Estamos quase na COP30 no Brasil, e há dias o Secretário-Geral da ONU dizia: “A prioridade da conferência climática no Brasil é reconhecer que não conseguimos atingir a meta e mudar rapidamente de rumo”. É uma abordagem um pouco pessimista ou chegou a altura de sermos realistas e deixarmos de dourar a pílula?Bem, é necessário haver uma análise realista das limitações do processo multilateral que é a UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima]. Olhando para trás, e é o 10.º aniversário do Acordo de Paris, é quase um milagre termos conseguido chegar ao Acordo de Paris. Porque se acontecesse no mesmo ambiente em que estamos agora, não haveria nenhuma hipótese. A segunda questão que considero crucial é que, embora desde Quioto tivéssemos uma visão de longo prazo, o que nos permitiu ser bastante ambiciosos na forma como abordamos as negociações e também em relação às metas, estamos a viver um momento histórico específico em que o imediatismo e o transacionalismo são as principais moedas de troca, e isso está a determinar se esta plataforma é adequada para o propósito atual. Mas eis o que concluo daqui que pode ser positivo. Em primeiro lugar, o período em que nos encontramos pode ser mais curto. Talvez regressemos a um ciclo regular de tomada de decisões globais depois de o ultrapassarmos. A segunda coisa, que considero muito importante, é que, enquanto alguns atores de grande dimensão se estão a retirar do multilateralismo, outros, que se têm mantido discretos neste espaço, estão a impulsioná-lo com muita força. A China é um exemplo incrível. Há 20 anos, nunca imaginaria que a China estaria a hastear a bandeira do multilateralismo.Era difícil imaginar Pequim nesse papel na altura…Mas aqui está. E pode estar a haver uma troca de liderança. Uma das possibilidades é que aqueles que se estão a retirar se sintam inclinados a voltar à disputa para tentar uma mudança. Portanto, não sou assim tão pessimista. Mas há um terceiro motivo, é que a arena multilateral não é a única. Existem muitas outras. Se analisarmos a proeminência da agenda climática nas mini-reuniões laterais, seja na ASEAN, na Organização de Cooperação de Xangai ou no G20, que terá lugar na África do Sul este mês, veremos que está a ganhar mais destaque, não necessariamente com a bandeira do clima, mas antes em torno da sustentabilidade e do desenvolvimento económico. Outro ponto que me deixa muito entusiasmado, acrescentaria, é a cooperação atlântica, mostrando como este foco está a funcionar. Outra coisa que me anima é ver para onde caminham as grandes empresas. E como estão a levar as questões climáticas muito mais a sério. Por exemplo, temos as grandes empresas de petróleo e gás do mundo a reinventar as suas próprias marcas como empresas de energia, penso que isso é significativo. Porque se olharmos onde estão todos os seus novos investimentos, veremos que não estão no petróleo, gás e carvão. Estão a investir em energias renováveis. Portanto, os investidores que realmente importam estão a ver o futuro e a investir ativamente nele. Sim, a COP30 tem aspirações limitadas. Talvez a COP31 também tenha. Mas são apenas uma das arenas que impulsionam a agenda climática.Já falou sobre a China, mas se olharmos para os EUA, Donald Trump disse que “as alterações climáticas são a maior farsa alguma vez perpetrada contra o mundo”...Devo dizer que quando cheguei ao aeroporto, o agente de imigração também me disse isso. O que é preocupante. Precisava de provar que vinha para aqui. Por isso tinha uma cópia do programa e mostrei-lhe. E ele disse: “Certamente não acredita nessa farsa das alterações climáticas?”. [risos] Mas deixe-me reagir à questão de Trump. Em primeiro lugar, o impacto que Trump causou no sistema, na minha opinião, galvanizou mais apoio à luta contra as alterações climáticas do que à sua própria agenda. Pode incomodá-lo ou não. Porque não é fácil perceber qual é a sua verdadeira agenda. Portanto, na verdade, não teve um impacto negativo no sistema. Em segundo lugar, a própria comunidade a que ele apelava, nomeadamente as grandes empresas de petróleo e gás, já está a fazer essa transição. Em terceiro lugar, o preço do petróleo não sustenta a nova exploração que ele deseja. O preço de referência é de 75 dólares por barril. Está nos 66 dólares. Ele está a tentar manipular isso com os embargos russos. Não vai funcionar. E o quarto ponto é que, com a atual política tarifária e a disponibilidade limitada de aço, não se pode fazer grande coisa. Portanto, a minha mensagem sobre tudo isto é que serve um propósito político a curto prazo, mas não vai prejudicar uma agenda a longo prazo.A COP30 vai arrancar em Belém do Pará, no Brasil. A escolha desta cidade amazónica é uma oportunidade para discutir os perigos das alterações climáticas para a floresta amazónica?Essa é a ideia. Existem limitações logísticas. Mas, deixando isso de lado, o facto de estar a levar a agenda para um ambiente profundamente afetado deverá ter algum impacto na compreensão do desafio. Porque existem duas realidades no mundo que são particularmente perturbadoras. Uma é que, em geral, vivemos todos em bolhas. E as redes sociais são grande parte do problema. Criamos estes teatros artificiais ao nosso redor. E isso está a levar-nos a perder o contacto com o mundo real. Este é um problema muito grave. E a natureza deste desafio exige outras soluções, para além das que estamos a discutir. Acho isso realmente perigoso. Outra questão relacionada com isto é que os espaços onde costumamos ter estas discussões estão tão isolados da realidade que é praticamente impossível escapar-lhe. Portanto, Belém deveria ter impacto. Por se encontrar num ambiente que foi ativamente destruído pelas alterações climáticas, principalmente nas últimas duas décadas. E um ambiente do qual todos dependemos. Porque a floresta amazónica é um património global, não apenas brasileiro. A nossa dependência da sua capacidade de funcionar como sumidouro de dióxido de carbono, por um lado, e de nos fornecer uma percentagem muito significativa do nosso oxigénio, por outro, é realmente importante. Portanto, talvez num cenário geopolítico mais favorável, isso teria tido um impacto maior. Mas, sem dúvida, com uma presidência brasileira diferente, o impacto poderia ter sido menor.A escolha desta localização, no chamado Sul Global, é também uma forma de a ONU reconhecer que estes países são afetados de forma desproporcional pelas alterações climáticas, apesar de terem contribuído menos historicamente? É exatamente esse o ponto. A questão é que a capacidade de resiliência nos países de baixas emissões está a funcionar de forma a que estes sofram um impacto desproporcionalmente maior. E não apenas em relação aos desastres, mas também em relação aos impactos a longo prazo, como a diminuição da agricultura, a redução das possibilidades de industrialização e a criação de dilemas complexos. Em África, por exemplo, o continente possui reservas de petróleo, gás e carvão avaliadas em 10 biliões de dólares, que, se exploradas, o tornariam um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa do mundo. Estas receitas impulsionariam significativamente a agenda de desenvolvimento africana. Portanto, se o mundo está realmente empenhado na transição para uma economia de baixo carbono, regiões como África, o Sul da Ásia e a América Latina devem ser compensadas e incentivadas a trilhar este caminho, o que, por sua vez, contribuirá para um futuro melhor para todos nós. A segunda questão é que isto vai para além das finanças e da tecnologia; trata-se de uma maior tolerância à globalização. Assim, as tendências migratórias, que são extremamente significativas no norte, representam uma resposta oposta à que é de facto necessária à nossa volta, enquanto comunidade global, para ultrapassarmos a crise atual e alcançarmos um futuro mais sustentável..O tema do seminário em que veio participar é alterações climáticas e segurança. Estamos a falar de pessoas deslocadas, enfraquecimento da capacidade do Estado. Mas também estamos a falar de guerras pela água, que sei que é um assunto que estuda em profundidade. Para nós na Europa, a água é um dado adquirido, abrimos a torneira e ela sai.Por agora.Por agora. Como explicar num país como Portugal, que considera a água um recurso garantido, que na verdade não é garantida e que há sítios onde se mata e se morre por acesso a este recurso?A questão da água é multifacetada. Em primeiro lugar, devo dizer que, enquanto seres humanos, desde que nos tornámos Homo sapiens, talvez até antes disso, a água tem sido o tema central das nossas lutas ao longo da história. Mais recentemente tivemos um pequeno episódio de disputas por petróleo e gás, mas a água sempre foi uma questão importante para todos nós, e continuará a ser. Os problemas relacionados com a água são, em primeiro lugar, a escassez, mas esta escassez está também ligada à disponibilidade de terras aráveis suficientes para garantirmos a nossa segurança alimentar. Por isso, mesmo em locais com índices pluviométricos geralmente elevados, é necessário haver terra suficiente para aproveitar os elevados níveis de água. O problema em países com elevada pluviosidade, como Portugal, é muito específico, uma vez que a disponibilidade de água está sujeita a condições muito específicas. Tem de chover, mas tem de chover de uma forma específica para que a água esteja disponível. Assim, imagine-se um Portugal que, mesmo que a precipitação se mantivesse igual, com a mesma quantidade de água, concentrasse todo este período de chuvas em dois ou três eventos de chuva por ano. Chuvas de grande intensidade, torrenciais, aquilo a que chamamos “bombas de chuva”. Estaria na mesma situação de seca que um país no Saara devido à falta de disponibilidade de água. A infraestrutura simplesmente não foi concebida para isso. Portanto, uma das vicissitudes das alterações climáticas é tornar o clima mais seco, mas outra vicissitude é torná-lo muito mais húmido e muito mais intenso do que costumava ser. Ambas têm o mesmo resultado: menor disponibilidade de água.Portugal é muitas vezes apontado como um bom exemplo nas energias renováveis. Duas questões: o que pode o mundo aprender connosco e o que podemos aprender com o mundo?Há vários factores à nossa volta. Existem algumas nações líderes no mundo que se organizaram para alcançar níveis de transição mais elevados do que outras. Mas o Projeto de Transição Energética Justa é um projeto global do qual todos dependemos. Uma das coisas que Portugal pode considerar fazer é integrar-se nestas parcerias globais para organizar uma transição. Os benefícios diretos para o resto do mundo serão óbvios, pois permitirão avaliar o progresso da transição. O benefício para Portugal reside no facto de, embora o país tenha um histórico razoável na sua conversão interna, não atua como um ator de mercado global. Ora, conquistar uma maior fatia deste mercado deveria ser atrativo para um país como Portugal. O vosso vizinho, Espanha, está a fazê-lo, e com muita eficácia. Mas vocês têm uma ferramenta de marketing que poucos outros países têm. Podem dizer aos outros: “Isto não só é bom para vocês e para o futuro, como também podemos mostrar a nossa experiência de como funciona”. Já tem uma plataforma de marketing. Penso que uma das coisas que Portugal deveria considerar era tornar-se um fornecedor global de serviços, produtos e experiência neste domínio. Países muito mais pequenos, como a Dinamarca, também o estão a fazer com bastante eficácia. É aí que reside o futuro do mercado energético. E o futuro do mercado energético não se resume, definitivamente, ao carvão, ao petróleo e ao gás. O mundo já tomou essa decisão. Algumas pessoas ainda têm de o admitir, mas é um facto consumado. Agora, trata-se de investir onde é necessário. Este é o primeiro ponto importante. O segundo é a especialização. Porque aqui está a realidade em relação às energias renováveis em comparação com os combustíveis fósseis. Os combustíveis fósseis têm uma fórmula muito simples. Queimam-se, obtém-se energia e pronto. É um processo muito barato. Não é preciso muita experiência para o fazer. Se houvesse acesso à tecnologia, qualquer pessoa o poderia fazer. As energias renováveis não são assim. É necessária uma tecnologia sofisticada. E uma das grandes carências na maioria dos locais do mundo é a falta de conhecimento técnico para tal. Portugal pode aproveitar esta oportunidade de forma extremamente eficaz. Se quiserem, podem repetir o que fizeram nos séculos XV e XVI, voltando a embarcar nesses navios, em veleiros, e levar ao mundo o vosso conhecimento especializado. Pode ser um grande legado para Portugal..Problemas na COP 30 "serão compensados com a consciencialização que o mundo levará de lá”