Dez anos do Acordo de Paris sobre o clima: e agora?, é o título do debate que o trouxe a Lisboa. Devolvo-lhe a pergunta. E agora?E agora? Fizemos progressos na direção certa, mas ainda estamos longe do suficiente. Quando o Acordo de Paris foi assinado, há 10 anos, a trajetória projetada para o aquecimento global era de 3,5 a 4 graus Celsius. Hoje, estamos mais próximos dos 2,5 graus, se os países cumprirem o planeado. 2,5 graus é melhor do que 3,5, mas ainda não estamos no caminho certo para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a entre 1,5 e 2 graus. Olhando para os últimos 10 anos, fizemos alguns progressos, mas nos próximos 10 anos, precisamos de percorrer o caminho que resta e continuar a acelerar esta transição climática.Tem alertado para a batalha ideológica entre os ativistas climáticos e a Administração Trump. Os EUA representam uma ameaça ao esforço por acordos ambientais?Primeiro, não devemos reduzir os EUA a Trump, porque nos EUA existe a Califórnia, existem estados, empresas e investidores que continuam a seguir as regras. E espero que talvez no próximo ano Trump tenha perdido as eleições e tenha menos capacidade para causar danos. No entanto, hoje estamos sob constante ataque desta Administração Trump, que, ao contrário de Trump 1, é muito mais ofensiva, muito mais estruturada e muito mais perigosa para o clima.Nota essa diferença em relação ao primeiro mandato?Com a Administração Trump 1, a questão era a retirada dos EUA do Acordo de Paris, mas todos pensavam que seria um revés temporário e, no final, pouco mudou, incluindo para os investidores, etc. Agora, estamos a assistir a uma tentativa, por parte do que o presidente Macron chamou uma “internacional reacionária” - ou seja, Trump, Orbán, Milei e Putin, que estão completamente alinhados nestas questões - de desmantelar não apenas o Acordo de Paris, mas todas as ações tomadas para avançar para um mundo mais sustentável ambientalmente. Vai muito para além de Trump 1, é por isso que Trump 2 é muito mais perigoso, e é por isso que nós, europeus, devemos resistir. Há uma batalha feroz a ser travada contra nós hoje pela Administração Trump: o desejo de atacar todos os textos europeus considerados extraterritoriais. Ou seja, que também se aplicam às empresas americanas. Não devemos ceder.Mesmo que a Europa tente resistir, conseguiremos avançar sem os EUA?Sim. Porque hoje, a batalha pelas tecnologias descarbonizadas é essencialmente na China, Europa e, um pouco, na Coreia e Japão. Os EUA não são líderes em nenhuma das tecnologias de descarbonização. Mesmo que a Administração em Washington não esteja a fazer nada, isso não nos deve impedir de agir. Primeiro, porque não impedirá os chineses de agir, muito pelo contrário. Segundo, porque é do nosso interesse, enquanto europeus, avançar, pois somos o continente mais pobre em recursos de combustíveis fósseis. Com o recuo dos EUA, a China parece assumir a liderança na luta contra as alterações climáticas. Era difícil de imaginar há 10 anos?Esta é uma das boas notícias se olharmos para os 10 anos desde o Acordo de Paris. O que aconteceu na China na última década foi uma transformação excecional. Os chineses estão cinco anos à frente do pico de emissões, o ponto em que as emissões de CO2 atingem o máximo. São líderes em toda a cadeia de descarbonização, desde a mineração à refinação, baterias, automóveis, autocarros, camiões, energias renováveis, etc. Em tudo. E isto é o resultado de 30 anos de investimentos claros e estratégicos, porque eles têm exatamente o mesmo problema que nós europeus: não têm petróleo. A Europa não tem petróleo, a China não tem petróleo, o resto - os russos, os americanos, os países do Golfo, etc. - são as potências dos combustíveis fósseis. Temos muitas divergências com a China, mas, deste ponto de vista, estamos alinhados porque os nossos interesses são partilhados. Quando organizámos a COP21, a região do mundo com o maior número de patentes verdes era a Europa, a China era a segunda. Dez anos depois, a China é a primeira e a Europa a segunda.A COP30 terminou há dias no Brasil. O que pensa destas conferências? Sei que algumas pessoas perguntam: qual é o objetivo das COP? Se não tivéssemos estas conferências anuais sobre o clima, não teríamos os meios para fazer pressão sobre o assunto todos os anos - pressão diplomática, económica, mediática. Isso, por si só, já é importante. E vou dar-lhe um exemplo concreto enquanto membro do Parlamento Europeu. Se conseguimos chegar a acordo há duas ou três semanas sobre a meta climática de alcançar uma redução de 90% nas emissões de CO2 até 2040, foi graças à pressão de ter de chegar a acordo antes da COP. Sem a COP30 em Belém, teria sido mais demorado e talvez não tivesse havido acordo. O mesmo se aplica à China. Se a China cumpriu o seu papel e, dentro do plano quinquenal, estabeleceu a sua meta climática para 2025-2035, enquanto os EUA não o fizeram, é porque existe uma estrutura multilateral e a China aposta que “tem mais a ganhar com essa estrutura do que ignorando-a”. Mas se não houvesse uma estrutura multilateral, nem um Acordo de Paris, nem uma COP30, o que teriam feito os chineses? Teriam dito: “Se os EUA não estão lá, eu também não estou.” Só isso já prova que as COP são úteis. São suficientes? Obviamente que não, mas são úteis. A grande diferença entre a COP30 de hoje e o Acordo de Paris, é que se conseguimos chegar a um acordo há 10 anos foi porque, na altura, China e EUA queriam um acordo. Como alguém envolvido na COP21, testemunhei momentos em que chineses e americanos se abraçaram ao chegarem a acordo. Hoje, imaginar chineses e americanos a abraçarem-se exige um pouco de imaginação. Nos últimos 10 anos, em termos da capacidade de diálogo e de compromisso internacional, regredimos incrivelmente.É autor do livro Vencer a Batalha do Pacto Ecológico Europeu. Como eurodeputado e presidente durante cinco anos da Comissão do Ambiente do Parlamento Europeu, negociou e acompanhou o nascimento do Pacto Verde. Hoje, ele está ameaçado?Está ameaçado. Por dois motivos. O primeiro é a ameaça externa, o segundo é a ameaça interna. A ameaça externa, que acabámos de discutir em detalhe, é a pressão implacável exercida pela Administração Trump. Esta decorre da crescente inflação e da consequente redução do poder de compra, agravados pela invasão da Ucrânia pela Rússia. E há também a pressão interna, que é o facto de hoje, por toda a Europa, as forças nacionalistas de extrema-direita estarem em ascensão. É verdade em França, em Espanha, aqui, em Portugal, é verdade na Alemanha, nos Países Baixos, e assim por diante. Há dez anos, estas forças de extrema-direita eram mais fracas. E mesmo há cinco anos, quando o Pacto Ecológico Europeu foi lançado, não só eram mais fracas, como não tinham feito da luta contra o ambientalismo um elemento significativo da sua identidade política. Hoje, por toda a Europa, estes movimentos de extrema-direita afirmam ser, tal como Trump, contra a ação climática. É uma forma de trumpismo europeu que não existia há cinco anos e que está a criar raízes na Europa a partir de dentro. A convergência dos dois significa que sim, o Pacto Ecológico Europeu está ameaçado, e é ainda mais problemático para nós, porque o Pacto Ecológico Europeu diz respeito às alterações climáticas, mas é também uma questão de soberania geopolítica e de segurança. Com a invasão russa da Ucrânia a nossa dependência do gás russo virou-se contra nós. Mas se substituirmos esta dependência do gás russo por uma dependência do GNL, do gás de xisto americano, obviamente, Trump, ou alguém do mesmo tipo, usará a energia como arma. Não se iludam. Isto mostra claramente que é do nosso interesse de segurança, é do nosso interesse geoestratégico, descarbonizar a nossa economia para sermos menos dependentes de combustíveis fósseis e de energias que não têm os nossos melhores interesses em mente.Porquê essa mudança de atitude da extrema-direita?É uma boa questão. Se tivesse de as enumerar, diria duas coisas. A primeira é que, durante muito tempo, não estávamos a fazer o suficiente e, portanto, não havia razões para criar polarização nestas questões. Mas com o Green Deal foram introduzidas novas regras, começando a mudar o cenário. E surgiram oportunidades para a polarização. O segundo ponto é o efeito Trump. Para eles, não era um problema, mas agora, como estão a adotar a abordagem de Trump e, para Trump, as questões da energia, dos combustíveis fósseis, do clima são relevantes, para eles também passaram a ser. É um problema grave. Estas pessoas, que se dizem soberanistas, nacionalistas e patriotas, estão a fazer o contrário, defendendo os interesses de Trump e Putin. Mas temos de renovar o discurso a favor da ação climática, utilizando argumentos que não sejam simplesmente de esquerda, mas que possam ter impacto na sociedade como um todo. Por exemplo, no contexto francês, o presidente do grupo de extrema-direita no Parlamento Europeu, Jordan Bardella, líder do Reagrupamento Nacional em França, é o político que mais fluxos migratórios gera. Sempre houve guerras, sempre houve pobreza, o único fator que está a aumentar é a alteração climática, que está a conduzir a um número cada vez maior de migrantes climáticos. Se não fizermos nada para combater as alterações climáticas, amanhã haverá ainda mais migrantes climáticos. Isto significa que, mesmo em nome da regulação dos fluxos migratórios, em nome de valores que têm impacto no eleitorado de extrema-direita, há uma razão para agir em relação às alterações climáticas.França distingue-se, por exemplo, da Alemanha pela sua aposta na energia nuclear. Esta fonte de energia é uma boa solução para descarbonizar a economia e combater o aquecimento global?Não devemos colocar as energias renováveis em oposição à energia nuclear. Alguns países, como a França, investiram muito na energia nuclear. Outros, como Portugal, investiram muito nas energias renováveis. Em última análise, precisamos de ambos. Não vamos criar uma guerra entre tecnologias descarbonizadas. Vamos somar as soluções. O problema da energia nuclear é o lixo e o risco. O problema das energias renováveis é que são incontroláveis. Ocupam muito espaço. Cada tecnologia tem as suas vantagens e desvantagens. Vamos usar as duas. Vamos parar com esta falsa guerra religiosa. Quem quer investir em energias renováveis, investe apenas em energias renováveis. Quem quer investir fortemente em energia nuclear, investe fortemente em energia nuclear. O que importa é que, no final, como europeus, invistamos em tudo.Já volto a Portugal, mas ainda sobre França. Num cenário político com três grandes blocos, qual é a posição dos grandes partidos em relação ao clima?As emissões de CO2 de França nunca caíram tanto como durante a presidência de Emmanuel Macron. Isso é um facto. Testemunhei pessoalmente as importantíssimas ações climáticas tomadas pelo governo francês e pelo presidente da República desde a sua eleição, em 2017. Portanto esta não é uma questão exclusivamente de esquerda. O que tenho notado é que hoje, em França, a direita tradicional, Os Republicanos, abraçou completamente o ceticismo climático de Trump e da extrema-direita. E essa é uma das questões em que se estão a focar agora. A plataforma tanto d’Os Republicanos como do Reagrupamento Nacional é desmantelar os sistemas de energias renováveis já instalados em França. O que, economicamente, não faz qualquer sentido. E lamento isto, porque acho crucial não polarizar estas questões. Quando o tema da transição ecológica se torna altamente polarizado, torna-se muito instável. E para as empresas que precisam de investir a 10, 15 ou 30 anos, torna-se muito mais difícil planear o futuro. É isso que tento desenvolver no livro. O objetivo é despolarizar a questão. Pode haver divergências entre a esquerda e a direita em muitos assuntos, mas deve haver uma base para um acordo neste.Portugal é apontado como um bom exemplo na área das energias renováveis. O que podem outros países aprender connosco?Parece que o assunto é menos polarizado aqui do que noutros países. Se toda a Europa tivesse o mesmo tipo de debate que existe hoje em Portugal, estaríamos em muito melhor situação. Não só é um modelo a seguir em termos de energias renováveis, como é uma forma melhor de abordar a questão. Exorto o Governo português a ser muito ativo nas negociações europeias para ultrapassar a dicotomia entre energia nuclear e as renováveis e a ser um ator fundamental na criação da União Europeia da Energia. Criámos o euro, criámos Schengen, o mercado único, e assim por diante. Hoje, se há uma questão em que devemos unir forças é a energia, porque é uma questão de competitividade, geopolítica, geoestratégia e clima. Portugal tem o potencial de ser uma potência em energias renováveis, não só na península, mas em toda a Europa..Dhesigen Naidoo: “Portugal pode voltar a embarcar e levar ao mundo o conhecimento em energias renováveis”