Os palestinianos e os israelitas estão no ponto mais alto de desconfiança desde 1948, ano da primeira guerra israelo-árabe?Sim, acredito que sim. Os israelitas ficaram traumatizados. Ficaram chocados com os ataques do Hamas em outubro de 2023 e muitos sentiram-se traídos pelo seu governo. Hoje, o Hamas pode estar muito enfraquecido e os reféns sobreviventes regressam a casa, mas as sondagens mostram que a maioria dos israelitas acredita que “não há inocentes em Gaza” e apoia a expulsão do povo de Gaza. Portanto, sim, há ódio, medo e um elevado nível de desconfiança. Levará tempo para que os israelitas se sintam seguros contra futuros ataques. Do lado palestiniano, muitos sentem que os israelitas tentaram destruí-los. A destruição de Gaza foi avassaladora e a região tornou-se inabitável. Claro que há alívio e alegria pelo fim dos combates, mas há incerteza e medo quanto ao futuro: Israel retirar-se-á? Os israelitas insistirão em manter a segurança? Os palestinianos poderão realizar eleições e autogovernar-se? Muitos palestinianos temem que Israel encontre motivos para romper o cessar-fogo e impedir os palestinianos de governar Gaza. Portanto, há muito medo e desconfiança do lado palestiniano.Os dois Estados, ideia proposta pela ONU em 1947 e retomada nos Acordos de Oslo de 1993, é a solução pragmática para o conflito?A solução de dois Estados é a única opção, mas é pouco provável que seja alcançada num futuro próximo. Uma solução de um Estado é ainda mais improvável, pois significaria o fim de um Estado de maioria judaica, e nem Israel nem os EUA concordarão alguma vez com isso. Como disse, ainda é muito difícil imaginar uma solução de dois Estados. A maioria dos membros do parlamento israelita, votou, há alguns meses, que nunca deveria existir um Estado palestiniano. Além disso, para que um Estado palestiniano seja viável, a maioria dos 800.000 colonos israelitas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental teria de abandonar os colonatos, e é difícil imaginar qualquer governo israelita a concordar com isso. O que consigo imaginar é que Israel, com o apoio dos EUA, concordaria com uma série de cantões amplamente autónomos (como os bantustões na África do Sul do apartheid) nas principais cidades da Cisjordânia - Ramallah, Nablus, Jenin, Hebron etc. - mas este seria um Estado fragmentado, com Israel a controlar a entrada e a saída das cidades. Não seria um Estado independente e soberano. Portanto, dois Estados continuam a ser a solução mais justa, mas não vejo isso a acontecer em breve.O reconhecimento de Israel e o apoio na reconstrução de Gaza pelos países árabes será decisivo para a resolução do conflito?Sim, definitivamente. O Egito, o Qatar e a Turquia (esta última é muçulmana, mas não árabe) desempenharam um papel importante na concretização do cessar-fogo. Pressionaram o Hamas a concordar com os termos do cessar-fogo, persuadindo-o, em privado, a concordar que não participará no futuro governo de Gaza. E o presidente Trump vê estes países como aliados, especialmente o Egito e o Qatar, e deseja manter o seu apoio. No entanto, estes países (e eu acrescentaria a Arábia Saudita) precisarão de se manter focados e pressionar Trump para garantir que Israel cumpre as condições do cessar-fogo, que é apenas o primeiro passo para a construção da paz. Estes Estados árabes precisam de usar toda a sua influência para garantir que os palestinianos têm permissão para assumir o governo de Gaza. Além disso, para uma paz duradoura na Cisjordânia, estes países precisam de convencer os EUA a usar a sua influência para impedir que Israel aterrorize e tome mais terras..Os EUA revelaram-se mais uma vez a grande potência com influência no Médio Oriente? Sim, foram os EUA, liderados por Trump, que tornaram possível o cessar-fogo. Os EUA são o único Estado que Israel ouve. Os EUA fornecem a maior parte das armas de Israel e têm consistentemente fornecido cobertura diplomática a Israel na ONU. Durante muitos anos, os EUA usaram o seu veto no Conselho de Segurança para bloquear resoluções que criticam Israel; bloquearam resoluções que pedem o fim da construção de colonatos na Cisjordânia. E, claro, os EUA apoiaram Israel na rejeição dos julgamentos do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional. Por conseguinte, será necessária uma pressão consistente e sustentada durante muitos anos por parte dos EUA para que o cessar-fogo se torne o início de um genuíno processo de paz. A grande questão é: será que Trump se manterá envolvido? Será que a força internacional de “estabilização” para Gaza, liderada por Trump e Tony Blair, vai garantir que a ajuda suficiente - alimentos e medicamentos, vestuário e tendas - chega à população de Gaza e que a reconstrução é financiada e implementada? Trump pressionará Israel para permitir o envolvimento palestiniano na reconstrução e no governo de Gaza? Conseguirá ele convencer Israel a interromper a anexação de terras palestinianas na Cisjordânia? Os EUA podem conseguir muito, mas será que Trump perderá o interesse?Poderão os falcões de hoje ser as pombas de amanhã, negociando a paz como Yitzhak Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat fizeram?Tem razão, falcões como Rabin e Arafat tornaram-se os pacificadores, mas o problema dos Acordos de Oslo em 1993 foi que Israel conseguiu, em grande parte, o que queria - o reconhecimento palestiniano do direito de Israel à existência e o fim do uso da violência - mas os palestinianos nunca receberam o que Oslo prometeu, ou seja, negociações sobre o que queriam - o seu Estado, a sua capital em Jerusalém Oriental, fronteiras claras. E, entretanto, Israel construiu cada vez mais colonatos em terras palestinianas, a confiança desfez-se e os extremistas, de ambos os lados, destruíram as esperanças de paz. Pode acontecer algo semelhante novamente? O lado positivo é que os combates pararam, os reféns israelitas estão a regressar e os prisioneiros palestinianos estão a ser libertados - e temos de agradecer ao presidente Trump por isso. Mas os palestinianos terão de esperar até que a força internacional de “estabilização” decida que podem realizar eleições e assumir o controlo de Gaza. E quanto à Cisjordânia? Os falcões da extrema-direita continuarão a exercer uma enorme pressão sobre o governo israelita? Será possível que Netanyahu seja derrotado nas eleições de 2026, mas poderão os israelitas eleger outro governo de direita, um governo que não esteja disposto a negociar o fim da ocupação e da construção de colonatos? Mas sejamos esperançosos. O cessar-fogo é o início. Os combates cessaram e os reféns israelitas estão a ser devolvidos. Mas acredito que os EUA e os Estados árabes são vitais para a construção de uma paz duradoura..Henrique Cymerman: “É necessária uma declaração Balfour para a Palestina”.Elias Sanbar: “A ideia de um Estado palestiniano ao lado do Estado de Israel foi destruída” .Zvia Valdan: "O meu pai, Shimon Peres, dizia que a guerra não oferece futuro. Só a paz oferece futuro"