturbação da ordem pública contra vítimas, escolhidas pela sua pertença a minorias que os neonazis consideram contrariar o ideal nacional-socialista - comunidade LGBT, imigrantes, africanos e antifascistas. "Só não houve mais Alcindos Monteiros por mera sorte", admira-se uma fonte judicial que acompanhou o processo.
A intimidação acabou por funcionar e algumas vítimas estiveram quase a desistir de testemunhar, receando ser de novo atacadas e perseguidas. Na verdade, como já foi referido, um dos casos, o de janeiro de 2017 contra um ativista antifascista, envolveu indivíduos já arguidos neste processo, o que demonstra, para o Ministério Público, a continuação desta criminalidade e desprezo pelas consequências penais.

Em 2016 a PJ deteve cerca de duas dezenas de suspeitos skinheads e aprendeu material neonazi. Foram todos libertados pelo tribunal de instrução
© Pedro Rocha / Global Imagens
Na conferência de imprensa sobre a operação de 2016, o diretor da PJ, Luís Neves, apelou às vítimas dos crimes de ódio para denunciarem, sem medo, e confiarem nas autoridades. "Os crimes de ódio são intoleráveis num Estado de direito democrático e a Polícia Judiciária é implacável na perseguição dos seus autores", assinalou ao DN este alto dirigente.

Luís Neves, diretor nacional da PJ: "Os crimes de ódio são intoleráveis num Estado de direito democrático e a Polícia Judiciária é implacável na perseguição dos seus autores"
© Fernando Fontes / Global Imagens
Salientou ainda que "no contexto de migrações e refugiados, a União Europeia pediu aos Estados membros para darem prioridade máxima ao combate aos crimes de discriminação racial e religiosa". "Esse é o objetivo da PJ", frisou. "As pessoas podem ter as ideologias que quiserem, mas quando cometem crimes contam com uma perseguição policial sem tréguas", avisou.
Para os investigadores não há dúvidas que estes 37 arguidos não aceitam as sociedades multiculturais nem a pluralidade religiosa, perseguindo também antifascistas e/ou comunistas e indivíduos LGBT.
Para os investigadores não há dúvidas que estes 37 arguidos não aceitam as sociedades multiculturais nem a pluralidade religiosa, perseguindo também antifascistas e/ou comunistas e indivíduos LGBT.
Concluem por isso que está em causa uma criminalidade altamente organizada, através de um grupo hierarquicamente estruturado, com papéis definidos, cujo objetivo era promover e executar ações de incitamento à discriminação, à apologia do ódio e da violência contra minorias, cuja motivação é exclusivamente político-ideológica.
A maior parte das situações descritas nesta acusação têm como autores candidatos a membros dos PHS, os designados prospects, que tentam mostrar as suas capacidades para poderem ser recrutados e integrar o grupo. Estes "rituais de iniciação" têm como um dos principais requisitos a capacidade dos prospects lidarem com as autoridades.
Apologia do ódio e da violência
Nos últimos dez anos, desde a operação da Polícia Judiciária em 2007 contra este grupo, que decapitou toda liderança e fez cair a estrutura da organização, os cabeças rapadas foram aos poucos recuperando. Contaram com apoios internacionais, utilizando até sistemas de comunicações encriptadas para fugir aos radares das autoridades.

Tribunal de Monsanto: em 2008 houve 36 skinheads a serem julgados por disciminação racial, entre outros crimes violentos
© Pedro Saraiva
A partir de 2013, a PJ começou a notar um aumento de atividade da organização extremista, designadamente novos recrutamentos. Em maio de 2015, a organização alugou um espaço, no concelho de Odivelas, que se transformou no seu quartel-general - a Skinhouse dos PHS. A skinhouse, tal como tinha acontecido com a de Loures desmantelada pela polícia em 2007, era o local de convívio, concertos, reuniões para preparar estratégias de combate, preparação de manifestações e base de recrutamento.
Narrativa subtil e disruptiva
Era a base logística para a apologia do ódio e da violência. Bandas musicais entoavam canções que incitavam à violência e à xenofobia contra judeus, negros e muçulmanos. A idolatração a Hitler e ao nazismo eram momentos de grande euforia e participação.
Este novo golpe da PJ na extrema-direita violenta do nosso país não deixa, no entanto, tranquilos os analistas que acompanham estes movimentos. "Há uma mudança na narrativa do ódio neste género de organizações de extrema-direita, mais subtil e mais disruptiva. Agora assentam a sua estratégia na defesa dos valores culturais do país, na identidade e na história portuguesas. Surgem líderes mais discretos.
Com as redes sociais como palco de grande difusão, acabam por atingir e cativar muitas pessoas que antes se afastavam dos ideais da extrema-direita", sublinha uma fonte policial que acompanha este fenómeno.

Material apreendido a skinheads pela PJ
© Bruno Castanheira
O último relatório internacional "Global Index for Terrorism", referente ao ano de 2019, dava conta de um aumento contínuo de mortes atribuídas a indivíduos de extrema-direita. Dezanove países da Europa Ocidental, da América do Norte e da Oceânia foram alvo de ataques desta natureza. De 11 mortes, em 2017, passou-se a 26 em 2018 e a 77 em 2019 (até setembro) - um recrudescimento de 600%. Esta tendência tem levado alguns analistas a concluir que este fenómeno não está a ser tratado seriamente e que as autoridades policiais e os serviços de informações ocidentais devem dar mais atenção a esta ameaça em expansão.
O relatório anual de 2019 da Europol sobre a situação e as tendências do terrorismo na União Europeia alertou para a ação de três grupos de extrema-direita ativos em Portugal, a nível nacional e internacional: o Blood & Honour, o Portugal Hammer Skins e o recém-criado movimento neonazi Nova Ordem Social (entretanto extinto pelo seu fundador Mário Machado).
Este fenómeno foi assinalado também no Relatório Anual de Segurança Interna de 2018. O Serviço de Informações de Segurança salientou que a extrema-direita continuou "a revelar grande dinamismo na luta pela "reconquista" da Europa, nomeadamente no que diz respeito ao combate à imigração ilegal, à islamização, ao multiculturalismo e ao marxismo cultural".
Atualizado com o comunicado da PGDL