“Sinalizei aos meus colegas que precisamos de ter uma discussão séria na próxima reunião do Conselho Europeu sobre a situação na nossa vizinhança, dados os recentes desenvolvimentos na Bósnia-Herzegovina e na Sérvia, o que foi aceite”, anunciou o primeiro-ministro da Croácia, Andrej Plenkovic, após a reunião de março dos líderes dos 27, sublinhando que “é tempo de alguma atenção se concentrar também numa região que se tem mostrado muito volátil nos últimos 35 anos”. Plenkovic estava a referir-se à mais grave crise política na Bósnia desde 2001, causada pelas medidas separatistas de Milorad Dodik, e aos meses de protestos anti-governamentais na Sérvia, liderada pelo presidente Aleksandar Vucic, que levaram à demissão do primeiro-ministro. Uma preocupação partilhada por Adnan Cerimagic, analista sénior para os Balcãs Ocidentais do think tank European Stability Initiative (ESI). “Ambos os países merecem a atenção da União Europeia. São fundamentais para a estabilidade da região, que está rodeada de membros da UE e da NATO. A Bósnia-Herzegovina enfrenta a mais grave crise política e constitucional das últimas duas décadas, com importantes elementos de segurança. A Sérvia está a assistir ao seu maior movimento de protesto desde 2000. E ambos os acontecimentos desafiam a credibilidade e a influência da UE na região.”A atual vaga de protestos na Sérvia liderada por estudantes começou com um incidente na estação ferroviária de Novi Sad a 1 de novembro de 2024 que matou 15 pessoas, tendo-se transformado no maior movimento de contestação desde a queda do antigo presidente Slodoban Milosevic em 2000. “Os protestos foram desencadeados por um incidente mortal, mas refletem anos de frustração com a impunidade, a captura dos meios de comunicação social e a corrupção. Os estudantes exigem Estado de direito, responsabilização e governação justa, não slogans, mas reformas tangíveis”, refere ao DN Adnan Cerimagic. “Os estudantes não pediram a demissão do primeiro-ministro nem do presidente. Querem que os seus pedidos sejam implementados. Foi a recusa de Vucic em responder com seriedade que alimentou ainda mais a raiva. Portanto, quanto mais ele atrasar a resposta a estas exigências e a implementação de mudanças significativas relacionadas com reformas eleitorais e dos meios de comunicação social, bem como as instituições que implementam esforços anticorrupção, maior será a probabilidade de os cidadãos estarem nas ruas. Como disse, a demissão não é a exigência atual, mas poderá vir a ser se a repressão aumentar.”Os protestos foram crescendo ao longo do tempo e alargaram-se a toda a sociedade, embora continuem sem ter um líder definido ou filiações políticas. Este crescendo foi acompanhado por um aumento da repressão por parte das autoridades, culminando no passado dia 15, quando cerca de 325 mil pessoas participaram numa manifestação em Belgrado, provavelmente a maior de sempre na capital sérvia. Suspeita-se que as autoridades tenham usado uma arma acústica proibida para dispersar a multidão - segundo jornalistas da AP no local, um som penetrante quebrou o silêncio que se cumpria em honra dos mortos em Novi Sad provocando o pânico -, uma alegação negada pelo presidente Vucic, no poder desde 2017. “A sua independência [dos estudantes], clareza de exigências e persistência pacífica repercutiram-se em toda a sociedade. Os cidadãos sentem que o sistema não os serve, e os estudantes deram-lhes voz. O que começou com o luto transformou-se numa ampla mobilização cívica. Esta é a pressão política mais grave que Vucic enfrentou em mais de uma década.”, nota o mesmo especialista em Balcãs Ocidentais. Na sequência de um ataque a 28 de janeiro por membros do SNS, o seu partido e de Vucic, o primeiro-ministro Milos Vucevic apresentou a demissão, que acabou por ser oficializada a 19 de março pela Assembleia Nacional. Uma demissão que, na opinião de Adnan Cerimagic, não deverá acalmar os protestos, sendo “impossível prever” o que acontecerá se estes se mantiverem e a situação se agravar. “O que já vemos agora é que o risco de aumento da repressão é real. Embora o governo rejeite esta ideia, foram utilizados canhões sonoros ou armas semelhantes contra os manifestantes e foram invadidas organizações da sociedade civil. Uma nova escalada poderá desestabilizar a Sérvia.”Neste momento, Vucic está no processo de consultas sobre o novo governo e deverá apresentar um executivo até dia 18. Caso contrário, a Sérvia teria de realizar umas legislativas antecipadas até meados de junho. Para o especialista em Balcãs Ocidentais ouvido pelo DN o cenário mais provável será mesmo o primeiro, pois as eleições acarretariam riscos como “boicotes da oposição, resultados imprevisíveis e protestos renovados”, enquanto que um novo governo permitirá a Vucic “projetar o controlo e desviar a pressão, mas não resolverá a crise subjacente, a menos que se sigam reformas reais.” .Um país divididoA Bósnia-Herzegovina está a enfrentar a sua maior crise institucional desde 2001, quando o maior partido bósnio-croata se retirou da maioria das instituições nacionais e tentou estabelecer um sistema paralelo ilegal nas zonas de maioria croata. Agora, a ameaça vem da República Srpska, de maioria sérvia, com o seu presidente Milorad Dodik, a fazer avançar uma agenda separatista, ao mesmo tempo que tenta escapar à justiça.A 26 de fevereiro, Dodik foi condenado a um ano de prisão e seis anos de inibição do exercício de cargos públicos por desafiar as decisões do Alto Representante Internacional para a Bósnia-Herzegovina - uma figura criada no Acordo de Paz de Dayton em 1995 e que tem poderes para afastar governantes, impor leis e anular decisões. Há dois anos, o atual titular do cargo, o alemão Christian Schmidt, criminalizou a não implementação das suas decisões, o que está agora a ser testado com Dodik, que diz não reconhecer a validade das decisões judiciais tomadas contra si. Entre as leis separatistas aprovadas pelo Parlamento da República Srpska (RS), entretanto suspensas pelo Constitucional, está uma em que as instituições deste território de maioria sérvia deixam de reconhecer a legitimidade dos tribunais nacionais e das autoridades policiais. Logo depois da sua aprovação, há cerca de um mês, o governo local tentou que a polícia nacional abandonasse as suas instalações na RS, aumentando o risco de confrontos. Milorad Dodik está também a tentar implementar alterações legislativas para que a RS passe a ter a sua própria polícia e agência de inteligência, ao mesmo tempo que prepara uma nova Constituição que, entre outras coisas, permite a sua autodeterminação e uma potencial confederação com a Sérvia, se desliga das instituições da Bósnia, e acaba com os mecanismos de proteção aos não-sérvios residentes (cerca de 20% da população). O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, já se encontrou duas vezes com Dodik desde final de fevereiro, dando um sinal de apoio que já vem de trás. “O objetivo de Dodik é duplo: evitar a responsabilização criminal e institucionalizar a separação da República Srpska das instituições conjuntas do país. Enfrenta dois processos criminais, incluindo um por ataque à ordem constitucional, e está a utilizar todas as ferramentas para se manter no poder e fora da prisão. Isto inclui o enfraquecimento do poder judicial da Bósnia, a reescrita da Constituição da RS e a construção de laços com a Rússia e com intervenientes ligados a Trump nos EUA”, resume o analista da European Stability Initiative. “As suas recentes viagens a Israel e à Rússia refletem uma estratégia para procurar garantias pessoais e políticas no estrangeiro, ao mesmo tempo que impulsionam o seu perigoso projeto separatista a nível interno. Quer desmantelar as instituições do pós-guerra e acredita que as mudanças geopolíticas poderão finalmente tornar isso possível.” Viagens nas últimas duas semanas que levaram um tribunal bósnio a ordenar a emissão de um mandado de captura internacional por desrespeito à ordem de prisão que pende sobre ele. “A melhor opção para o futuro da Bósnia-Herzegovina seria que Dodik enfrentasse as instituições judiciais nacionais, que os processos chegassem ao seu fim e que todos os comportamentos anticonstitucionais fossem revertidos”, aponta ao DN Adnan Cerimagic. “O único cenário realista de escalada de violência que vejo neste momento é se Dodik regressar à Bósnia e, sem enfrentar as autoridades policiais e as instituições judiciais do país, continuar a implementação da sua agenda secessionista. Neste caso, vários serviços responsáveis pela aplicação da lei, bem como a polícia de fronteiras, seriam colocados uns contra os outros e a violência não poderia ser excluída”, prossegue o analista. “A chave para evitar esta situação reside nas instituições estatais fortes, no papel dissuasor da missão militar da UE (EUFOR) e na unidade internacional”, conclui. A 12 de março, foi reforçado o contingente da EUFOR no país a pedido da presidência da Bósnia, com a chegada de mais militares e equipamentos, um dia depois do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, ter estado em Sarajevo e prometido o apoio da Aliança à integridade territorial da Bósnia..Um desafio para BruxelasTratando-se de dois países com aspirações a se tornarem membros da União Europeia tem havido uma preocupação, em tons diferentes, por parte dos seus líderes para terem o apoio de Bruxelas. Nas últimas semanas, o presidente sérvio esteve por duas vezes na capital belga para encontros com a comissária para o Alargamento, Marta Kos, e o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e mais tarde com o presidente do Conselho Europeu, António Costa, e a líder da Comissão, Ursula von der Leyen. “Vucic foi assegurar a Bruxelas que tem tudo sob controlo, mas também para tentar garantir o apoio contínuo da UE, evitando compromissos. Após a reunião, falou sobre o que poderia acontecer em breve no caminho da Sérvia para a UE, mas sobre as reformas foi muito vago. A UE respondeu com a linguagem até agora mais cautelosa, pedindo a Vucic que tomasse medidas concretas e produzisse resultados”, recorda Cerimagic.A primeira visita de Vucic a Bruxelas, a 19 de março, coincidiu também com a passagem do ministro dos Negócios Estrangeiros bósnio, Elmedin Konakovic, pela cidade, tendo-se encontrado com a líder da diplomacia europeia, Kaja Kallas, e recebido da estónia um “apoio completo à soberania e integridade territorial da Bósnia-Herzegovina” e a garantia de que a União Europeia “usará todos os seus mecanismos para proteger a segurança e a ordem constitucional” do país. “A UE deve liderar com clareza e determinação - apoiar as instituições da Bósnia, reagir à agenda ilegal de Dodik e apoiar publicamente os cidadãos da Sérvia que exigem reformas democráticas. Não se trata apenas de crises locais, mas de testes à liderança e aos valores europeus”, remata o analista do ESI. .Milhares de estudantes universitários bloqueiam prédio da televisão pública na Sérvia