Estudantes universitários, acompanhados por apoiantes, iniciaram na quinta-feira, 30 de outubro, a sua marcha em Belgrado, tendo como destino Novi Sad.
Estudantes universitários, acompanhados por apoiantes, iniciaram na quinta-feira, 30 de outubro, a sua marcha em Belgrado, tendo como destino Novi Sad.ANDREJ CUKIC / EPA

Um ano após a tragédia de Novi Sad, estudantes sérvios continuam a protestar

Milhares de pessoas iniciaram uma marcha por todo o país que culminará este sábado, 1 de novembro, numa grande manifestação em Novi Sad.
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A 1 de novembro de 2024, a cobertura de uma estação ferroviária recentemente reconstruída na cidade sérvia de Novi Sad colapsou, matando 16 pessoas. As suspeitas de que esta tragédia foi causada pela corrupção desencadeou um movimento de protesto em toda a Sérvia liderado por estudantes e que tem vindo a abalar o domínio do presidente populista Aleksandar Vucic, com os manifestantes a exigirem eleições antecipadas e o afastamento de Vucic e do seu Partido Progressista Sérvio do poder. 

Para marcar a data, milhares de pessoas iniciaram uma marcha por todo o país que culminará este sábado, 1 de novembro, numa grande manifestação em Novi Sad, no norte do país. “A principal razão pela qual decidimos fazer a caminhada são as 16 vítimas e o facto de, mesmo passado um ano, ninguém ter sido responsabilizado pelas suas mortes”, disse a estudante Emina Spahic à Al Jazeera.

As autoridades sérvias têm vindo a acusar os estudantes de estarem a preparar para este sábado uma manifestação violenta, garantindo que darão uma “resposta de Estado”. Os estudantes, por seu turno, garantem que a violência não é a sua forma de protesto. 

“Este movimento de protesto resistiu ao teste do tempo. Na esperança de sobreviver ao descontentamento público, o governo contava inicialmente com o cansaço, mas recorreu à força com o passar do tempo. As intervenções da polícia e de multidões de apoiantes do partido no poder nos protestos duplicaram desde junho, acompanhadas por um aumento das denúncias de maus-tratos policiais por parte dos detidos durante os protestos. Ao não atender às exigências dos manifestantes e recorrer à violência, as ações das autoridades e dos seus apoiantes podem, na verdade, ter galvanizado o movimento”, refere Magda Anastasijevic, investigadora para a Europa de Leste da organização sem fins lucrativos norte-americana Dados sobre a Localização e Eventos de Conflitos Armados (ACLED). 

De acordo com esta organização sem fins lucrativos norte-americana, foram registadas mais de 2.400 manifestações desde a tragédia até 24 de outubro, com um ponto alto a 15 de março, quando mais de 350.000 pessoas se reuniram em Belgrado para a maior manifestação da história da Sérvia pós-Jugoslávia. “Embora a Sérvia tenha assistido a múltiplas vagas de protestos contra as ações governamentais e a corrupção percebida, este último movimento supera em muito todas as vagas anteriores de descontentamento desde 2019, quando o movimento antigovernamental '1 em 5 milhões', o maior até então, ocorreu em todo o país”, nota uma análise da ACLED. 

Nos últimos meses, os manifestantes têm enfrentado uma resposta policial cada vez mais violenta, sendo que só no último mês, cerca de 1000 pessoas foram detidas. Em setembro, por exemplo, numa manifestação LGBTQIA+, a polícia usou gás lacrimogéneo e granadas de efeito moral, levando os estudantes a acusarem as autoridades de lançarem "ataques brutais contra os seus próprios cidadãos". 

“À medida que se aproxima o primeiro aniversário do colapso, ambos os lados enfrentam desafios críticos. O governo luta para resolver a crise e retomar o controlo, enquanto os grupos de protesto, que agora não incluem partidos da oposição, mas apenas grupos auto-organizados de estudantes e cidadãos, trabalham para se estabelecerem como actores políticos credíveis. Apesar do ímpeto contínuo, as eleições antecipadas exigidas pelos manifestantes permanecem indefinidas”, nota a mesma especialista da ACLED. 

Eurodeputados pedem investigações e eleições livres

Uma comissão independente de professores, juízes e peritos técnicos sérvios apresentou os resultados da sua investigação informal ao Parlamento Europeu na semana passada, afirmando que “existe um elevado grau de corrupção que atinge o topo do Estado”, conforme explicou a juíza jubilada do Supremo Tribunal, Radmila Dicic Dragicevic. “A corrupção levou à redução dos padrões de construção e à contratação de subempreiteiros não qualificados”. 

Aleksandar Vucic e a presidente do parlamento e ex-primeira-ministra, Ana Brnabic, apresentam uma versão diferente, tendo  dito recentemente que o colapso do telhado da estação ferroviária de Novi Sad poderia ter sido um ato terrorista, o que enfureceu os críticos do governo.

Em setembro, um procurador de Novi Sad indiciou o ex-ministro da Construção, Infraestruturas e Transportes, Goran Vesic, e outras 12 pessoas por acusações de colocar em perigo a segurança pública, incluindo "obras de construção irregulares e impróprias". No entanto, estas acusações têm ainda de ser confirmadas pelo tribunal, o que impede a realização do julgamento. Paralelamente, um procurador especial para o crime organizado está a conduzir uma investigação, mas ainda não foram divulgados quaisquer detalhes.

Impasses que levaram, na semana passada, o Parlamento Europeu a adotar uma resolução na qual condena a polarização política e a repressão estatal em curso na Sérvia, um ano após a tragédia de Novi Sad, com os eurodeputados a exigirem processos judiciais abrangentes e transparentes para levar à justiça os responsáveis pelo colapso da cobertura ferroviária, mas também “investigações urgentes e imparciais sobre os alegados abusos contra os manifestantes”. A resolução foi aprovada com 457 votos a favor, 103 contra e 72 abstenções. 

O documento dá ainda o seu apoio ao direito dos estudantes e dos cidadãos sérvios ao protesto pacífico, notando que “a coragem cívica, o compromisso com a não-violência e o envolvimento da juventude são importantes, afirmam os eurodeputados, para o avanço das perspetivas de adesão da Sérvia à UE”, exigindo responsabilização e reformas democráticas no país. De recordar que os estudantes sérvios foram finalistas da edição deste ano do Prémio Sakharov, que tem como objetivo distinguir indivíduos ou organizações de todo o mundo que se insurjam contra a repressão para defender a democracia e os direitos humanos. 

Os eleitos do Parlamento Europeu condenam também “detenções e expulsões ilegais de cidadãos da UE que fizeram declarações de apoio aos estudantes que protestavam”, bem como “os ataques verbais de altos funcionários sérvios contra os eurodeputados na sequência do seu envolvimento nos protestos e rejeita as alegações infundadas das autoridades sérvias que acusam a UE de orquestrar os protestos”.

Por fim, sublinhando que as eleições anteriores sérvias decorreram em condições injustas, marcadas pela pressão sobre os eleitores e pela compra de votos, o Parlamento Europeu pede que sejam feitas auditorias independentes aos registos eleitorais e igualdade de acesso aos meios de comunicação social para todos os intervenientes políticos, de forma a garantir eleições livres e justas no país.

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