Um “Plano de Prevenção de Riscos do Governo” inserido “na agenda anti-corrupção” e “abrangendo a organização e atividade do Governo”, “contendo mecanismos que permitem reduzir os riscos de ocorrência de conflitos de interesse e que promovem a transparência relativamente aos membros do Governo e aos membros dos gabinetes”; um plano tão importante e único que, segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 13 de fevereiro, o qual anuncia a respetiva aprovação, “coloca Portugal como um dos primeiros países a nível europeu a aprovar um plano com estas características.” Seria sempre um documento importante; tendo em conta a eclosão, a 15 de fevereiro, do caso Spinumviva (a "empresa familiar" do primeiro-ministro), e do surgir de dúvidas sobre a conduta ética de Luís Montenegro, incluindo acusações de conflitos de interesses e violação da exclusividade (dúvidas e acusações que levaram à queda do Governo), passou a sê-lo muito mais. No entanto, nunca foi até esta data, mais de três meses depois, publicado. .“O Ministério Público deve colocar uma ação para destituição de Montenegro” .“Plano de prevenção de riscos de corrupção" do governo ficou na gaveta . É a esse plano que o DN requer, através de ação entrada na última semana nos tribunais administrativos, acesso, no âmbito da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos).A ação foi decidida depois de o Governo ter sistematicamente, desde 6 de março — quando o DN o requereu pela primeira vez, invocando a LADA — recusado o acesso do jornal a esse documento que, de acordo com o referido comunicado do Conselho de Ministros, visa “promover a transparência” mas, explicou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, ao Expresso, é “um documento de eficácia interna”.Três pedidos, três recusasForam três as vezes — a 6 de março, 3 e 11 de abril — que o DN requereu formalmente acesso ao dito plano. Sem responder formalmente ao primeiro pedido de acesso do jornal — e assim incumprindo a LADA, que impõe uma resposta formal no prazo de 10 dias — o Governo, através do gabinete do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, alegou, num contacto com a direção do jornal, que o plano iria ser publicado no Diário da República e que esse era “o meio legal e idóneo para publicação”. A 3 de abril, como o plano não fosse publicado, o DN voltou a requerer acesso, mais uma vez invocando a LADA; mais uma vez o gabinete do ministro não respondeu formalmente a esta solicitação (nem informalmente). O DN publicou, a 9 de abril, uma notícia sobre as duas recusas e a não divulgação do plano — "Plano de prevenção de riscos de corrupção do governo ficou na gaveta”.Finalmente, a 11 de abril, o jornal enviou cartas registadas com aviso de receção para o ministro da Presidência e para o seu assessor de Imprensa Tiago Varzim, mais uma vez requerendo acesso ao plano e invocando a LADA. Desta vez o Governo cumpriu a formalidade legal, respondendo, a 29 de abril — ou seja, no último dia do prazo previsto na LADA e às 20H42 — em carta assinada por Leitão Amaro, alegando que o Plano de Prevenção de Riscos do Governo “não se enquadra na atividade administrativa do Governo”, “correspondendo, antes, a uma decisão política de organização interna do Governo”.“Não é documento administrativo”, diz ministroCom esta resposta o ministro pretendeu demonstrar que o dito plano se enquadra numa das exceções previstas na LADA — a que refere não serem documentos administrativos “os documentos cuja elaboração não releve de atividade administrativa, designadamente aqueles referentes à reunião do Conselho de Ministros ou à reunião dos secretários de Estado, bem como à sua preparação” — e assim justificar a recusa de acesso.A LADA define “documento administrativo” como “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome de órgãos ou de entidades referidas no artigo seguinte [o qual refere “órgãos de soberania e os órgão do Estado”], seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a (…) procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos.”A mesma lei determina também que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.” Na sua missiva para o DN, Leitão Amaro, integrando um Governo em gestão e à beira de uma campanha eleitoral, afirma ser “intenção do governo publicar, em breve, o diploma em Diário da República.”Entre a receção da carta registada do DN e esta resposta, Leitão Amaro dissera ao Expresso, de acordo com notícia deste semanário de 17 de abril, que o dito plano “está aprovado e em aplicação” mas é “um documento de eficácia interna”, pelo que a respetiva publicação é “um extra” — publicação essa que, garantiu, iria ocorrer (quando, como e onde não precisou).Ação do DN coincide com decisão do Tribunal Geral da UE a favor do NYTPor coincidência, na semana em que o DN avançou com um “procedimento de intimação para acesso e consulta de documento administrativo” contra o ministério da Presidência, o Tribunal Geral da União Europeia obrigou a Comissão Europeia a dar ao New York Times (NYT) acesso às mensagens de texto trocadas pela presidente da Comissão, Ursula Von Der Leyen, com o CEO da multinacional farmacêutica Pfizer, Albert Bourla, quando decorria a negociação da compra de vacinas contra a covid-19. O Tribunal considera que as mensagens são documentos oficiais da UE, pelo que podem ser consultadas.Na decisão, que foi conhecida na passada quarta-feira e saudada pelo diário norte-americano como “uma vitória para a transparência”, o tribunal delibera que a Comissão “não forneceu uma explicação plausível para justificar a falta de posse dos documentos pedidos”, pelo que a obriga a fornecer acesso, ao abrigo do regulamento relativo ao acesso público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.Na primeira linha da notícia do NYT sobre a decisão judicial lê-se: "Num caso que pode ajudar a definir as regras de transparência na era digital, um tribunal disse que a União Europeia não devia ter recusado o pedido de acesso de uma jornalista às mensagens de texto trocadas enquanto uma alta funcionária negociava a compra de vacinas para o coronavírus." A questão em causa no processo intentado pelo NYT em 2023 foi se as aquelas mensagens estavam abrangidas pelas leis de transparência da UE.Independentemente de qual seja o Executivo em funções em Portugal no momento da decisão final dos tribunais, caso o DN ganhe a causa intentada contra o ministério da Presidência este será obrigado a dar acesso ao documento.