O Kremlin deixou um aviso logo de manhã, em tom de ameaça: as concentrações não autorizadas constituíam violações à lei. Mas milhares de russos decidiram desafiar o alerta vindo do porta-voz de Vladimir Putin e compareceram esta sexta-feira em Moscovo às cerimónias fúnebres de Alexei Navalny, que morreu aos 47 anos no dia 16 numa colónia penal no Ártico. Grupos de direitos humanos aconselharam a que levassem o passaporte e pequenas garrafas de água, bem como o contacto de advogados, caso fossem detidos. Mais de outras 250 mil pessoas no estrangeiro seguiram tudo em direto através do canal de YouTube do opositor russo, que está bloqueado na Rússia. .A cerimónia chegou a estar ameaçada, por os serviços funerários se recusaram a levar o corpo para a igreja, conforme iam relatando nas redes sociais alguns dos colaboradores próximos do opositor político do regime russo. “Primeiro, não nos foi permitido contratar uma funerária para nos despedirmos de Alexei. E agora, quando o funeral deveria acontecer na igreja, os funcionários funerários informam que nenhum carro funerário levará o corpo”, indicava a sua equipa pouco antes da hora marcada para o funeral. Mas o funeral acabou por ter lugar, e da maneira que Navalny pretenderia. .EPA | MAXIM SHIPENKOV.“Navalny! Navalny!”, “A Rússia será livre!”, “Não à guerra!”, “Rússia sem Putin!”, “Não perdoaremos!” e “Putin é um assassino!” foram algumas das palavras de ordem que milhares de russos, muitos carregando ramos de flores (incluindo muitos cravos, que na Rússia são símbolo de sangue derramado) e batendo palmas, gritaram ontem quando o carro funerário que transportava o corpo de Navalny chegou à igreja Ícone da Mãe de Deus, perante o olhar de centenas de polícias, que acabaram por não intervir. Horas após o final das cerimónias, a organização não-governamental OVD-Info anunciou que a polícia russa deteve ontem pelo menos 45 pessoas em manifestações a favor de Navalny. Seis dessas pessoas foram presas em Moscovo, enquanto as outras foram detidas noutros locais, como Novosibirsk, na Sibéria, ou na região de Voronezh..Depois da missa de corpo presente, a multidão juntou-se em redor da igreja e acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério Borissovsky, mais uma vez sob vigilância policial, onde se assistiu ao momento mais emotivo de toda a cerimónia: a descida do corpo à terra ao som de My Way (”À Minha Maneira”), de Frank Sinatra. Seguiu-se o tema de Exterminador Implacável 2, que, segundo Kira Yarmish, a porta-voz do opositor, Navalny considerava ser “o melhor filme de sempre”. .Os pais de Alexei Navalny estiveram presentes nas cerimónias fúnebres em Moscovo, tendo recebido apoio de muitos que quiseram despedir-se do opositor russo. EPA/MAXIM SHIPENKOV.Anatoly Navalny e Lyudmila Navalnaya, os pais do opositor russo, compareceram às cerimónias fúnebres. A mãe de Navalny foi abordada por pessoas em luto e apoiantes que a abraçaram e disseram “obrigado pelo seu filho” e “perdoa-nos” quando ela saiu da igreja com o marido. Na igreja também estiveram embaixadores de países da União Europeia, como França e Alemanha, e dos Estados Unidos, bem como Boris Nadejdin, conhecida figura da oposição e que viu recusada a candidatura às próximas eleições presidenciais, marcadas para dentro de duas semanas..A sua viúva, Yulia, e os filhos do casal, Zakhar e Dash, não marcaram presença no funeral, pois moram fora da Rússia por motivos de segurança. “Não sei viver sem ti, mas vou tentar deixar-te feliz aí em cima por mim e orgulhoso de mim. Não sei se aguento ou não, mas vou tentar”, escreveu na rede social X Yulia Navalnaya, numa mensagem de despedida ao marido, a quem agradeceu pelos “26 anos de felicidade absoluta”. Também Oleg, irmão de Alexei, cujo paradeiro é desconhecido, despediu-se através das redes sociais. “Dorme tranquilo, irmão, e não te preocupes com nada”..EPA | MAXIM SHIPENKOV.“Há mais de dez mil pessoas aqui e ninguém tem medo”, disse à Reuters Kamila, uma jovem presente nas cerimónias fúnebres. “Viemos aqui homenagear a memória de um homem que também não tinha medo de nada”. Também na multidão, Kirill, de 25 anos, não escondia a sua tristeza com o que a morte de Navalny representa para o futuro da Rússia. “Mas não vamos desistir. Vamos acreditar em algo melhor”, disse também à Reuters..ana.meireles@dn.pt