Na Cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, em Pequim, mais de uma vintena de líderes de potências mundiais se juntaram aos hospedeiros chineses como que para desafiar uma ordem mundial essencialmente construída e mantida pelo e para o Ocidente. Além dos três protagonistas – China, Índia e Rússia – estavam também o Paquistão, a Coreia do Norte e o Irão, numa mistura de poderes emergentes e “eixo do mal”. Os participantes aproveitaram a reunião para comemorar o 80.º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, que acabou na Ásia com a rendição solene e formal do Japão, em 2 de Setembro de 1945, depois das bombas nucleares sobre Hiroxima e Nagasaki. A rendição (aos americanos) foi a bordo do USS Missouri, na baía de Tóquio. Ao modo bem oriental, 40 mil homens e material de guerra desfilaram pela… Avenida da Paz Perpétua. Xi Jinping, falando com um grande retrato de Mao Tsé-Tung em fundo e depois desfilando com um traje à Mao, evocou os sacrifícios da China e dos chineses na Segunda Grande Guerra, invadidos e maltratados pelos japoneses.O desfile procurou fazer a convergência de força militar, inovação tecnológica e devoção nacionalista e partidária, e Xi aproveitou a presença de Putin para realçar as íntimas relações de cooperação dos dois países na sequência da sua luta comum contra o Eixo na Segunda Guerra Mundial.Convém lembrar que, durante a Segunda Guerra Mundial, a China suspendeu a guerra civil em curso, entre o governo do Kuomintang de Chiang Kai-shek e os comunistas de Mao Tsé-Tung, para combater o Japão. Após o incidente da ponte Marco Polo, em 7 de Julho de 1937, que marca o início da segunda guerra sino-japonesa, houve participação dos comunistas na luta contra os invasores. A guerra civil recomeçou em 1946 e, no fim de 1949, Chiang Kai-shek, com dois milhões de partidários, partiu para Taiwan.Depois do grande desastre económico e humano do “Grande Salto em frente” e dos horrores da Revolução Cultural maoista, as reformas de Deng Xiaoping, sempre dentro do autoritarismo de um partido único ou hegemónico, permitiram as grandes mudanças que tornaram a China próspera e com classe média, no quadro de um capitalismo de direcção central.Ver Modi, Putin e Xi em fraterna confraternização causou algum mal-estar a Donald Trump, que tem a China por “inimigo principal”; por isso lembrou o contributo da América, em sangue e recursos, para a queda do Japão Imperial; depois, muito ao seu modo provocador, mandou através de Xi “os mais sinceros cumprimentos para Vladimir Putin e Kim Jong-il, (o líder norte-coeano), unidos em conspiração contra os Estados Unidos”.O que é mais interessante é que a China e a Rússia-União Soviética, os grandes Estados comunistas do século XX, os campeões do internacionalismo marxista-leninista, abandonaram internamente o socialismo e externamente o internacionalismo. Parece que, depois da vitória de Trump, as grandes potências mundiais passaram todas a ser nacionalistas.Conseguirão estes “grandes” defender e acertar os seus interesses nacionais, de modo a evitar a guerra e a poupar o mundo à guerra? Dado o realismo da razão e das razões de Estado, pode esperar-se que sim. Mas não vai ser fácil. Politólogo e escritorO autor escreve de acordo com a antiga ortografia