Senida Mesi: “Dizem que a Albânia é muito mais segura do que Londres”

A Albânia tem sido notícia devido à decisão da Justiça italiana contra o internamento de imigrantes em campos localizados no seu país. Até que ponto se sente confortável com o acordo entre os primeiros-ministros Giorgia Meloni e Edi Rama?Há muita discussão, com argumentos a favor e contra, baseados nos direitos dos imigrantes, mas acabo por ficar feliz pelo meu país e pelo meu primeiro-ministro, que está sempre pronto a negociar acordos com Itália, que não é um simples vizinho, mas sim um país com o qual temos muita história e laços económicos e migratórios. Vejo desta perspetiva: quando um país nos pede ajuda, a Albânia cumpre. Como o nosso primeiro-ministro costuma dizer, ontem éramos imigrantes e hoje tentamos ajudar. Houve afegãos que estavam a fugir do seu país e alojámo-los algum tempo, porque nos pediram ajuda. Claro que há discussões geopolíticas, sobre se é certo ou errado, pois os imigrantes querem ir para a Itália e não para a Albânia, e sei que recentemente juízes de Roma decidiram contra essa deportação e disseram que os imigrantes devem ir para Itália. Ursula von der Leyen fez uma visita de Estado ao nosso país, e disse-nos que devemos seguir as regras e as melhores práticas da União Europeia. A nível individual, luto pelos Direitos Humanos, que prevalecem sobre qualquer acordo entre os países e também sobre algumas leis internacionais..Afasta a hipótese de este acordo reavivar memórias da subjugação da Albânia em relação a outros países no passado?Nos Anos 90 éramos nós que estávamos a fugir do país, e o presidente da Câmara de Bari, numa altura em que o seu Governo dizia para não autorizar que os albaneses metessem os pés em Itália, decidiu, em 24 ou 48 horas, que iria contra o seu Governo, porque queria ajudar aquelas pessoas. E acredito que os líderes políticos de hoje, mesmo naquilo que estamos a discutir aqui, precisam de agir e tomar decisões com os seus corações e as suas mentes, e devem fazê-lo com coragem..O que representa a integração europeia para uma geração de albaneses que testemunhou o colapso do comunismo e todos os problemas decorrentes da liberalização do regime?Representa fazer parte de algo que é maior do que nós, a que julgamos pertencer e que acreditamos poder melhorar-nos em termos do Estado de Direito, na luta contra a corrupção e contra o crime organizado, fenómenos que continuam a acontecer no nosso país. Tem a ver com fazermos reformas com o grande objetivo da integração na União Europeia como membro de pleno direito. Vemos as reformas como melhoramentos para os nossos cidadãos, ao mesmo tempo que permitem sentarmo-nos à mesma mesa dos nossos companheiros europeus. Geograficamente fazemos parte da Europa, pois estamos rodeados pela Grécia, que é um membro da União Europeia, temos a Itália do outro lado do mar, e por estrada chegamos à Croácia, outro membro da União Europeia, e ao Montenegro, cuja candidatura está muito avançada. É uma questão de tempo até ser um Estado- -membro, mas no limite trata-se de decisões políticas. Importante para o meu país é implementar as reformas, que são boas para os albaneses. Os povos dos Balcãs merecem ser tratados como europeus pelos seus vizinhos..Tem sido dito muitas vezes pelos governantes do seu país que a Albânia está preparada para a União Europeia e que tudo não passa de um problema político. A Albânia está mesmo pronta?Vejo isso como uma decisão de contrair matrimónio. Alguém faz o pedido e não se acha que um ou que ambos os parceiros estão realmente preparados. Ou se fica à espera, e talvez nunca cheguem a casar-se, ou então decidem viver juntos e ir resolvendo os problemas e desentendimentos. Temos os nossos problemas, temos as nossas questões, mas quem não as tem? A França não tem nenhum problema? A Itália não tem nenhum? Todos os países têm questões por resolver no que toca à economia, crime e corrupção, pelo que estou segura de que é melhor travarmos esses combates juntos e não isolados. E trata-se sempre de uma decisão política, pois não acredito que a Bulgária ou a Roménia estivessem preparadas a 100% quando aderiram à União Europeia..Portugal não estaria totalmente preparado quando aderiu...A Grécia não estava preparada de todo. Estava sobre-endividada, não cumpria nenhum critério financeiro, mas ainda assim passou a fazer parte da União Europeia e, depois, tentou resolver os problemas em conjunto com as instituições comunitárias. Bem vistas as coisas, é uma questão que exige vontade política. E disponibilidade dos dois lados para trabalharem juntos. Para mim, a grande pergunta é quão forte a União Europeia é para tomar decisões nesta dramática sucessão de conflitos no mundo. E o alargamento torna-se uma questão, pois dizem que irá criar muitos mais problemas. Mas os Balcãs são 17 milhões de habitantes [somando a população dos candidatos Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro e Sérvia], pelo que é como se fossem uma cidade, e não um país, da União Europeia. Acredito que podemos ser melhores juntos do que separados. Mesmo em questões de segurança e de controlo de fronteiras..A Albânia não tem os mesmos problemas com a Rússia de outros países europeus.É verdade. Não temos conflitos com nenhum país e podemos dizer que somos bons vizinhos. Por exemplo, a Macedónia do Norte está a ter desentendimentos com a Bulgária, e vice-versa, pois existem pretensões, tal como costumava haver com a Grécia. E temos o famoso conflito entre o Kosovo e a Sérvia. Acredito que a Albânia poderá liderar o processo de reconciliação nos Balcãs, pois todos juntos temos de trilhar caminho para a União Europeia..Até com a Sérvia?Claro que sim. Até com a Rússia, se queremos desenvolvimento global, pois não consigo olhar para nenhum dos nossos países de forma separada. Cada um tem um ponto forte, seja terra fértil, recursos minerais ou outra coisa qualquer. Acredito que cada um tem as suas vantagens e gosto de vê-las aplicadas para um futuro melhor, em vez dos conflitos e daquilo que nos afasta..Devido à sua história, à sua cultura e às suas alianças, a Albânia pode ambicionar ser uma construtora de pontes entre Ocidente e Leste, entre Islão e Israel?Temos uma maioria muçulmana, mas também temos católicos e uma minoria de ortodoxos. E, ao longo da nossa história, provámos ser capazes de coexistir, sem conflitos uns com os outros. Julgo que temos um exemplo que pode ser partilhado com países que sofrem desse tipo de conflitos. Mas somos um país pequeno e temos os nossos problemas. A nossa economia está a crescer, mas ainda é frágil. Quando atingirmos os nossos objetivos nacionais, e ficarmos um pouco mais fortes, poderemos ser um bom exemplo a nível internacional..Quais são as ideias feitas mais perigosas da Europa Ocidental em relação à Albânia que se esforça para mudar? [Ri-se]. Enquanto vice-primeira-ministra e deputada estive em muitas conferências internacionais e reuniões com chefes de Estado, altos dirigentes de ministérios, professores universitários e membros de think tanks. As perceções mudam completamente quando nos visitam e ficam a conhecer a Albânia. De qualquer forma, deputados de certos países - não irei dizer quais, mas integrantes da União Europeia -, julgam que temos uma espécie de guerra civil, e que não se pode andar na rua, mas quando vêm visitar a Albânia dizem que é muito mais segura do que Londres. Até por ser verdade. Existem algumas ideias erradas, algumas perceções de pessoas que se limitam a ler notícias falsas e não conhecem a história toda. Pensam que a corrupção e o crime organizado andam pelas ruas, tal como os contrabandistas. Lembro-me de ter uma discussão num ministério de um país nórdico, onde estavam totalmente contra a entrada da Albânia, dizendo que teríamos de fazer muita coisa antes de lhes pedirmos para que nos aceitassem na União Europeia. E um colega meu disse que a Alemanha sabe o que quer de nós. Quer enfermeiros e médicos, e está a levar-nos enfermeiros e médicos. E se estavam a proclamar que temos muitos contrabandistas e traficantes de droga, provavelmente seria isso o que pretendem. Cada um tem as suas impressões, mas precisamos de ver os factos e de ter o desejo e compromisso de seguirmos juntos em frente. Decidir com base em impressões não é algo que um governante ou um político deva fazer. Mesmo na vida pessoal, se tomarmos decisões com base em perceções, e não em factos, creio que a maioria de nós erraremos..Fala muito no empoderamento das mulheres. O cargo de vice-primeiro-ministro tem funcionado como o limite na Albânia? O Governo albanês é paritário, pelo que metade dos ministros são mulheres, tal como mais de 35% dos eleitos no Parlamento e mais de 60% dos diretores e diretores-gerais de agências governamentais. As albanesas são fortes, provavelmente devido à nossa história, mas tenho uma firme crença no que Margaret Thatcher disse em tempos: se queres falar sobre uma coisa, pede a um homem, mas se a quiseres fazer, então pede a uma mulher. Somos persistentes e tentamos várias formas de cumprir uma tarefa, pelo que um não quer dizer mesmo não. Os homens definem-se por tentarem uma ou duas vezes, e se não conseguem são muito mais pragmáticos. Por isso é que este mundo é maravilhoso. Cada um dos géneros tem a sua própria forma de ver o mundo, e encaixamo-nos perfeitamente..Quando chegar ao fim a imensa longevidade no poder de Edi Rama julga ser possível que uma albanesa venha a ter o cargo de primeiro-ministro?O primeiro-ministro promoveu sempre mulheres, mesmo na Câmara de Tirana, pois todas as vice-presidentes e diretoras eram mulheres. Ele viu que as mulheres tinham o poder de dar conta do recado. Acredito que também será a sua abordagem.

Senida Mesi: “Dizem que a Albânia é muito mais segura do que Londres”

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