Pequim é palco nesta quarta-feira de uma enorme manifestação de força do regime comunista durante a parada militar que comemora a capitulação oficial do Japão na II Guerra Mundial. Em paralelo, o seu líder Xi Jinping deve ser o anfitrião de uma inaudita reunião com Kim Jong-un e Vladimir Putin. Na véspera, os líderes da China e da Rússia trocaram mensagens de aprofundamento bilateral e assinaram acordos para Moscovo vender mais energia, e o russo voltou à casa de partida no que respeita ao fim da guerra na Ucrânia, ao optar por um tom aparentemente mais conciliatório. Após passar as tropas em revista, e tendo à sua direita Putin, Xi vai presidir à cerimónia militar do 80.º aniversário do que Pequim denomina de vitória na “Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e na Guerra Antifascista Mundial”, na praça Tiananmen. Segundo a televisão estatal CCTV, que partilhou as mais recentes novidades sobre a parada militar, esta tem uma duração de 70 minutos e envolve 45 formações, ao som de uma banda militar composta por mil elementos. No total, segundo a Wired, participam na maior parada militar de sempre na China mais de 10 mil militares e veteranos, mais de 100 aviões e centenas de veículos. “As colunas de armamento estão organizadas em grupos de combate com base em cenários de combate reais, incluindo combate terrestre, combate marítimo, defesa aérea e antimísseis, guerra de informação, combate não tripulado, apoio logístico e grupos de ataque estratégico. Muitos deles apresentam equipamentos de ponta que representam a evolução da guerra moderna, incluindo alguns ativos nacionais críticos, demonstrando plenamente as formidáveis capacidades do Exército Popular de Libertação para triunfar em conflitos modernos”, debita a CCTV, citada pelo Global Times, a versão em inglês do Diário do Povo, o jornal do Comité Central do PC. “Os escalões aéreos, organizados de forma modular e sistemática, serão compostos por aeronaves avançadas de alerta antecipado e comando (AWACS), caças, bombardeiros, aviões de transporte e muito mais, cobrindo quase todos os tipos de aeronaves de combate ativas do Exército Popular de Libertação (EPL). Muitas são equipamentos de topo, alguns dos quais em estreia pública, mostrando plenamente o desenvolvimento acelerado das capacidades de combate aéreo do EPL”, prossegue. . Numa penada, e depois de ter protagonizado a cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, Xi Jinping apresenta-se como o líder de um bloco antiocidental e o regime a que preside como vitorioso face ao Japão, cujas tropas haviam invadido a Manchúria em 1931 e o resto do país em 1937. A interpretação que o Partido Comunista faz do seu papel na vitória perante as tropas nipónicas é refutada pelo governo de Taiwan. Segundo este, a maior parte do esforço de guerra foi realizado pelas tropas da República da China, cujo governo, ante a revolução comunista, se refugiou em 1949 na ilha Formosa e mantém aquele nome. Além disso, Taipé critica o dispêndio de dinheiro nas comemorações, que equivale a 2% do total do orçamento da Defesa de Pequim. “Eles estão dispostos a gastar mais de 150 mil milhões de dólares taiwaneses (4,2 mil milhões de euros) para realizar um exercício militar, enquanto negligenciam as questões económicas, laborais e sociais internas da China”, criticou o vice-ministro Shen Yu-chung. “Pergunto-me o que o povo chinês pensa sobre esta situação.” O que o povo chinês pensa desconhece-se, mas o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros já havia respondido a anteriores comentários oriundos do outro lado do estreito da Formosa sobre a reescrita da História. “Trata-se de uma grave blasfémia contra todos os mártires e heróis leais e uma traição descarada a toda a nação chinesa”, disse Zhu Fenglian.Trilateral inéditaIndiferentes a esta controvérsia estão os 24 chefes de Estado ou de governo presentes nos lugares de honra do desfile. Entre estes, destaque para a presença de Kim Jong-un, na segunda visita ao exterior desde a pandemia, e de Vladimir Putin, que culmina uma visita de quatro dias acompanhado de uma delegação de políticos e empresários. Tudo indica que estes dois, aproximados pelos interesses económicos e militares na sequência da guerra na Ucrânia, irão reunir-se com o homem que os convidou. Há duas semanas, depois da cimeira de Donald Trump com Putin, o norte-americano desafiou o russo a realizar um encontro bilateral com o ucraniano Volodymyr Zelensky e, posteriormente, a um trilateral com a sua presença. A resposta está nesta inédita reunião a três, cujos países se apresentam para Moscovo como a tábua de salvação do regime, recorrendo a homens, munições e armas aos norte-coreanos, e a tecnologia, financiamento através da venda de petróleo e gás, e apoio diplomático aos chineses. Para a China, por seu turno, Na terça-feira, Xi e Putin elevaram a parceria estratégica “sem limites” a um novo patamar. Putin agradeceu a Xi pela calorosa receção, chamou-o de “querido amigo” e disse que as relações entre a Rússia e a China estão num “nível sem precedentes”, sem esquecer a “irmandade de armas” sino-soviético durante a II Guerra Mundial (mas esquecendo a guerra fronteiriça entre os dois países e a rutura que daí adveio). Ao que o líder chinês chamou Putin de “velho amigo” e disse que o seu país está pronta para cooperar com a Rússia para o desenvolvimento, apoio à justiça internacional e para a criação de um “sistema de governação global justo e razoável”. Em paralelo, Pequim anunciou que irá testar a isenção de visto para cidadãos russos a partir de dia 15 e durante um ano. Mais importante, segundo o Kremlin foram assinados 22 acordos, incluindo entre as petrolíferas Gazprom e a CNPC, bem como para a construção do novo gasoduto Força da Sibéria 2, que passará pela Mongólia. Apesar de a este memorando faltarem acordos separados sobre preços e outros pormenores, Moscovo encontrou uma forma adicional de exportar os hidrocarbonetos e Pequim mostrou não se importar com as sanções ocidentais à Rússia. “Um grande ponto de viragem na geopolítica da energia”, comentou Michal Meidan, diretor do China Energy Research no Oxford Institute for Energy Studies, citado pela Reuters.Recados à EuropaA energia foi também um tema abordado numa reunião entre Putin e o primeiro-ministro eslovaco, em Pequim. “Cortem o fornecimento de gás na direção oposta, bloqueiem o fornecimento de energia e então eles compreenderão imediatamente que há limites para o seu comportamento no que diz respeito à violação dos interesses dos outros”, sugeriu o russo a Robert Fico. As forças de Kiev atacaram há dias o oleoduto de Druzhba, o qual alimenta a Hungria e a Eslováquia com petróleo russo. Ao eslovaco, Putin alegou nunca ter sido contrário à adesão da Ucrânia à UE e disse existirem “opções para garantir a segurança da Ucrânia no caso de um fim do conflito. “E parece-me que há uma oportunidade para chegar a um consenso”, afirmou. Além disso, garantiu que o seu país não pretende atacar outros. “Qualquer pessoa sensata percebe que a Rússia nunca teve, não tem e não terá o desejo de atacar ninguém”, afirmou.