"Temos de ser cuidadosos em relação à dívida, ela terá de descer"

"Este dinheiro implica cumprir recomendações específicas de Bruxelas", diz a presidente da Comissão Europeia em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo.
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A presidente da Comissão Europeia veio a Portugal durante dois dias (28 e 29 de setembro), naquela que foi a sua primeira visita oficial ao país. Esteve com o primeiro-ministro, António Costa, na apresentação das prioridades do novo Plano de Recuperação, que vai tentar tirar a economia (a portuguesa e as outras da União Europeia) da sua maior crise de sempre provocada pela pandemia. Terça-feira, ao almoço, a alemã Ursula von der Leyen seguiu para Belém, desta feita a convite do Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, para ser a convidada de honra do primeiro Conselho de Estado presencial desde que começou a crise pandémica.

Em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, a líder do executivo europeu deixou muitos elogios à forma como Portugal conseguiu ser um "sucesso" na saída da última crise e como tem sido um exemplo a liderar nas energias limpas e na digitalização da economia. No entanto, relembrou, para continuar a ser exemplar, o país precisa de investir numa nova vaga de tecnologias.

Portugal tem de aproveitar esta crise e usar o financiamento que vem da União Europeia para se tornar um país e uma economia diferente. Na sua opinião, que tipo de país deve ser Portugal? Num mundo pós-pandemia, Portugal deve tentar ser um país mais como a Alemanha, mais industrializado, e menos dependente do turismo, por exemplo?
Penso que Portugal é Portugal, é um país único e tem agora oportunidades maravilhosas para beneficiar do Plano de Recuperação Próxima Geração UE (Next Generation EU) porque concordámos a nível europeu que temos duas prioridades. Uma é o Pacto Ecológico Europeu, o plano de combate às alterações climáticas, e a outra é a digitalização. Em ambos os domínios, Portugal é forte. E agora é a altura certa para vocês fazerem investimentos na modernização da economia. Portugal saiu da outra crise e registou uma recuperação impressionante, impressionante... Mas este sucesso tem de ser mantido e têm de investir nas tecnologias do futuro, as tecnologias verdes e a digitalização.

O Plano de Recuperação, cujo financiamento a fundo perdido [subvenções] ascende a 15 mil milhões de euros ou mais, no caso de Portugal, vai ter de ser contratualizado entre as autoridades nacionais e a Europa. Que condições impõe ao país este novo contrato?
O Plano de Recuperação de Portugal, tal como os dos restantes países membros, vai ser feito à medida do país, mas a Comissão Europeia defende que há três pontos a cumprir. Têm de ser respeitadas as recomendações específicas por país; o país tem de combater as alterações climáticas, isto é, de investir no Pacto Ecológico de modo a atingir a neutralidade climática; e de cumprir metas no campo da digitalização, como infraestruturas, 5G, 6G, fibra, economia de dados, inteligência artificial. Esta combinação tem de estar refletida no Plano de Recuperação nacional. Atualmente, nós já estamos a trabalhar de forma muito próxima com o governo português para fazer isso acontecer, portanto estou muito confiante de que o país vai ser bem-sucedido.

Elogiou os planos e as políticas de Portugal para ultrapassar esta crise histórica. No entanto, infelizmente, há sinais renovados de que alguns setores estão a falhar a recuperação em termos de emprego e de atividade. Ou seja, a retoma está a ser muito mais fraca do que se esperava. Devemos preocupar-nos com uma segunda vaga de crise económica e social, com uma recaída recessiva?
O vírus atingiu a economia portuguesa, que estava a ter uma recuperação forte, mas não foi culpa de ninguém. É um vírus que está a provocar estes problemas. Estamos a fazer tudo para ultrapassar este período difícil, que é ter de conviver com o vírus até termos uma vacina. Foi por isso que a Comissão Europeia flexibilizou todas as regras relativas às ajudas de Estado, os fundos estruturais. E agora, em cima disso, no plano Próxima Geração UE, o objetivo é que as nossas empresas saudáveis tenham tempo para hibernar e para se prepararem para o mundo pós-coronavírus. E aqui juntámos todas as nossas forças para fazer isso acontecer.

Portugal, assim como alguns outros países com finanças públicas mais delicadas, já tinha uma dívida elevada antes desta crise e deverá sair dela com um fardo de endividamento ainda maior. Neste futuro, o Pacto de Estabilidade pode ajudar países muito endividados, como Portugal, com mais flexibilidade?
Neste momento concreto de crise, flexibilizamos totalmente o Pacto de Estabilidade e Crescimento através do acionamento da cláusula geral de salvaguarda. E agora, durante a pandemia, não é altura para mudar nada neste domínio. Mas, no longo prazo, todos teremos de ser cuidadosos em relação à dívida, esta terá de descer, os países no seu conjunto terão de reduzir as suas dívidas. Mas o melhor remédio contra a dívida é uma economia forte, é o crescimento económico sustentável e ecológico. É por isso que essas são a nossas prioridades.

A componente subvenções é uma tentativa de não sobrecarregar mais as dívidas...
Sim. Foi importante para mim ter as subvenções no plano Próxima Geração UE. Por outras palavras, poder investir em Portugal sem aumentar o nível da dívida.

Relativamente às vacinas contra este coronavírus: qual é o seu melhor cenário para que todos os cidadãos europeus tenham acesso a uma vacina eficaz? E dentro de quanto tempo?
Eu não posso falar de timings, mas estamos a fazer tudo para acelerar esse processo de forma segura. A Comissão Europeia negociou com sete fabricantes que produzem aqui na Europa, que têm diferentes tecnologias, e que estão a investigar e a desenvolver vacinas. E asseguramo-nos de que, caso uma dessas empresas chegue a uma solução, haverá uma porção de vacinas reservada para o povo europeu. Por isso estamos a investir na capacidade de produção desses fabricantes. E também nos asseguramos de que os países vizinhos de baixo e médio rendimento terão acesso.

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