Cenário preocupante. Todas as perguntas e respostas da reunião do Infarmed

Reunião no Infarmed traçou um cenário preocupante, com números em crescimento há mais de um mês. Aumento está agora a dar sinais de algum abrandamento. Primeiras vacinações apontadas para o início do ano.
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Vários especialistas em epidemiologia e saúde pública voltaram esta quarta-feira ao Infarmed para falar da atual situação da pandemia de covid-19. Abordagens diferentes, mas com vários pontos em comum: a incidência é hoje bastante mais alta do que foi na primeira vaga da pandemia, e muito preocupante, embora o aumento dos contágios vá dando alguns sinais de abrandamento. O mesmo é dizer que os números continuam a aumentar, e em valores altos, mas a um ritmo mais lento. Uma boa notícia que está muito longe de afastar preocupações, nomeadamente quanto à capacidade de resposta dos serviços de saúde. Eis algumas das principais linhas do que foi dito hoje:

Como está a situação atualmente?

Esta foi a questão central da intervenção de Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que afirmou na reunião que o Rt nacional (o índice de transmissão da doença) está "acima de um há 88 dias", verificando-se uma média diária de 6 488 novos casos, um valor "seis vezes superior" ao que se verificou na primeira onda de março/abril.

Ainda assim o crescimento está a abrandar, dado que o tempo que demora a duplicar o número de novos casos diários tem vindo a aumentar: "Continuam a crescer [os novos casos por dia] mas com um crescimento menos acentuado desde o meio de outubro", afirmou Baltazar Nunes.

De acordo com Baltazar Nunes "só com uma redução dos contactos na comunidade superior a 60% e uma elevada cobertura do uso de máscara é possível trazer o Rt para baixo de 1" e mantê-lo aí "por várias semanas".

Quando será atingido o pico?

Segundo Manuel do Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciência da Universidade Nova de Lisboa, com a tendência atual do Rt o pico de novos contágios por covid-19 ocorrerá de "25 a 30 de novembro" - já na próxima semana - com uma média diária de cerca de 7000 casos. Esta quinta-feira os números já não ficaram longe deste valor, com 6994 novos, um recorde desde o início da pandemia.

O pico de óbitos é apontado para a segunda semana de dezembro, com uma média de mortes diárias "entre 95 e 100".

Em que ponto está a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde?

De acordo com João Gouveia, presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva (CARNMI), neste momento temos "84% de taxa de ocupação das camas de unidades de cuidados intensivos dedicados à covid-19". "Temos o risco de já não conseguir receber todos os doentes que precisem de Medicina Intensiva com covid-19", alertou o responsável, especificando que esta situação tem uma "variedade regional enorme".

Por exemplo, há serviços no Norte do país que "estão a 113% da sua capacidade e outros que estão com menos noutras zonas do país, entre os 40/60%", mas em muitos destes casos trata-se de unidades pequenas que rapidamente esgotam a sua capacidade, advertiu João Gouveia - "Não acho que estejamos em situação de catástrofe, ainda, mas estamos já em situação de rutura".

Onde é que as pessoas se contagiam?

A resposta a esta pergunta é, esmagadoramente, que não se sabe. De acordo com André Peralta Santos, especialista da Direção-Geral de Saúde, em cerca de 80% dos casos registados na última semana não se conhece qual a origem do contágio. Nos casos em que essa origem é conhecida - ou seja, em 20% das situações - o contexto mais identificado é o familiar, com 60%.

Henrique de Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, centrou a sua intervenção no contexto em que ocorrem os contágios, resultado de um estudo feito junto de estudantes do ensino superior. Primeira conclusão: a frequência de aulas presenciais nas universidades não aumenta o risco de contágio. Já "frequentar ginásios", "trabalhar presencialmente" ou frequentar "alojamentos lotados" aponta para um aumento do risco. Por outro lado, os transportes coletivos, a restauração e a frequência de espaços comerciais não parecem estar associados a um aumento da probabilidade de infeção.

Pode haver uma terceira vaga de contágios?

A pergunta foi deixada pelo Presidente da República. Na resposta Manuel do Carmo Gomes respondeu que isso "depende de nós", ou seja, dependerá do comportamento que os portugueses assumirem, dado que o "R está sempre pronto a disparar".

O estado de emergência vai ser renovado?

Não havia grandes dúvidas, mas Marcelo Rebelo de Sousa confirmou à saída da reunião do Infarmed que iria propor à Assembleia da República a renovação do estado de emergência - o que entretanto já foi concretizado.

E esta não será, com toda a probabilidade, a única renovação. "Estamos perante um desafio que não termina nos próximos 15 dias. Continua nas semanas e meses seguintes. Significa isto uma predisposição para outras renovações, aquelas que foram necessárias", disse o Presidente da República à saído do encontro.

Pode haver um novo confinamento geral?

Vários especialistas apontaram a necessidade de medidas apertadas para conseguir baixar o Rt para baixo de 1, o que permitiria controlar a pandemia a prazo (neste capítulo Óscar Felgueiras sublinhou que há um mês e meio de diferença entre o momento em que as medidas são tomadas e o regresso à "incidência de partida"), bem como a sua extensão no tempo, sob pena de não se repercutirem numa redução dos contágios.

Segundo Baltazar Nunes "só com uma redução dos contactos na comunidade superior a 60% e uma elevada cobertura do uso de máscara é possível trazer o R para baixo de 1" e mantê-lo aí "por várias semanas".

Manuel do Carmo Gomes defendeu medidas específicas, localizadas, consoante o risco de contágio em cada região, mas apesar dos muitos alertas face ao crescimento dos números da pandemia nenhum dos especialistas apontou para um cenário de confinamento geral como aquele que ocorreu em março/abril.

No final, Marcelo Rebelo de Sousa apontou também no sentido de medidas diferenciadas, que o próprio decreto do estado de emergência veio confirmar - "É importante avançar para medidas específicas que atendam à maior e menor gravidade da situação nos vários concelhos do território continental".

Quando chegam as vacinas?

Rui Ivo, presidente do Infarmed, a autoridade nacional do medicamento, disse esperar que as primeiras vacinações contra a covid-19 aconteçam no início do próximo ano - o que, sublinhe-se, está dependente da autorização da agência europeia que tutela o setor a qualquer uma das vacinas que está, atualmente, na última fase de ensaios clínicos.

O presidente do Infarmed afirmou que as entregas de vacinas acontecerão em tranches ao longo de 2021 e que poderão estar disponíveis mais de cinco milhões de doses no primeiro trimestre, cerca de oito milhões no segundo trimestre e mais dois milhões no último trimestre do ano que vem.

Como já era sabido e Rui Ivo reiterou esta quinta-feira a União Europeia fechou contratos para quatro vacinas, três das quais - a da BioNTech/Pfizer, da AstraZeneca/Oxford e da J&J/Janssen - estão numa fase muito avançada de desenvolvimento. Foi ainda fechado contrato para a vacina da Sanofi.

No final da reunião, em declarações à imprensa, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, afirmou que "se tudo correr como o previsto, sem qualquer contratempo, será possível iniciar campanhas de vacinação no primeiro trimestre de 2021, nomeadamente junto dos cidadãos que apresentam fatores de maior risco".

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