Com o sol de fim de tarde a espreitar por entre as nuvens e iluminar o Tejo e a Ponte 25 de Abril lá ao fundo, o comandante Nicolas Guiraud explica: “Estamos na ponte de comando. Este é o convés dianteiro, com os lançadores de mísseis. Há 16 compartimentos para lançar até 16 mísseis Aster. E há espaço para instalar mais 16 células”. A Fragata de Defesa e Intervenção (FDI) Almirante Ronarc’h fez há dias a sua primeira escala no estrangeiro no porto de Lisboa e o comandante guiou-nos numa visita a este navio concebido para o combate multi-missão e que simboliza a renovação da frota francesa..Primeira unidade de um programa de cinco navios construídos pelo Naval Group para a Marinha Nacional Francesa, o comandante aproveita para explicar que apesar de ser primeira de série, a Almirante Ronarc’h - que deve o nome a Pierre Alexis Ronarc’h, almirante francês que se destacou na I Guerra Mundial à frente de uma brigada de fuzileiros navais - “não é um protótipo. Como um navio é algo muito dispendioso, não nos podemos dar ao luxo de construir protótipos.” As cinco fragatas FDI são “o complemento necessário para que a Marinha Francesa tenha um total de 15 fragatas de primeira classe.” O mínimo essencial, diz,” para realizar as operações que pretendemos conduzir no Atlântico e no Mediterrâneo, bem como em qualquer outro lugar onde a Marinha Francesa possa ser chamada a intervir.” Dona de uma das maiores forças navais da União Europeia, França tem ainda um porta-aviões, o General de Gaulle, e dez submarinos, todos de propulsão nuclear. .Para cumprir a sua missão, a Almirante Ronarc’h “deverá ser capaz de conduzir operações de guerra antiaérea, antimarítima e antinavio com os equipamentos mais modernos no mercado, explica o comandante. Um deles é o sonar, que antes nos mostrou no convés da popa. “É aqui que está instalado o sistema de sonar CAPTAS 4, fabricado pela Thales. É o sistema mais avançado que temos, em França, e na Europa, para deteção de submarinos”, explica. À nossa frente, vemos um enorme rolo de cabo preto e, lá ao fundo, uma boia amarela. “O cabo muito longo permite-nos levá-lo várias centenas de metros abaixo da superfície. Ao mesmo tempo, rebocamos a antena recetora para captar sinais e localizar o submarino, o torpedo ou o drone subaquático, que poderia representar uma ameaça. O objetivo não é apenas a autoproteção, mas principalmente a proteção de outro navio que possa estar menos bem armado do que a Almirante Ronarc’h”, diz o comandante. E lembra que “o propósito de uma fragata é apoiar uma força naval. Mas também pode operar de forma independente para missões de recolha de informações ou para funções de representação. No nosso caso, estamos a testar o navio. Mas a forma normal de usar um navio como este é para escoltar outro. Para nós, em Brest, significa escoltar um submarino nuclear de mísseis balísticos quando sai do porto ou quando regressa porque é nesse momento que está mais vulnerável.”.Além deste sonar, e de um outro, mais pequeno e interior na proa, a Almirante Ronarc’h dispõe de um radar quadriplano, “o mais moderno disponível na Europa atualmente”, está preparada para a guerra eletrónica e, prossegue o comandante, “também modernizámos uma terceira área importante: a ciberdefesa.”Com uma guerra às portas da União Europeia, na Ucrânia, a Marinha Francesa passou também ela a estar mais alerta. “O que mudou drasticamente para a Marinha Francesa é que todos, do marinheiro ao comandante, mas especialmente as pessoas que trabalham connosco, os parceiros industriais, percebem agora a guerra como algo mais próximo do que imaginávamos. E, em termos do nível de exigência para o treino das nossas tripulações e do desempenho dos nossos sistemas, obviamente que tudo muda”, explica o comandante. Na prática, “existem medidas de contingência a bordo, como mais mísseis, sistemas adicionais de defesa de proximidade ou bloqueadores extra.”.Neste cenário, tornou-se ainda mais crucial a cooperação no seio da NATO. Para o comandante, é certo que a Marinha Francesa “goza de grande credibilidade entre os aliados e parceiros”. E “demonstra-o diariamente no mar, seja em operações de apoio à força oceânica estratégica, seja em operações no Mar Vermelho ou no Atlântico com os americanos, os britânicos e os noruegueses contra nações que desafiam a nossa posição marítima.” Quanto à cooperação com a Marinha Portuguesa, “partilhamos com Portugal uma atenção especial a tudo o que se passa no Atlântico. Portanto, penso que já existe uma verdadeira parceria no âmbito da NATO, mas que pode ser reforçada”, garante Nicolas Guiraud, que comanda a Almirante Ronarc’h desde 2022. .A fragata tem capacidade para uma tripulação de 132 pessoas. A maioria são homens, mas há também 17 mulheres. Além da equipa do helicóptero que também pode estar a bordo. A visita começou precisamente por aí, com o comandante no convés a explicar que “o navio pode acomodar helicópteros de até 11 toneladas, como o NH90 da Marinha Francesa, um helicóptero de guerra antissubmarino em serviço nas fragatas das classes FREM e FDI.” Esses foram alguns dos testes já feitos. “Realizamos testes iniciais com um NH90 que pousou a bordo e realizou uma série de aterragens para testar as condições de vento, inclinação lateral e arfagem. Também realizamos todos os testes para o carregar até ao hangar.”O hangar fica à nossa frente. Além do helicóptero, de cada um dos lados cabe um barco. O comandante aponta para um deles e diz “este tem sete metros, mas cabe aqui um com até nove”. .Atrás de nós está uma porta que o comandante abre para explicar que a fragata tem “capacidade para armazenar mantimentos para 45 dias”. E neste momento está totalmente abastecido. “Nem se consegue entrar”, brinca.Tempo ainda para espreitar a cozinha, o refeitório/sala de convívio, onde cabem uma meia centena de pessoas de cada vez, e, claro, o centro de operações. Por entre monitores, o comandante explica que “o sistema foi concebido para recolher informações de todos os sensores do navio, mas também informações de outros navios que operam connosco. Os radares, os sonares, os sistemas de guerra eletrónica, todos os sensores do navio retransmitem a informação para aqui. Recebemos também a situação tática tal como é percebida pelos navios que operam connosco, pelo que toda a informação é aqui partilhada para o módulo de comando. Dependendo da situação, podemos determinar que um navio, submarino ou aeronave representa uma ameaça e podemos atacá-lo com as nossas armas ou solicitar que os navios que operam connosco o façam.”Tempo ainda para perceber o que levou o jovem Nicolas Guiraud a ir para a Marinha. “O meu pai tinha grande respeito pela Marinha, mas não foi marinheiro. Mas o meu interesse foi surgindo aos poucos, primeiro o fascínio dos assuntos militares e depois o fascínio das viagens.” Desde que se formou na Escola Naval, em 1998, já esteve destacado na Nova Caledónia, em África esteve na operação Licorne na Costa do Marfim, mas também na Reunião, ou nas terras austrais e antárticas francesas. .Casado e pai de seis filhos, Nicolas Guiraud admite que conciliar a carreira com a vida pessoal é “um desafio enorme”. Mas “hoje na Marinha Francesa estamos a tentar conciliar o serviço no mar com a vida pessoal de várias formas. Primeiro, é preciso reconhecer que é uma questão; ser capaz de falar sobre o assunto muda tudo. Mas também se trata de manter o contacto com as famílias por email ou por telefone, graças ao sistema de comunicação por satélite que temos a bordo.” O comandante admite que atrair pessoas para a Marinha é um desafio em França como noutros países, mas mais do que isso, difícil é “mantê-las” porque “temos de admitir que a vida de um marinheiro no mar é exigente.”.A bordo do Tourville. Submarino nuclear de ataque francês passou por Lisboa a caminho das “águas frias” .Xavier Petit: “Gostaríamos de lançar drones dos nossos submarinos. E recuperá-los”