Assembleia da OMS. UE lidera terceira via entre China e EUA

Resolução proposta por Bruxelas e outros países apela para vacina acessível a todos e a uma avaliação à resposta internacional face à pandemia. EUA apontam o dedo ao falhanço da OMS.
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Há sempre uma primeira vez e é na primeira assembleia geral virtual da Organização Mundial de Saúde (OMS) que uma proposta de resolução apoiada, entre outros, pela UE, Rússia, Reino Unido, Austrália ou Moçambique, tenta obter o consenso dos 194 estados-membros. No documento, os países defendem o papel da OMS e exigem que uma futura vacina contra o coronavírus seja um "bem público".

A par da Organização Mundial do Comércio, a instituição sedeada em Genebra é outro palco para a administração Trump usar na sua guerra de influência com a China. No primeiro dia da reunião anual da OMS, o secretário da Saúde dos Estados Unidos, Alex Azar, disse que o desempenho face à pandemia de covid-19 pautou-se por um "fracasso".

"Sejamos francos sobre uma das principais razões pelas quais a epidemia escapou ao nosso controlo: esta organização falhou em obter as informações de que o mundo precisava e o seu fracasso custou muitas vidas", disse.

Azar, como a restante equipa de Trump, incluindo o presidente, são acusados pela oposição democrata de terem agido muito tardiamente e com decisões contraditórias.

Em meados de março o presidente recusou assumir quaisquer responsabilidades pelo atraso na produção e distribuição dos testes de covid-19, um princípio que tem sido seguido, ora acusando os governadores ou os mayors dos estados mais atingidos, ora a China, ora a OMS.

Os Estados Unidos são o país mais afetado em número de mortes e casos, com mais de 91 mil vítimas e mais de um milhão e meio de casos. Oficialmente é seguido em número de óbitos pelo Reino Unido (quase 35 mil), Itália, França e Espanha. A Rússia é o segundo país com mais casos (mais de 290 mil).

Nas últimas horas Alex Azar também se lamentou pela composição da população norte-americana. "Infelizmente é muito diversificada, é uma população com comorbidades significativas", em especial entre indivíduos "afro-americanos e minorias", apontou em entrevista à CNN.

Ainda no discurso à OMS, Azar reiterou o apoio à iniciativa da Austrália para uma investigação independente sobre o início da epidemia. "O funcionamento da OMS deve ser transparente e apoiamos um exame independente sobre cada aspeto na forma de responder à pandemia."

Washington acusa Pequim de ter ocultado a amplitude da epidemia, sobre a origem do surto, ao dizer que o vírus saiu do laboratório de virologia de Wuhan, e também acusa a China de tentar piratear uma investigação dos EUA sobre uma vacina.

Além disso, Washington aponta o dedo à OMS por estar alinhada com a posição chinesa. Os Estados Unidos são o país que mais contribui para o orçamento da OMS, e Trump anunciou a suspensão da contribuição financeira para a OMS, embora já tenha sinalizado que pode voltar atrás na decisão.

Taipé de fora

Por fim, os EUA censuram a OMS por terem ignorado os avisos de Taiwan sobre a gravidade do coronavírus que surgiu na China no final do ano, algo que a agência da ONU nega.

"Numa aparente tentativa de encobrir a epidemia, pelo menos um membro [da OMS] falhou nas suas obrigações de transparência, e isso custou muito ao mundo", disse Azar, sem mencionar a China.

Os Estados Unidos, com o apoio de alguns países, pediram à OMS para convidar Taiwan a juntar-se ao organismo, apesar da oposição de Pequim.

O secretário de Estado Mike Pompeo disse que Ghebreyesus "tinha todos os poderes legais e precedentes para incluir Taiwan no encontro. No entanto, decidiu não convidar Taiwan por pressão da República Popular da China", disse Pompeo em comunicado.

Taipé perdeu o estatuto de observador na OMS em 2016, ano em que a presidente Tsai Ing-wen, nacionalista que não aceita o princípio de "uma China", chegou ao poder.

Rivalidade também na ajuda

Foi neste ambiente que o presidente chinês garantiu que uma eventual vacina Made in China se tornará num "bem público mundial" e comprometeu-se em canalizar 2 mil milhões de dólares, em dois anos, à luta global contra o coronavírus.

Pequim tem incentivado quer institutos públicos quer empresas privadas para darem prioridade às investigações, o que terá dado frutos. Na na sexta-feira, a China anunciou que cinco vacinas começaram a ser testadas em seres humanos. E se alguma destas se confirmar como uma vacina, tornar-se-á num "bem público global", acessível e disponível nos países em desenvolvimento, prometeu Xi Jinping.

O líder chinês também disse que o seu país vai contribuir com 1,8 mil milhões de euros para enfrentar a pandemia ao nível global, em especial nos países em desenvolvimento.

Em complemento, informou que a China irá "acionar a iniciativa de alívio da dívida para os países mais pobres" junto do G20.

Se a China promete 2 mil milhões, os EUA sobem a parada para 9 mil milhões. "Orgulhamo-nos de atribuir mais de 9 mil milhões de dólares que irão beneficiar a resposta global ao covid-19, incluindo mais de 500 milhões de dólares em investimentos planeados pelo meu ministério para apoiar mais de 40 dos países de maior risco", disse Azar, sem entrar em pormenores.

Xi Jinping, que propôs tornar o seu país, em colaboração com a ONU, numa "plataforma logística e num armazém" humanitário de emergência, assegurou que o seu país mostrou "transparência" e "responsabilidade" sobre a pandemia, tendo partilhado informações com a OMS e outros países em tempo útil.

E mostrou-se favorável a uma "avaliação completa" e "imparcial", realizada pela OMS, da resposta global ao novo coronavírus, assim que a epidemia estiver sob controlo -- o que não é o mesmo que uma investigação à origem do vírus e da epidemia.

Resolução com apoio generalizado

Promovida pela União Europeia, mas apoiada por um grupo crescente de países, que inclui os estados africanos, a Rússia, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, ou o Brasil, a resolução de sete páginas cheia de considerandos termina com um apelo a uma investigação "global, imparcial e independente" sobre a resposta internacional da OMS.

A resolução pede à OMS para "colaborar estreitamente com a Organização Mundial de Saúde Animal, a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas e os países (...) com o objetivo de identificar a fonte zoonótica do vírus e determinar por que via foi introduzido na população humana, (...) em particular por meio de missões científicas e de colaboração de campo".

A resolução, que realça o papel da OMS, apela também a um "acesso universal, rápido e equitativo a todos os produtos necessários para a resposta à pandemia".

Sobre a ideia de uma investigação, o etíope Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, declarou que vai avançar "o mais rápido possível, no momento apropriado, para avaliar as experiências e lições aprendidas e fazer recomendações para melhorar a preparação e resposta nacional e global à pandemia".

Segundo a NBC, 116 países em 194 declararam-se favoráveis à resolução. Se esta for adotada, "será um resultado importante porque a OMS será o primeiro fórum mundial a concordar unanimemente sobre um texto", disse uma fonte diplomática europeia à AFP. "Nenhum assunto foi evitado" na resolução, como "a reforma da OMS e, em particular, de suas capacidades que se mostraram insuficientes para evitar uma crise dessa magnitude", garantiu o diplomata.

A grande incógnita é se os Estados Unidos e a China vão apoiar a resolução; os primeiros porque que não exige uma investigação imediata sobre a origem do vírus; o segundo porque deseja que seja a OMS a realizar o estudo.

Segundo a NPR, Washington também não estará inclinado para aceitar a resolução devido ao apelo para uma vacina acessível a todos. "A Casa Branca está a promover aquilo a que chamam Operação Velocidade Warp, que diz explicitamente que é um Projeto Manhattan para desenvolver uma vacina para o povo norte-americano".

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