Trump com Zelensky na Casa Branca.
Trump com Zelensky na Casa Branca. EPA/SHAWN THEW

Em Mar-a-Lago vão discutir-se 20 pontos que poderão mudar o rumo da guerra

Com a sombra de novos bombardeamentos russos sobre Kiev e o aviso de Donald Trump de que "nada avança" sem o seu aval, Volodymyr Zelensky tenta selar na Florida o acordo mais complexo da década.
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Donald Trump foi perentório: "Ele [Zelensky] não tem nada até que eu aprove". A frase, proferida nas vésperas do encontro histórico deste domingo em Mar-a-Lago, serve de arranque -- aparentemente nada promissor, mas com este inquilino da Casa Branca nunca se sabe... -- para as negociações que arrancam pelas 20h00 de Lisboa (15:00 locais).

O aviso do presidente dos Estados Unidos sublinha a sua convicção, também já declarada, de que qualquer caminho para a paz na Europa passa obrigatoriamente pelo seu veredicto pessoal.

A urgência da reunião é acentuada pelo cenário de guerra no terreno. Este sábado, Vladimir Putin ordenou uma nova e massiva vaga de bombardeamentos contra diversas cidades ucranianas, visando infraestruturas críticas e áreas residenciais.

Trump com Zelensky na Casa Branca.
Ataque a Kiev faz um morto e deixa 320 mil casas sem eletricidade. Rússia “não quer o fim da guerra”, diz Zelensky

O ataque é visto por analistas como uma tentativa de Moscovo de ganhar alavancagem antes de qualquer cessar-fogo e como um lembrete sangrento de que a Rússia não pretende facilitar a mesa das negociações.

Detalhes do plano: muito mais que um cessar-fogo

Embora Zelensky tenha referido que o plano está "90% pronto", os detalhes que entretanto emergem mostram uma arquitetura de segurança densa e ambiciosa. Dos 20 pontos previstos, destacam-se dez eixos fundamentais que serão o centro da discussão na Florida:

  1. Garantias de segurança "Estilo Artigo 5.º" da NATO: A Ucrânia exige um compromisso formal de que, em caso de nova agressão russa, os signatários (ler mais abaixo. Este ponto é o mais sensível para Washington.

  2. Mecanismo de "snapback" de Sanções: Caso a Rússia viole o acordo, todas as sanções globais levantadas seriam repostas automaticamente, sem necessidade de novas votações na ONU ou UE.

  3. Dissuasão de longo prazo: O exército ucraniano manterá uma força de 800.000 militares ativos para garantir que o custo de uma invasão futura seja proibitivo para o Kremlin.

  4. Congelamento da frente e zonas económicas: A linha de contacto atual entre opositores seria estabilizada, com a criação de zonas de administração especial onde a soberania ucraniana é mantida legalmente, mas a presença militar é removida.

  5. Fundo de reconstrução de 200 mil milhões: Um investimento massivo para infraestruturas, financiado maioritariamente por ativos russos congelados e contributos ocidentais.

  6. Soberania energética e Zaporizhzhia: O plano exige a devolução imediata do controlo da Central Nuclear de Zaporizhzhia a operadores ucranianos sob supervisão internacional da AIEA.

  7. Exploração de recursos críticos: Trump tem particular interesse na criação de consórcios luso-americanos para a exploração de lítio, titânio e gás natural em solo ucraniano, vinculando a segurança à rentabilidade económica.

  8. Troca total de prisioneiros: Um regime "todos por todos", incluindo o repatriamento forçado de crianças ucranianas levadas para a Rússia.

  9. Caminho acelerado para a União Europeia: O compromisso de que o acordo de paz inclui o apoio explícito dos EUA à integração total da Ucrânia no mercado único europeu até 2027.

  10. Desmilitarização de fronteiras: A criação de uma faixa de 50 quilómetros em ambos os lados da fronteira internacional onde seria proibido o posicionamento de artilharia pesada.

Os "Garantidores": quem assinará(ia) a segurança de Kiev?

Um dos aspetos mais debatidos do plano é a lista de signatários que se comprometeriam com a defesa mútua da Ucrânia. Segundo o rascunho negociado, o mecanismo de resposta militar coordenada seria ativado pelos seguintes blocos:

O Triângulo de Garantia Central: Estados Unidos, Reino Unido e França. Sendo membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e potências nucleares, estes seriam os pilares das garantias tipo "Artigo 5.º" do tratado da Aliança Atlãntica.

A "Coligação dos Dispostos": Um grupo de aproximadamente 30 países, incluindo a Polónia, os Estados Bálticos, o Canadá, o Japão e a Alemanha (atualmente sob a liderança de Friedrich Merz). Estes países forneceriam apoio logístico e financeiro imediato em caso de agressão.

O Conselho de Paz: Existiria ainda um órgão de supervisão liderado por Donald Trump (ou um seu representante), que integraria representantes da Ucrânia, da Europa (via UE), da própria NATO como organização, e da Rússia, para monitorizar o cumprimento do cessar-fogo.

O "fator Trump" e a escala canadiana deste sábado

Zelensky chega à Florida vindo de Halifax, no Canadá, onde este sábado assegurou o apoio do primeiro-ministro Mark Carney e um pacote de 2,5 mil milhões de dólares canadianos (cerca de 1,7 mil milhões de euros). Esta paragem foi crucial para mostrar a Trump que a Ucrânia não está isolada e que os aliados do G7 estão dispostos a partilhar o fardo financeiro.

No entanto, o peso da decisão final recai sobre o 47.º Presidente dos EUA. Ao afirmar que "nada acontece sem o seu acordo", Trump posiciona-se não apenas como mediador, mas como o garante final da ordem mundial. A sua equipa já deixou claro que o plano de Zelensky só será aceite se garantir que os Estados Unidos não ficam presos a um "conflito eterno" e se houver garantias de que a China não sairá beneficiada economicamente da reconstrução ucraniana.

Com os bombardeamentos russos deste sábado a deixarem milhões sem eletricidade, a pressão sobre Zelensky para obter um resultado tangível em Mar-a-Lago é extrema. O presidente ucraniano sabe que o tempo joga contra si no campo de batalha, mas espera que os 20 pontos do seu plano -- e as contrapartidas económicas oferecidas a Trump -- sejam suficientes para transformar o apoio retórico de Washington numa paz duradoura.

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