Os cidadãos russos detidos em Luanda pretendiam supostamente derrubar o atual regime e “provocar alternância política, conduzindo o partido UNITA ao poder” ou forçar a mudança “dentro da liderança do partido MPLA”, indica a acusação do Ministério Público (MP) angolano.Segundo a acusação, datada de 26 de novembro e a que a Lusa teve esta quarta-feira, 3 de dezembro, acesso, Igor Rotchin Mihailovich, de 38 anos, e Lev Matveevich Lakshtanov, de 64 anos, e os angolanos Amor Carlos Tomé, jornalista, de 38 anos, e Oliveira Francisco, dirigente político da UNITA, maior partido da oposição angolana, de 32 anos, detidos a 7 de agosto deste ano, cometeram os crimes de espionagem, organização terrorista e financiamento ao terrorismo, de instigação pública ao crime, de terrorismo, de corrupção ativa de funcionário e de introdução ilícita de moeda estrangeira no país.Na acusação, o MP indica que, após a morte de Yevgeny Prigozhin, em agosto de 2023, os ativos africanos do Grupo Wagner foram assumidos pela Africa Org, estrutura paramilitar que mantém presença no continente através da Africa Politology e no país lusófono pela Angola Politology, com um projeto denominado “Ciência Política de Angola”, liderado pelo arguido Igor Mihailovich, chefe da direção no país.Os arguidos Lev Lakshtanov, Amor Carlos Tomé e Oliveira Francisco são membros assalariados da organização, cuja atividade inclui redes secretas de tecnólogos políticos, meios de propaganda profissionalizados, frentes de lobbying comercial, “composta por antigos agentes de Prigozhin e oficiais de inteligência, que executam campanhas agressivas de informação e guerra cibernética, incluindo clonagem em grande escala de sites, espionagem cibernética”, descreve o MP.De acordo com a acusação, para a implementação dos seus projetos, “e para oferecer um rosto legal”, a organização alegou que pretendia criar a Casa da Cultura Angola-Rússia, mas os seus objetivos políticos passavam por “atos concretos de desestabilização do país, de modo a que pudessem provocar a alternância política, conduzindo o partido UNITA ao poder, ou em alternativa, não sendo possível conduzir o partido UNITA ao poder, forçar que a alternância ocorra dentro da liderança do partido MPLA [no poder], influenciando a indicação de um Presidente pró-Rússia”.Para a execução das suas tarefas, o arguido Oliveira Francisco ficou com a parte política, com a responsabilidade de criar condições para aproximar os arguidos russos à presidência da UNITA, “de modo a conduzi-los a uma parceria e troca de serviços, mediante celebração de um memorando”, prossegue.Os contactos feitos por Oliveira Francisco, secretário nacional para mobilização urbana da Juventude Unida Revolucionária de Angola (JURA), organização juvenil da UNITA, iniciaram-se com Manuel Ekuikui “Nelito Ekuikui”, secretário-geral da JURA, passando depois ao general Armindo Paulo Lukamba “Gato”, o interlocutor da organização, bem como ao líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, lê-se na acusação.Num dos encontros realizados foi alegadamente discutida a parceria para as eleições de 2027, tendo sido apresentadas depois “propostas já discutidas com o presidente do partido Adalberto Costa Júnior” para assistência financeira, segurança, formação de quadros do partido no exterior e auxílio na obtenção de informações, escreve o MP.“Ao arguido Amor Carlos Tomé coube identificar líderes e militantes da UNITA ou do MPLA [partido no poder] que sejam críticos à atual liderança dos respetivos partidos, identificar objetivos económicos que podem servir os interesses dos arguidos, identificar e recrutar jornalistas”, acrescenta.Segundo a acusação, a lista incluía ainda analistas para produzir textos a serem difundidos em massa nos jornais físicos e digitais, rádios privadas, páginas do Facebook, grupos de whatsapp, “tendentes a criar um sentimento generalizado de insegurança e repulsa pela atual governação e que ao final conduzisse a convulsões sociais e a almejada alternância política”.Foi o arguido Amor Carlos Tomé que terá fornecido contactos de figuras do MPLA, promovendo reuniões entre os arguidos russos e o general Higino Carneiro, pré-candidato à liderança do MPLA, o engenheiro António Venâncio, que aspira igualmente à liderança do partido, bem como o general Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, antigo secretário-geral do partido, refere.A 2 de junho de 2025, relata o MP na acusação, “os arguidos começaram a projetar a criação e realização de uma manifestação de grande vulto inicialmente contra a fome”, e a 16 de julho do mesmo ano, os arguidos Amor Carlos Tomé e Lev Lakshtanov “já tinham ciência de tudo que havia de ocorrer em Luanda", numa alusão à greve dos taxistas que ocorreu em Luanda, entre 28 e 30 de julho, resultando em tumultos.O Ministério Público afirma ter chegado a esta conclusão porquanto o arguido Amor Carlos Tomé havia enviado, a 16 de julho, ao arguido Lev Lakshtanov um texto com o título “taxistas paralisam em Luanda”, mais tarde adotado pelo vice-presidente da Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANA), Rodrigo Catimba, igualmente detido, nas sua comunicação com a imprensa.Aos arguidos foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva..“Ainda há muito por fazer”. João Lourenço pede fim das disputas partidárias em Angola