O seu pai, Shimon Peres, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro e presidente de Israel, ganhou o Nobel da Paz e sonhou realmente com a solução dos dois Estados, Israel e um Estado palestiniano, lado a lado. Acha que esta solução dos dois Estados ainda é possível?Sim, mas o sonho do meu pai era maior, não apenas dois Estados. O seu sonho ficou conhecido como o "Novo Médio Oriente". O seu sonho era que Israel cumprisse a sua mensagem, principalmente para liderar toda a região rumo a um futuro melhor. Não apenas Israel, não apenas a Palestina, não apenas dois Estados ao lado um do outro, mas um novo Médio Oriente. Porque o Médio Oriente é uma região tão bonita, tem tudo, e podia tornar-se pelo menos tão bela, tão rica e tão inspiradora como a Suíça, e esse era o sonho do meu pai. Se Israel reconhecer que existe outro povo ao seu lado, os dois povos poderão viver juntos. A Palestina deve reconhecer a existência de Israel, e Israel deve reconhecer a existência da Palestina. Uma vez que os dois Estados se reconheçam, toda a região poderá prosperar, porque o conflito está a envenenar as relações, não só entre Israel e a Palestina, mas também entre Israel e todos os outros países árabes, e entre a Palestina e todos os outros países. Portanto, dois Estados eram um passo em direção a um novo Médio Oriente, um Médio Oriente pacífico, belo e inspirador, que para ele era a mensagem que a nação judaica assumiu quando decidiu regressar à terra de Israel, à Palestina. Não para conquistar tudo à volta, mas para difundir uma mensagem, uma mensagem de compreensão, de tecnologia. Era essa a ideia dele. Aliás, escreveu um livro sobre isso, um dos seus melhores livros. Chama-se O Novo Médio Oriente. É essa a mensagem.O seu pai, então ministro dos Negócios Estrangeiros, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin decidiram negociar em 1993 com Yasser Arafat. Este, enquanto líder da OLP, foi o seu pior inimigo durante muitos anos. Significa isto que, para alcançar uma paz real, os antigos inimigos precisam de se sentar e dialogar?Sim. Geralmente as pessoas fazem as pazes com aqueles que são seus inimigos. Não se fazem as pazes com pessoas com quem não se lutou. Assim, torna-se claro que, quando se faz as pazes, o parceiro é alguém que era inimigo. A questão é se prefere ser inimigo para sempre ou se decide assumir o seu destino e criar uma nova realidade. Foi essa a sua ideia, criar uma nova realidade nesta região. Porque antes da criação do Estado de Israel, a Palestina não era um país avançado ou desenvolvido. E, na verdade, também não existia um Estado palestiniano. Assim que chegarmos a um acordo, todos os esforços que estão a ser direcionados para a luta entre nós serão direcionados para fazer esta região prosperar. Essa era a ideia. O meu pai esperava que a força que Israel conquistou, e especificamente a ameaça nuclear, fosse suficiente para dissuadir os países árabes de o atacarem. Ajudou o Egito. Ajudou a Jordânia. Quase, quase, quase ajudou a Síria. Mas não resolveu a questão do Estado palestiniano, e é por isso que o Estado palestiniano se tornou um obstáculo e necessariamente terá de ser o primeiro passo. Agora, claro, pode demorar mais tempo. Claro que teremos de investir mais. Mas desistir de um sonho para o qual este país foi fundado? Quer dizer, esta é a principal mensagem da nação judaica no Médio Oriente. Esta é a nossa mensagem. Por isso, desistir de uma mensagem, desistir de um sonho, só porque há obstáculos no caminho, esse não é definitivamente o caminho judaico e também não era o caminho do meu pai. E, já agora, não leva a lado nenhum. Sabe, o meu pai dizia que a guerra não oferece futuro. Só a paz oferece futuro.A sociedade israelita nos anos 1990 era muito favorável ao processo de paz e apoiava o seu pai e Rabin. Apesar de Rabin ter sido morto por um extremista judeu oposto aos Acordos de Oslo. Hoje, depois do 7 de Outubro e desta guerra de dois anos em Gaza, a sociedade israelita ainda apoia esta solução de dois Estados?O Estado israelita e o povo, muitas pessoas em Israel, eram a favor dos Acordos de Oslo, mas não fizeram as concessões necessárias para o cumprir. Por isso, os Acordos de Oslo nunca chegaram ao seu fim. E se não chegam ao seu fim, entram em colapso, fracassam. Assim, as pessoas vivem com a impressão de que Oslo falhou. A minha interpretação, e esta era, naturalmente, a do meu pai, foi a de que Oslo não amadureceu. Mas não falhou. Não amadureceu. E como não amadureceu, e como Israel não tomou a decisão crucial de interromper a ocupação, o que aconteceu é que, do outro lado, a guerra, o ódio e a humilhação cresciam de dia para dia. Cada dia de ocupação israelita dos territórios palestinianos tornava a paz cada vez mais distante. Assim, Israel tinha de fazer concessões, o que não estava disposto a fazer na altura dos Acordos de Oslo. Portanto, os Acordo de Oslo não amadureceram. E as pessoas acham que o acordado falhou. Não creio que tenha fracassado. Creio que não se cumpriu. Ora, o dia 7 de Outubro foi uma expressão de todo o ódio, da frustração, da pobreza do povo palestiniano. Enquanto não tiverem um Estado com o qual se possam identificar, a principal motivação será o ódio. E o ódio leva à violência. E a violência leva a atrocidades. E as atrocidades que aconteceram no dia 7 de outubro, não há como as desculpar. Mas se deixarmos que estas atrocidades decidam sobre o nosso futuro, então elas ganharam. E não queremos que elas ganhem. Queremos vencer. Queremos que as melhores ideias vençam. Não queremos que estas atrocidades ditem o futuro das pessoas que vivem no Médio Oriente. Agora, somos uma nação. Somos um Estado. E à nossa volta, existem muitos Estados muçulmanos. Então, vamos lutar contra todos eles? Ou estamos a tentar oferecer-lhes as vantagens que Israel tem? E Israel tem muitas vantagens sobre eles. Tecnologia, espírito, tradição, legado. Depois, o 7 de Outubro, claro, tornou tudo mais difícil. Desiludiu algumas pessoas. Mas penso que também fez com que outras pessoas compreendessem que não há saída para a guerra a não ser pela paz. E não há forma de criar um novo Médio Oriente na região sem um Estado Palestiniano.Durante o processo de paz de Oslo, o presidente americano Bill Clinton foi muito importante. Os EUA foram decisivos no apoio a Israel e ao processo de paz. Agora, Donald Trump também é muito importante nesta negociação entre Israel e o Hamas. Os Estados Unidos continuam decisivos para a paz no Médio Oriente?Acredito que os Estados Unidos estão tão interessados num novo Médio Oriente como Israel. Tenho a certeza. Porque o florescimento desta região pode tornar esta parte do mundo melhor. E penso que os Estados Unidos têm interesse que isso aconteça. Os próprios Estados Unidos já tentaram utilizar a guerra na região algumas vezes. E nunca levou a nada, certo? Perderam tantas vidas no Iraque. Melhorou a situação? Os Estados Unidos sabem disso. E agora a questão é que estamos a falar das pesadas baixas de Israel. Mas não se esqueçam que há outro lado. E as baixas lá são horríveis. E em número, são maiores e piores que as nossas. Por isso, não creio que os Estados Unidos estejam interessados em manter este Médio Oriente em ebulição. Os Estados Unidos estão interessados em tornar o mundo democrático, o mundo moderno, o novo mundo, por assim dizer, maior e mais forte. Portanto, têm os mesmos interesses. Infelizmente, o que aconteceu em Israel é que não se pode, de forma alguma, comparar Rabin e o meu pai ao senhor que é agora o nosso primeiro-ministro. Sem comparação. E agora Trump está a jogar o seu jogo. Clinton e Obama jogavam com a promessa de um mundo moderno. Não é uma pena que os Estados Unidos tenha agora que pressionar o parlamento israelita, para garantir que alguns não torpedeiam este acordo? Que vergonha. Que vergonha.Referiu a ocupação e como era importante, na visão do seu pai, acabar com ela. Mas como reage quando muitos palestinianos, e muitos que apoiam a sua causa, gritam "do mar ao rio"? Isso significa que ainda há quem esteja contra a existência de Israel, 77 anos depois da sua criação?Bem, em primeiro lugar, haverá sempre pessoas que serão contra Israel. Mas acho que isso é sobretudo um slogan que vem da ignorância. Não sabem do que estão a falar. E, já agora, Israel também sonhava com um grande Israel. Certo, então existem duas nações: a israelita e a palestiniana. Cada lado sonha ser o único e o grande. E agora cada lado sabe que isso não é possível. Assim, cada lado terá de modificar os seus sonhos. Terão de modificar o seu sonho do "mar ao rio". Depois, quando decidirmos viver juntos em paz, a questão das fronteiras e da dominação tornar-se-á muito menos importante. É outra linguagem. O meu pai sugeriu usar outra linguagem. E de acordo com essa outra linguagem, o novo Médio Oriente será aberto. Com fronteiras, mas aberto. E então cada lado terá um Estado maior do que aquele que temos agora. Se abrirmos as fronteiras, é essa a ideia. É exatamente isso, quero dizer, se vier aqui como turista e vir esta área linda, realmente linda. Temos tudo. Temos história, arqueologia, natureza. Temos tudo. Juntos, podemos tornar esta região num paraíso. Mas juntos. Veremos quanto ganharão vivendo em paz. Quando tiverem o seu próprio Estado e compreenderem a importância da paz. Assim como as pessoas dentro de Israel. E, então, toda a região trabalharia para um futuro diferente. É por isso que estamos a falar do futuro. Por enquanto, estamos a sangrar. Todos. Ambos os lados. Israel e os palestinianos. .Henrique Cymerman: “É necessária uma declaração Balfour para a Palestina”.“Shimon Peres, meu pai, dizia para nunca desistirmos da paz”.Elias Sanbar: “A ideia de um Estado palestiniano ao lado do Estado de Israel foi destruída”