A Ucrânia marca o regresso da guerra às fronteiras da Europa. Como é que isso alterou as prioridades da Marinha Francesa?A Marinha Francesa enfatizou a necessidade de uma boa coordenação com os países da NATO. Somos membros fundadores da NATO e estamos habituados a trabalhar com todas as marinhas e exércitos, nomeadamente a Marinha Portuguesa, mas também com todas as nações europeias e americanas. É certo que o conflito ucraniano está a impulsionar-nos para uma integração ainda maior na NATO e para sermos uma força motriz da aliança. Para a Marinha Francesa, isto significa que os nossos navios estão regularmente sob controlo ou em apoio associado ao comando da NATO. Fornecemos informações à NATO e, em particular, os nossos submarinos de ataque nuclear contribuem para esta segurança coletiva.Em termos de estratégia também há algo que tenha mudado com a proximidade da guerra?Sim, para França, existem centros de gravidade que se deslocaram para a Europa de Leste, para as zonas do Oceano Ártico, para as zonas oceânicas do Extremo Norte. Já era um teatro de operações para a Marinha Francesa, tanto mais que, e isto diz-me directamente respeito, operamos submarinos com mísseis balísticos movidos a energia nuclear, pelo que o teatro de operações do Atlântico é um elemento-chave para a França. Mas o conflito na Ucrânia e o conflito com os russos evidenciaram ainda mais a necessidade de controlar o teatro de operações europeu.A Rússia é a maior ameaça para a Europa?Sim, e isso é claramente afirmado pelo chefe das forças armadas, pelo presidente da República. Olhando para a guerra na Ucrânia, os drones são, de certa forma, as estrelas desta guerra. Serão os drones subaquáticos as armas que poderão mudar a face do conflito na Ucrânia?Os drones são, de facto, ferramentas amplamente utilizadas neste conflito. Já os vimos noutros conflitos, seja no Mar Vermelho ou no teatro de operações europeu, e aqui falamos de drones aéreos, mas também de drones de superfície ou, em menor escala, de drones subaquáticos. São elementos importantes, mas se fizermos o inventário de armas utilizadas neste teatro de operações, os drones representam apenas uma pequena parte. Vemos que mísseis balísticos e outras armas também são utilizados.Porque há então tanto foco nos drones? Porque são algo um pouco mais novo?Sim. Não é uma moda passageira, mas há necessidade de aceleração. Talvez tenhamos ficado para trás, todos coletivamente, e falamos muito sobre isso porque precisamos de nos atualizar. Mas isto não deve esconder o facto de que todos os exércitos necessitam de aeronaves ou meios convencionais, que são necessários e indispensáveis. Nenhum exército planeia trabalhar exclusivamente com drones. Precisamos de ter ferramentas de capacidade total. E acima de tudo, por detrás destes elementos, precisamos de ter uma decisão de um homem, de um soldado, para decidir em privado sobre o uso da força.Foi coordenador central de informação da Marinha. Numa época em que as guerras se estão a tornar menos convencionais, a informação é cada vez mais importante?Era a minha posição anterior, sim. Para as Forças Armadas, é muito importante ter informação de qualidade. E a Marinha contribui para o fornecimento de informações, principalmente nas suas funções diárias de vigilância. E os submarinos, especialmente os submarinos de ataque nuclear, são bons sensores para recolher informação e partilhá-la dentro do centro de inteligência, mas também dentro da Aliança Atlântica.Durante anos, a Europa resistiu a aumentar os gastos em defesa. Hoje, os EUA estão a pressionar, especialmente os europeus, para aumentarem este investimento até aos 5%. Do ponto de vista da Marinha Francesa, o investimento só peca por tardio?Bem, nós continuamos a manter os investimentos. Certamente, os conflitos atuais estão a pressionar-nos a gastar mais, mas o que é importante em termos de investimento é a capacidade industrial. E, felizmente, em França, mantivemos uma continuidade. Por exemplo, um submarino capaz de lançar mísseis e bombas nucleares continua a ser um objeto complicado. E, por isso, requer investimento a longo prazo. Um submarino leva 10 anos a ser construído e navegará durante 40. Estamos a olhar para 50 anos, ou até mais. Isto significa que, felizmente, os investimentos no material têm sido constantes. E isso evita que tenhamos dificuldades no fabrico..França possui a única força dissuasora independente na Europa. Mais de meio século depois, prova-se que o general De Gaulle tinha razão em querer manter esta independência?Independência ou soberania, partilhada entre os europeus, sim, este é um elemento-chave da política do general de Gaulle, que tem sido defendido pelos nossos vários presidentes. A França ainda persegue esta dinâmica e cada vez mais parceiros europeus estão a perceber que precisamos de trabalhar muito melhor em conjunto. A NATO é um bom tubo de ensaio para isso, a União Europeia também. Temos instituições que nos permitem ter este diálogo e prosseguir a nossa proteção coletiva autónoma.Fala-se cada vez mais da defesa europeia. Será o futuro? E como é compatível com a NATO? Na Marinha e nas Forças Armadas, habituámo-nos a ser bastante maleáveis e ágeis nas nossas estruturas. Somos capazes de trabalhar numa força da NATO, tal como numa força europeia, tal como trabalhamos bilateralmente com a Marinha Portuguesa. Estamos empenhados em ser capazes, do ponto de vista técnico e militar, de nos coordenarmos para realizar operações com base em necessidades políticas que, numa coligação de vontades, em determinados momentos, juntem várias nações ou a NATO como um todo. E, portanto, a nossa prioridade na marinha nacional é ter essa interoperabilidade e essa agilidade no comando.Sabemos que a NATO tem um comando centralizado enquanto a UE é menos organizada nesse sentido. Sente a diferença?Há uma diferença. A UE não é uma estrutura com um comando militar. Há uma grande diferença na forma como uma operação é conduzida, um conflito, e isso também está ligado à diplomacia. Portanto, é certo que um investimento militar de alta intensidade contra um adversário como a Rússia só pode ser realizado no seio da NATO. A União Europeia fornece apoio adicional, mas não é ela que vai liderar uma coligação militar.Como disse, serviu em submarinos com mísseis balísticos movidos a energia nuclear. A ameaça nuclear hoje é real? A prioridade de defesa da França é a dissuasão nuclear. Durante muito tempo, desde o general de Gaulle, durante décadas, transportámos em submarinos a arma mais poderosa que um exército pode ter, a arma nuclear, que está pronta a ser utilizada pelo presidente da República Francesa para dissuadir um adversário de nos atacar. Hoje, tal como há décadas, continuamos a colocar a dissuasão nuclear no centro da defesa da França. Isso não vai mudar. Continuaremos a investir, a renovar a nossa frota de submarinos, a renovar os nossos recursos para nos adaptarmos aos adversários e a modernizar os nossos equipamentos.Há notícias de navios russos a passar junto às águas territoriais portuguesas. Essa frota russa, também a frota fantasma russa, é algo que a Marinha Francesa acompanha?Sim, a Marinha Francesa monitoriza de perto as atividades russas, e mais especificamente os submarinos russos. Graças às nossas aeronaves de patrulha marítima, às nossas fragatas e aos nossos submarinos de ataque nuclear, dispomos de uma variedade de meios para rastrear e monitorizar estes submarinos russos. Os navios de superfície russos são, por definição, mais fáceis de monitorizar do que os submarinos. E a Marinha Francesa, em cooperação com os nossos aliados, incluindo da NATO, está a trabalhar ativamente para rastrear estes submarinos e navios russos.Outro perigo que Portugal conhece bem está ligado à proteção dos cabos submarinos. Este é um novo desafio para a Marinha Francesa?Sim, com certeza. Monitorizar os cabos submarinos e tudo o que está no fundo do oceano é um elemento fundamental. Em França, desenvolvemos recentemente uma estratégia para controlar o fundo do mar, com o desejo e a necessidade de desenvolver capacidades de intervenção subaquática. Há uns anos, tínhamos recursos de intervenção de alto desempenho e em profundidade. E agora, estamos a reequipar-nos para poder intervir, principalmente com robôs e drones subaquáticos, que podem ser utilizados para inspecionar os cabos submarinos ou o que está no fundo do mar.Estas novas tecnologias facilitaram o trabalho dos submarinos franceses?Sim. Esta monitorização do fundo oceânico era muito complicada há uns anos. Mas hoje a robótica, o desenvolvimento da inteligência artificial, de várias tecnologias, facilita. Mesmo que continue a ser complicado enviar um objeto para o fundo do oceano, a tecnologia hoje facilita. Veio a Lisboa para o exercício REPMUS 25. Qual a importância deste tipo de exercício?Este exercício é muito interessante porque nos permite cruzar experiências. Como reúne num local, em Lisboa, várias marinhas, vários industriais, é um bom momento para ver o progresso de diferentes tecnologias e cruzar ideias. Assim sendo, este exercício tem a vantagem de reunir várias experiências no mesmo local. Para nós, França, é interessante poder mostrar o que sabemos fazer. Temos vários fabricantes franceses presentes esta semana, como a Exail, como a Naval Group. E nós, os militares, também passámos a ver os avanços nas marinhas estrangeiras.O que pode Portugal aprender com a França?Portugal está muito avançado no setor dos drones, por isso é interessante vir cá. Claro que sabemos que Portugal conta com o apoio da Aliança Atlântica, e por isso um exercício como o Dynamic Messenger é de grande interesse. E estou certo de que os laços entre França e Portugal em torno dos drones poderão desenvolver-se. Sei que Portugal adquiriu um drone Drix, fabricado pela empresa francesa Exail. Este é um exemplo de possível cooperação industrial no desenvolvimento de drones subaquáticos..É portanto sobretudo no sector dos drones que França pode aprender com Portugal?Em França, estamos a alimentar-nos desse desenvolvimento. Podemos ver claramente que Portugal é um grande impulsionador deste desenvolvimento em torno dos drones. E também na sua integração em embarcações, porque o drone por si só, lançado a partir da costa, é um elemento interessante. Mas o que também é bom para nós é podermos aprender sobre como operar um drone a partir de uma embarcação. E o que mais me interessa, pessoalmente, é ver todas as possibilidades de operar drones a partir de um submarino. É isso que posso encontrar aqui em Lisboa. Estas são formas de dar mais força aos meus submarinos de ataque, colocando drones a bordo para poder prolongar a sua ação.Em comparação com os drones lançados da costa, qual é o maior desafio em colocá-los num navio ou submarino?O principal interesse é conseguir chegar perto de uma costa estrangeira ou de uma força inimiga. As nossas marinhas estão lá para projetar poder, por isso precisamos de ir longe. O principal interesse é ter um transportador, especialmente um submarino nuclear, que tenha uma longa autonomia e seja rápido. Esta é a primeira vantagem: fornece equipamento adicional para os nossos navios de superfície e submarinos. O desafio é então lançar o drone do submarino submerso. Tecnicamente, é esse o objetivo. O objetivo de um submarino é ser capaz de se aproximar de áreas disputadas por um inimigo. A ideia para nós é permanecer submersos com o nosso submarino e ser capaz de lançar drones a partir dele. É o mesmo princípio de um torpedo. Disparamos torpedos ou mísseis a partir dos nossos submarinos. Gostaríamos de disparar ou lançar drones com mais frequência, mais facilidade e, se necessário, recuperá-los.Talvez seja essa a parte mais difícil, não?Tem toda a razão. O maior desafio para nós é trazê-los de volta. Depois, pode haver drones que são perdíveis por não serem muito caros. É este o objetivo do drone: o equilíbrio entre o efeito militar e o custo financeiro. Assim, podemos ter drones que não são recuperáveis, mas os drones com elevado valor acrescentado merecem ser recuperados. Essa é uma dificuldade.Em março, Portugal e França assinaram um tratado de amizade e cooperação. Como se está a desenvolver a cooperação na área da segurança e defesa? A cooperação com Portugal está a correr muito bem. De facto, estes acontecimentos políticos ajudam a reavivar o desejo de trabalhar em conjunto e criar laços mais fortes. Por detrás destas reuniões, nós, os militares, temos a obrigação de continuar ou reforçar a nossa cooperação. Para a Marinha Francesa, é evidente que na ligação com a Marinha Portuguesa, mas também com a Força Aérea, uma vez que existe um problema de vigilância das zonas aéreas e marítimas ao largo da Península Ibérica, ao largo da costa de Portugal, há interesse em cooperar. E é isso que estamos a fazer, trocando informações. Falou sobre as frotas russas a passar em frente a Portugal. Também costumam passar, antes ou depois, ao largo da Bretanha, da França. Portanto, temos um bom exemplo de cooperação entre as nossas duas marinhas. Isso envolve a transmissão das posições de frotas adversas e a condução de operações de seguimento, em conjunto ou uma após a outra. É nisso que estamos a trabalhar cada vez mais..A bordo do Tourville. Submarino nuclear de ataque francês passou por Lisboa a caminho das “águas frias”