Portugal confirma dois casos de Covid-19 com ligações a Itália e Espanha
O coronavírus chegou a Portugal: dois casos deram positivo ao Covid-19, anunciaram esta segunda-feira a ministra da Saúde, Marta Temido, e a Diretora-Geral da Saúde (DGS), Graça Freitas, em conferência de imprensa.
O caso que aguardava os resultados de contra-análise do Instituto de Saúde Ricardo Jorge acabou por ser confirmado como positivo.
O primeiro caso a ser confirmado é de um médico de 60 anos, internado no Centro Hospitalar Universitário do Porto (Santo António), que esteve de férias no norte de Itália e que sentiu os primeiros sintomas a 29 de fevereiro. O segundo paciente é um homem de 33 anos, internado no Hospital de São João, que manifestou os primeiros sintomas a 26 de fevereiro e tem ligação a Valência, Espanha. O estado de saúde de ambos é "estável".
As análises deste último paciente foram enviadas para o Instituto de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa, pelo que não foi dada logo uma "confirmação definitiva". No entanto, os laboratórios locais e hospitalares "fizeram várias vezes os testes e sempre deram positivo", indicou Marta Temido. "Nós estamos a partilhar já esta informação". A confirmação foi dada depois pelo Instituto de Saúde Ricardo Jorge.
A ministra da Saúde afirmou que os contactos destes dois pacientes "vão ser colocados em vigilância". Marta Temido indicou também que as Administrações Regionais de Saúde estão a trabalhar para a "identificação" destas pessoas e a avaliar o seu "grau de exposição" ao novo coronavírus.
Estes dois casos foram identificados no domingo, informou Marta Temido.
Sobre as medidas que irão ser tomadas, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, afirmou que serão proporcionais ao grau de risco e adequadas às situações, ao "dinamismo, flexibilidade e proporcionalidade".
Tanto Marta Temido como Graça Freitas insistiram na necessidade do primeiro crivo ser sempre feito pela linha SNS 24 para as pessoas obterem informação e orientação sobre o que devem fazer.
Sobre a hipótese de alargamento do plano de intervenção das autoridades de saúde, a ministra da Saúde indicou que "as medidas preparadas para os três voos semanais vindos da China vão ser alargadas para os voos de Itália". Ou seja, espera-se um aumento da divulgação de informação nos aeroportos.
"Neste momento, foi já tomada a decisão de aplicar [o rastreamento] aos voos que são provenientes de áreas afetadas, já o tínhamos feito relativamente aos voos provenientes da China. Vamos alargar essa medida aos voos provenientes da Itália", disse Marta Temido, explicando que se trata da "aplicação de uma rastreabilidade de contactos e também um reforço da informação dos provenientes dessa região".
"Estamos em fase de contenção e vamos continuar. Teremos quase de certeza dois casos confirmados. Não aumenta o nível de prevenção neste momento, mas gera uma segunda linha muito importante de deteção de contactos diretos", afirmou a diretora-geral de saúde. "A palavra do momento é tranquilidade", sublinhou Graça Freitas.
"Não se deve entrar em alarmismos", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, sobre os primeiros casos de coronavírus em Portugal questionado pelos jornalistas à entrada do SISAB, um feira de produtos alimentares que restringiu a presença de participantes oriundos da China e norte de Itália.
"Este processo continua a ser acompanhado com muita atenção sempre com a preocupação de descobrir a causa para perceber o efeito", notou o Presidente da República, esperando que o pico da doença comece a decrescer e lembrando que "os casos têm origem fora do território português". "O que era estranho era haver em todos os países, de onde vinham compatriotas nossos e não existir em Portugal".
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou ainda que "o que sabemos é que com a subida de temperatura diminui a virulência".
Já o primeiro-ministro, António Costa, voltou a pedir aos portugueses, esta segunda-feira, "confiança no nosso sistema de saúde que tem profissionais preparados para ultrapassar esta situação". Na perspetiva do primeiro-ministro, "tudo correu conforme o esperado" no acompanhamento a estes dois doentes.
Sobre as consequências do vírus para a economia mundial, o primeiro-ministro português mostrou-se confiante nas metas "muito prudentes" estabelecidas e garantiu que o ministro das Finanças está acompanhar a situação.
A epidemia que teve origem na China já infetou mais de 89 mil pessoas a nível global e provocou a morte de três mil em todo o mundo (mais de 2 800 na China).
O coronavírus está espalhado por mais de 60 países - Portugal passou agora fazer parte desta lista negra. Itália é um dos casos mais preocupantes na Europa, já que em poucos dias viu o número de infetados subir em flecha - já são 1694 os infetados e 34 as vítimas mortais.
O país registou a primeira morte por coronavírus no dia 21 de fevereiro e desde então tem tomado fortes medidas na tentativa de restringir a propagação do covid-19: há uma dezena de localidades da região norte isoladas, escolas e museus encerrados, atividades públicas, nomeadamente jogos de futebol, cancelados.
Se olharmos para a vizinha Espanha também já há registo de 84 infetados, um deles é o escritor chileno Luís Sepúlveda, internado, desde sábado, no Hospital Central das Astúrias, em Oviedo, que esteve na Póvoa do Varzim entre 18 e 23 de fevereiro para participar no evento literário Correntes d'Escritas, onde contactou com muitas pessoas. As autoridades de saúde portuguesas encontram-se a tentar reconstruir a rede de pessoas com que o escritor esteve e pede a colaboração de todos os quantos tenham estado presentes no festival para telefonarem para a linha SNS 24 (808 24 24 24).
Em Portugal, não há consenso sobre se há quadro legal para impor a quarentena obrigatória. Constantino Sakellarides, especialista em saúde pública, que esteve à frente da Direção-Geral da Saúde e da Escola Nacional de Saúde Pública, é uma das vozes que defende que a legislação portuguesa permite o internamento obrigatório de um doente com coronavírus.
O médico tem por base a Lei n.º 81/2009, que instituiu "um sistema de vigilância em saúde pública, identifica situações de risco, recolhe, atualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública, bem como prepara planos de contingência face a situações de emergência ou tão graves como de calamidade pública". E também na Lei de Bases de Saúde (n.º 95/2019), sobre direitos e deveres na proteção da saúde.
Os casos de isolamento registados em Portugal foram voluntários - 18 cidadãos nacionais e duas cidadãs brasileiras vindos de Wuhan, foco do surto na China, estiveram isolados durante 14 dias em instalações hospitalares, mas nenhum estava infetado com o vírus.
Até agora, era conhecido apenas o caso de um português infetado com coronavírus, que esteve internado no Japão e que, entretanto, teve alta hospitalar depois das segundas análises terem sido negativas para a presença de covid-19. Trata-se de Adriano Maranhão, de 41 anos, da Nazaré, que trabalhava como canalizador no Diamond Princess, o navio de cruzeiro isolado no porto de Yokohama e um dos maiores surtos mundiais de covid-19 depois da China. Posteriormente foi revelado que outro português, tripulante do navio, também foi internado com indícios de estar afetado com o covid-19.
Adriano Maranhão foi internado no Fujita University Health Hospital, um estabelecimento de saúde privado recém-construído e cuja inauguração estava prevista para abril.
A DGS sublinha que não há restrições para quem regresse de área com transmissão comunitária ativa do novo coronavírus como o Norte de Itália, China, Coreia do Sul, Singapura, Japão ou Irão, mas aconselha que, durante 14 dias, essas pessoas estejam atentas ao aparecimento de febre, tosse ou dificuldade respiratória, devendo medir a temperatura corporal duas vezes por dia e registar os valores.
A diretora-geral da Saúde tem pedido ainda, durante os vários pontos de situação que vai fazendo, que os portugueses se contenham mais nos afetos. "Não é preciso beijarmo-nos todos os dias, a toda a hora", disse Graça Freitas.
Por outro lado, reforça os conselhos relativos à prevenção: evitar contacto próximo com pessoas com sinais de infeção respiratória aguda, lavar frequentemente as mãos, evitar contacto com animais, tapar o nariz e a boca quando espirra ou tosse e lavar as mãos de seguida pelo menos durante 20 segundos.
Em, caso de apresentar sintomas coincidentes com os do vírus (febre, tosse, dificuldade respiratória), a DGS pede que não se desloque às urgências ligue para a Linha de Saúde 24 (808 24 24 24).
Quanto às pessoas que rodearam nos últimos dias os cidadãos infetados, estas deverão mantidas em vigilância ativa, sendo monitorizadas por profissionais de saúde preparados para detetar os sintomas do vírus da China, e se houver qualquer desconfiança serão sujeitas a análises. As pessoas infetadas podem transmitir a doença durante o período de incubação, que varia entre um dia e duas semanas, sem que o vírus seja detetado.
Não há nenhum medicamento específico, nem vacina, para atacar esta epidemia, por enquanto. Os doentes infetados pelo novo coronavírus estão a ser tratados com fármacos testados para outras pneumonias e permanecem em isolamento, de forma a evitar o contágio de terceiros.
Contudo, a China está a realizar ensaios clínicos com medicamentos já aprovados para outras infeções virais, como as causadas pelo ébola ou pelo VIH, para se perceber se poderão ser eficazes contra o novo coronavírus. Os resultados preliminares desses ensaios deverão ser conhecidos dentro de poucas semanas, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os hospitais Curry Cabral, Dona Estefânia, Santa Maria e São José (Lisboa), S. João e Santo António (Porto) e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (incluindo o hospital pediátrico) são as unidades de saúde de referência para o coronavírus. Estão ainda preparadas ambulância do INEM para transportar casos suspeitos em Coimbra e em Faro. No entanto, as entidades de saúde têm traçado um segundo plano de ação caso haja uma escalada da epidemia. Há uma linha de 15 a 20 hospitais prontos do ponto de vista laboratorial para receber estes doentes, de norte a sul do país, nos Açores e na Madeira.
Em 2009, quando a Gripe A (o último surto epidémico) causou alarme existiam oito hospitais/ laboratórios de prevenção, preparados para dar resposta a casos de infeção. Hoje, a rede cresceu, está mais preparada e já conta com vinte instituições associadas, garantiu o presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Fernando Almeida, durante um dos pontos de situação da DGS sobre o vírus.
A Direção-Geral da Saúde está em articulação permanente com instituições nacionais e internacionais para adoção de medidas a nível nacional e em consonância com as recomendações que forem sendo emitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).
O número de infetados por coronavírus já fez 3 048 vítimas mortais, ultrapassando assim as mortes por SARS, uma síndrome respiratória aguda grave, que assolou o mundo em 2002 e 2003. Além do território continental da China e das regiões chinesas de Macau e Hong Kong, há outros casos de infeção confirmados em mais de 60 países.
A pneumonia emergiu na cidade chinesa de Wuhan no final do ano passado e foi provocada por um novo coronavírus, anteriormente desconhecido da ciência. Sobre a origem do vírus, batizado assim porque a sua forma que faz lembrar uma coroa, também não há certezas. Sabe-se apenas que o surto emergiu a partir de um mercado de venda de peixe fresco, marisco e outros animais vivos, incluindo espécies selvagens, como morcegos e cobras.