Para Moscovo, cimeira com Zelensky seria para selar acordo e não para negociar

Pelo segundo dia consecutivo coube ao ministro dos Negócios Estrangeiros russo a tarefa de arrefecer os ânimos dos mais otimistas no que respeita a uma possível resolução da guerra da Ucrânia em breve, ao dizer que uma cimeira entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky é o final do processo e que, pelo meio, há que negociar com os Estados Unidos. Isto enquanto em diversas capitais europeias ainda se respirava de alívio, não tanto por ter sido obtido um resultado histórico nas recentes reuniões de alto nível realizadas nos EUA, mas sobretudo por ter sido evitado um desastre.Na véspera, o ministro Sergei Lavrov disse que não se prepara uma cimeira entre dois líderes do pé para a mão, obrigando, antes de mais, a reuniões preparatórias entre especialistas. Além disso, e apesar de afirmar que à Rússia não interessa capturar território, “mas proteger o povo russo”, lembrou que esse terá de ser um tema a acordar..Sem confirmar reunião de Putin com Zelensky, Kremlin mostra não ter pressa . Esta quarta-feira, voltou à carga. Ao confirmar que a Rússia é favorável a que sejam concedidas garantias de segurança fiáveis à Ucrânia, disse que pelo caminho de uma hipotética cimeira de líderes Rússia-Ucrânia terão de existir mais discussões do seu país com os Estados Unidos. “Estou certo de que no Ocidente e, acima de tudo, nos Estados Unidos, compreendem perfeitamente que discutir seriamente questões de segurança sem a Federação Russa é uma utopia, é um caminho para lugar nenhum.” Lavrov afirmou que Moscovo está preparada para discutir os aspetos políticos de um acordo com a Ucrânia e que está disponível para elevar o nível das delegações nas negociações, mas repetiu que uma reunião entre os líderes russo e ucraniano deve marcar o culminar das negociações - ou seja, para assinar o acordo -, e tem de ser “cuidadosamente preparada”.. É uma incógnita como é que a retórica do Kremlin vai ser recebida na Casa Branca. Na entrevista concedida à Fox News na terça-feira, o presidente Donald Trump - que deixou cair o ultimato que impôs à Rússia sem ter obtido nada em troca - admitiu que “é possível que [Putin] não queira chegar a um acordo”. Se assim for, comentou que estar-se-á perante “uma situação difícil”, mas mais uma vez não clarificou as potenciais consequências para Moscovo. “Vamos descobrir nas próximas semanas”, disse. Horas antes, durante o encontro com os líderes europeus, sem saber que estava a ser ouvido pelos meios de comunicação, o presidente dos EUA estava convencido do contrário. “Acredito que ele quer fazer um acordo por mim, por mais louco que pareça”, confidenciou ao francês Emmanuel Macron.Trump, que explicou na mesma entrevista à Fox ter ligado a Putin para propor uma reunião com Zelensky longe dos líderes europeus para não ser desrespeitador para com o russo, terá ouvido do outro lado da linha a contraproposta de um encontro a três em Moscovo - o que foi de pronto rejeitado pelo próprio presidente norte-americano, segundo o The New York Times. .A estratégia de Putin passa por Trump pressionar Zelensky a ser flexível às suas exigências. A Europa quer demonstrar ao norte-americano as reais intenções do russo. E Trump? Num dia acredita que Putin quer um acordo, no dia seguinte duvida..Do lado europeu multiplicam-se as reuniões virtuais e presenciais ao nível da União Europeia e da Coligação dos Dispostos para articular posições e discutir as garantias de segurança que os parceiros da Ucrânia possam fornecer para impedir que, uma vez a paz alcançada, o país atacado não venha a ser alvo de novo ataque russo. Emmanuel Macron disse que os próximos 15 dias serão cruciais para se finalizar “o trabalho com os norte-americanos e dar-se corpo às garantias de segurança”. Segundo uma fonte ouvida pela Bloomberg, dez países estão dispostos a enviar tropas para fazer parte da força de dissuasão, embora não tenha indicado quais, além daqueles que já publicamente expressaram essa vontade (Reino Unido, França e Alemanha).No entanto, segundo vários diplomatas ouvidos pelo Politico, a estratégia principal é a de alinhar com os resultados trazidos da Casa Branca na segunda-feira - Trump rejeitou o envio de tropas para a Ucrânia, mas comprometeu-se, ainda que vagamente, a prestar apoio aéreo - para desmascarar o Kremlin. “É claro que, se acabarmos numa situação em que Putin prove que não quer acabar com a guerra, isso forçará Trump a agir e reforçará o argumento a favor de sanções”, disse um diplomata da UE àquele site noticioso. Ainda antes das declarações do ministro Lavrov, já o chanceler alemão mostrava as maiores reticências sobre a materialização da cimeira russo-ucraniana. Quando estava em Washington, Friedrich Merz disse que Trump e Putin concordaram ao telefone em realizar uma reunião “dentro das próximas duas semanas”, o que não foi confirmado por Moscovo. “Não sabemos se o presidente russo terá a coragem de comparecer em tal cimeira. Portanto, é necessário convencê-lo”, considerou o chefe do governo alemão. A eventual decisão de Putin de participar ou não em reuniões com Zelensky, disse por sua vez Macron, “irá esclarecer ambiguidades” e mostrar se o russo está a falar a sério quanto à paz. “A tática russa é bem conhecida: atrasar, negar, distrair”, comentou a ministra dos Negócios Estrangeiros da Letónia Baiba Braze à BBC.A mensagem de aumentar a pressão sobre Putin foi defendida por outros dirigentes europeus, o que inclui nova ronda de sanções. “Se Putin atrasar, tergiversar ou recusar-se a dialogar, isso dará um novo impulso a sanções”, disse uma fonte do governo britânico ao The Telegraph, confirmando a ideia saída da videoconferência dirigida na véspera pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa, de preparar o 19.º pacote de sanções.Mas as maiores armas para levar o autocrata à mesa de negociações estão longe de ser uma realidade. Uma delas, as sanções secundárias a quem comprar petróleo russo, que teria consequências duras para a Índia e para a China, está nas mãos de Trump. A outra seria a de ameaçar transferir os ativos congelados russos na Europa (mais de 200 mil milhões de euros) para a Ucrânia. Até agora, Kiev tem recebido os juros desses ativos, mas os europeus não chegam a consenso sobre a transferência para mãos ucranianas, alegando questões jurídicas e um perigoso precedente.À CNN, Tatiana Stanovaya, investigadora do Carnegie Russia Eurasia Center, disse que o presidente russo só aceitará encontrar-se com Zelensky se tiver garantias de que irá ser um êxito para o seu lado, ou seja, que o ucraniano capitule quanto às suas exigências, a começar pela cedência de território, contando para isso com a pressão do presidente dos EUA. “Trump é visto como um facilitador da visão russa sobre o acordo e, por isso, os EUA devem trabalhar para pressionar Kiev a ser mais flexível, a estar mais aberto às exigências russas”, disse.Passando por cima de a cimeira ser apenas uma hipótese, nas últimas horas surgiram outros países (Áustria e Hungria) interessados em concorrer com Genebra, depois de o governo suíço ter garantido imunidade a Putin. O primeiro-ministro polaco saiu a terreiro para se declarar contra a hipótese de Viktor Orbán ser o mestre de cerimónias. “Nem todos poderão lembrar-se disto, mas em 1994 a Ucrânia já recebeu garantias de integridade territorial dos EUA, da Rússia e do Reino Unido. Em Budapeste”, recordou Donald Tusk. “Talvez eu seja supersticioso, mas desta vez tentaria encontrar outro lugar.”

Para Moscovo, cimeira com Zelensky seria para selar acordo e não para negociar

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