Homicídio no Tagus Park em Oeiras. "Amor, amor, ele está aqui! Ai!"

Ricardo matou a tiro Bárbara, sua colega do banco BCP Millenium - um trágico epílogo de uma paixão obsessiva. Bárbara, casada, deixou dois filhos menores, de 9 e 4 anos, e uma família devastada
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"Amor, amor, ele está aqui! O Ricardo! Ai!" - estas foram as últimas palavras que Ramiro, o marido de Bárbara lhe ouviu ao telemóvel, momentos antes de saber que a mulher, com quem estava casado há 12 anos, tinha sido assassinada a sangue frio, a tiro de pistola, por um colega de trabalho.

O derradeiro e inútil grito de socorro está registado no despacho do Ministério Público (MP), onde é deduzida a acusação, por homicídio qualificado e posse de arma ilegal, contra Ricardo Nunes, de 43 anos. Palavras que vão ficar para sempre gravadas na memória de Ramiro.

Em abril passado, Ricardo disparou contra Bárbara, de 40 anos - um trágico epílogo de uma paixão obsessiva.

Uma história em que as únicas pessoas capazes de confirmar com rigor não o podem fazer. Bárbara está morta. Ricardo está em estado vegetativo, com danos cerebrais severos, depois de, a seguir a ter roubado a vida a Bárbara, ter disparado na própria cabeça. Está hospitalizado deste o crime - semi-inconsciente, não fala, não se mexe.

Bárbara deixou dois filhos menores, um rapaz de 9 anos e uma menina de 4, e toda uma família devastada. Por muito que amigos e colegas puxassem pela cabeça para encontrar uma explicação para o hediondo crime, nada lhes apaziguou a náusea, a incredulidade e a tristeza profunda.

Bons profissionais, amigos e solidários

Na investigação conduzida pelo MP de Oeiras, a que o DN teve acesso, procuraram-se os motivos. Foram ouvidos amigos, colegas e familiares de ambos. Segundo a conclusão do despacho de acusação, Ricardo "queria uma relação amorosa com Bárbara", embora Bárbara fosse casada e não o quisesse.

"Não aceitando que o seu sentimento não fosse correspondido, delineou um plano para a matar" e com isso em mente, "apoderou-se de uma arma", uma pistola Star SIS, calibre 7,65 mm - proibida para cidadãos comuns - sem registo legal, para o executar.

Em todos os depoimentos registados pelos inspetores da PJ quando perguntavam sobre a personalidade de Bárbara e Ricardo, "ambos são reconhecidos como bons profissionais, não conflituosos, amigos e solidários. (...) Ricardo era mais exuberante e afetivo. Bárbara era ativa, comunicativa e alegre".

A Judiciária diz que, tendo em conta os interrogatórios que fez, havia uma "notória amizade", "sem indícios de Ricardo ser desagradável para B." e "sem indícios de haver um relacionamento afetivo".

Os investigadores não conseguiram precisar quando é que, da parte de Ricardo, a 'sombra' começou a escurecer esta amizade e natural cumplicidade no local de trabalho.

315 mensagens telefónicas em seis meses

Mas havia alguns sinais que podiam já ser identificados como sintomas da obsessão, como explicam as psicólogas forenses e profilers Cristina Soeiro, da PJ, e Rute Agulhas (ver entrevista aqui), do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

"Este grupo de agressores é menos frequente, mas apresenta indicadores que permitem verificar que o risco de ocorrer violência letal é grande", sublinha Cristina Soeiro, dando como exemplo "comportamentos de perseguição (Stalking) intrusiva que podem envolver o controlo dos espaços frequentados, envio de emails, sms, entre outros".

A análise dos registos telefónicos indicam que entre 1 de outubro de 2018 e dia 19 de abril de 2019, Bárbara e Ricardo "comunicaram entre si 328 vezes" e que destas "315 partiram de Ricardo". O último registo, em abril, foram duas chamadas telefónicas de Bárbara.

Não se sabe o conteúdo da conversa, mas a avaliar pelos testemunhos de pessoas mais próximas, Bárbara poderia estar a tentar afastar definitivamente Ricardo da sua vida e seguir em paz para umas férias em família para Paris.

Uma amiga de Ricardo relatou aos inspetores que o sentiu mais "reservado, sensível e desanimado", e que achava que Bárbara "tinha gozado com ele".

Uma colega de trabalho, próxima de ambos, revelou que enquanto Bárbara esteve ausente em Paris Ricardo perguntava insistente e repetidamente por ela. Estranhou. Disse que Ricardo era "calmo, ponderado, de bem com a vida - a última pessoa que imaginava a fazer o que fez".

"Filmes" indesejáveis e ameaças

Uma amiga de Bárbara há 30 anos, e colega do banco, conhecia Ricardo desde 2012. Sabia que Bárbara era "feliz no casamento" e que Ricardo se tinha divorciado há três anos, sendo que uma outra relação que tinha tido a seguir também não resultara. Nunca viu mais do que amizade entre ambos. "Davam-se bem, mas nada que levasse a desconfiar de uma relação afetiva, diferente da dos restantes colegas".

Contou aos investigadores que em fevereiro de 2019, cerca de dois meses antes do homicídio, Bárbara lhe tinha confidenciado que Ricardo "andava a fazer muitos filmes que não eram os dela". Ofereceu-se para falar com Ricardo e fazer-lhe ver a indisponibilidade de Bárbara.

Cerca de um mês depois, a 29 de março, Bárbara contou-lhe que Ricardo a tinha ameaçado e que tinha contado ao marido, Ramiro. Para a amiga, "ficou implícito o desgosto de Ricardo", mas que "nunca valorizou, pois era uma pessoa muito pacífica". "Surpreendente e inexplicável" foram as palavras que usou para traduzir aos investigadores o que sentiu com o desfecho do caso.

"Ilógico e irracional"

Para o marido, Ramiro, tudo foi "ilógico e irracional". No seu longo interrogatório classificou como "feliz" o seu casamento de 12 anos com Bárbara, com quem começou a namorar em 2004. Também ele empregado do Banco, num departamento diferente do da mulher, conhecia apenas de vista Ricardo.

Contou aos investigadores que no final de março, quando caminhava junto ao edifício do Tagus Park, foi abordado por Ricardo para que falassem a sós. Pensou que era um assunto de trabalho e ficou estupefacto quando este lhe começou a pedir desculpas por ter trocado mensagens com Bárbara, confessando que estava apaixonado.

O pedido de desculpas pareceu-lhe "legítimo, humilde e educado". Não lhe deu muita conversa, afirmando que o pedido estava aceite.

Quando chegou a casa contou a Bárbara o sucedido e esta reconheceu a "ligação especial" com Ricardo, que "tinham saído algumas vezes", mas frisou que não era mais do que isso, uma amizade.

Disse a Bárbara que a libertava do casamento, caso ela já não o amasse, tendo a mulher garantido que a relação de ambos era "sólida" e que Ricardo "nada significava". Informou-o ainda que "tinha cortado a possibilidade de sequer continuar a amizade com ele, no momento em que ele manifestou intenção de algo mais físico".

No dia 24 de abril, quando estava com Bárbara a fazer as malas de viagem para Paris, recebeu um novo telefonema de Ricardo a pedir de novo desculpas e apelidando-o de "tipo porreiro".

Em retrospetiva, quando falava com os inspetores da PJ, achava agora que Ricardo "queria provocar zangas domésticas" para que se separassem. Telefonou-lhe outras vezes a insistir na sua paixão por Bárbara. Acha ainda que Ricardo os seguia, designadamente Bárbara.

O casal tinha acabado de regressar de Paris e dia 30 de abril era o primeiro dia de trabalho. Ramiro recordou que Bárbara lhe tinha dito que ia aproveitar a hora de almoço para ir arranjar as unhas. Tinha um jantar de mães da escola de futebol do filho.

Encontro inesperado

Estava em casa, quando, cerca das 13 horas, Bárbara lhe ligou do telemóvel a dizer que estava a dirigir-se para o carro. De repente, exclamou: "Amor, amor, ele está aqui. O Ricardo. Ai!". Ramiro ainda lhe gritou para por o telefone em alta voz, mas não obteve resposta.

Ligou de imediato para uma colega de ambos e pediu-lhe para ir procurar Bárbara, relatando-lhe o sucedido. Passados alguns momentos esta ligou-lhe e deu-lhe a trágica notícia.

Ramiro correu para o Tagus Park e ainda viu a cena do crime e a mulher, tendo sido de imediato encaminhado para um posto médico montado no local, para receber assistência psicológica.

De acordo com a reconstituição do crime feita pelas autoridades, através das imagens captadas por câmaras de videovigilância, nesse dia Ricardo faltara ao trabalho e estava no parque de estacionamento desde as 11h19, dentro do seu carro, um Mercedes C220 CDI.

O telefonema de Bárbara para o marido foi às 13h07 e às 13h10, quando esta já estava sentada ao volante do seu Seat Ibiza, Ricardo abriu a porta do automóvel e disparou para a sua cabeça, causando-lhe morte imediata.

Virou a pistola para si próprio e voltou a premir o gatilho atingindo a zona entre a sua cabeça e o pescoço. Os seguranças do banco, os primeiros a chegar ao local, encontraram-no inanimado, com a cabeça no colo de Bárbara, as pernas fora da viatura e a arma ainda na mão.

A porta do carro estava aberta e as fotografias dos peritos da PJ, mostram Bárbara ligeiramente inclinada para a esquerda, com a cabeça descaída para o mesmo lado e a ferida do projétil meio tapada pelos longos cabelos castanhos.

Personalidade "perversa" e "cruel"

Ricardo foi transportado para o hospital e submetido até hoje a várias neurocirurgias, nunca tendo conseguido recuperar a fala nem a mobilidade. O último relatório médico, datado de quatro de novembro, revela que se encontra "física e mentalmente debilitado, sem consciência para tomar conhecimento" da notificação da acusação. Entre outros, sofre de "traumatismo cranioencefálico", agravado por uma "meningite cerebral" e esteve em coma induzido. "A sua reação a estímulos é muito reduzida".

De acordo com o MP, o seu estado de saúde está a ser monitorizado pela PJ para averiguar quando está em condições de ser transferido para o hospital-prisão de Caxias, para cumprir a pena de prisão preventiva que lhe foi determinada pelo juiz de instrução.

O MP entende que existe "perigo de perturbação grave da tranquilidade e ordem pública, porque o mal produzido, face à sua gravidade e irreversibilidade, produzirá na família e comunidade sentimentos não compatíveis com a liberdade do arguido, até porque o marido da vítima é colega de trabalho do mesmo, ao que se acresce o alarme social protagonizado pela conduta do arguido".

Para o MP, Ricardo "revelou uma personalidade perversa e cruel, conduta ainda mais censurável, tendo em conta a relação de amizade com a vítima".​

Como podia Bárbara adivinhar o que estava na mente de Ricardo? Como poderia saber que a tal 'sombra' o estava a vencer? A psicóloga forense Rute Agulhas, dá algumas pistas dos "sinais" que "começam por ser muito subtis, com tentativas de controlo, muitas vezes mascaradas com demonstrações de amor".

Para a família, principalmente para os filhos, possivelmente de nada servirão as explicações. Nada mais há para saber. Perderam Bárbara, mãe, mulher, o amor das suas vidas.

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