Portugueses estão a desenvolver teste de saliva para a covid-19
Resultados da equipa liderada por Nuno Rosa, da Universidade Católica Portuguesa, mostram que a ideia funciona. Os investigadores estão agora à procura de parcerias para produzir o futuro teste que, se tudo correr bem, poderá estar disponível em meados do próximo ano.

O investigador Nuno Rosa
© Miguel Pereira da Silva / GLOBAL IMAGENS
E se bastasse uma pequena gota de saliva para verificar se alguém está, ou já esteve, infetado com o novo coronavírus? Pode parecer futurista, mas em Portugal um grupo de médicos e investigadores liderados por Nuno Rosa, professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e investigador de um dos seus laboratórios, o Saliva Tec, sediado no campus de Viseu da UCP, está a trabalhar no desenvolvimento de um teste desse tipo. E os resultados não podiam ser mais promissores.
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"Estamos ainda a recolher os últimos dados, mas os nossos resultados mostram que a ideia funciona, a prova de conceito está feita", garante Nuno Rosa, sublinhando que o grupo está agora "na fase de encontrar parceiros para desenvolver e criar um teste miniaturizado para aplicação em larga escala".
O caminho até lá é complexo, mas o objetivo é ter o teste disponível, "talvez, em meados do próximo ano, se tudo correr bem".
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A ideia de criar um método para detetar, não só a presença de partículas do SARS-CoV-2, mas também de anticorpos contra ele, usando apenas uma amostra de saliva, surgiu de forma natural entre os investigadores do Saliva Tec. Afinal o que ali fazem é isso mesmo: investigação sobre este fluido biológico, que é muito rico em informação, para aplicação ao diagnóstico em saúde.
"Trabalhamos nesta área há anos, e em 2014 ganhámos um financiamento do Portugal 2020 para montar este laboratório, o único no país especificamente criado para a investigação fundamental nesta área", diz Nuno Rosa. E explica: "Usamos a saliva como fluido informativo sobre a saúde e a partir daí desenvolvemos estratégias de diagnóstico para diferentes patologias, nomeadamente a diabetes, para a qual já temos vários estudos publicados."
Ao contrário do que acontece com as análises sanguíneas que são hoje rotina no diagnóstico em saúde, a saliva, apesar de ter muita informação biológica - contém mais de quatro mil moléculas diferentes e outros tantos microrganismos que, no seu conjunto, são o microbioma oral -, está muito pouco explorada nesse sentido. "É necessário fazer essa investigação fundamental, estudar e estabelecer os parâmetros que para cada molécula definem a diferença entre a saúde e a doença, para se poder operacionalizar ferramentas de diagnóstico a partir da saliva. É isso que fazemos no Saliva Tec ", explica Nuno Rosa.
Entretanto, surgiu a pandemia. Com todas as suas vítimas, os pesados problemas económicos e as muitas restrições sociais que gerou, a covid-19 acabou por ser também uma oportunidade de desenvolver investigação inovadora, que poderá agora ter um impacto positivo na saúde da comunidade, num momento difícil e cheio de incertezas.
"Quando surgiu a pandemia pensámos logo em fazer este estudo", conta Nuno Rosa. A criação de um programa especial de apoio financeiro à investigação em covid-19 por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), logo em abril, foi a oportunidade certa para avançar.
Nuno Rosa reuniu uma equipa entre o seu próprio grupo no Saliva Tec, o Instituto Politécnico de Viseu e o centro hospitalar da cidade, concorreu ao programa da FCT e ganhou um financiamento de 30 mil euros para o projeto.
A primeira fase do trabalho, que implicou acompanhar a evolução de mais de 20 doentes de covid-19 no centro hospitalar de Viseu, avaliar a par e passo a sua carga viral e os seus níveis de anticorpos, determinar todos esses parâmetros e padrões em amostras de saliva de todos os doentes, e estabelecer as comparações, está praticamente concluída - e com bons resultados.
"Estamos muito satisfeitos, as nossas expectativas confirmaram-se, é possível fazer um teste deste tipo, e agora podemos ir melhorando o método, nomeadamente para obter um teste rápido", explica o investigador.
A técnica desenvolvida pela equipa permite determinar com exatidão os níveis virais e os anticorpos presentes em amostras de saliva dos doentes. E essa dupla capacidade é justamente uma das mais-valias do futuro produto que, assim, poderá servir não só para o diagnóstico da doença, mas também para verificar quem já esteve infetado e ficou imunizado - pelo menos temporariamente, uma vez que não se sabe ainda qual é a duração dessa imunidade.
"Além das partículas do vírus, com o nosso método detetamos dois anticorpos, o IGM e o IGG, que nos mostram fases distintas da infeção", explica Nuno Rosa.
O primeiro desses anticorpos, o IGM, é produzido pelo sistema imunitário logo na fase inicial da infeção, e o segundo (IGG) permanece no organismo por mais tempo, após a recuperação, e confere a tal imunidade duradoura. A possibilidade que a breve prazo se abre de detetar esses anticorpos num simples teste de saliva poderá tornar-se um contributo importante na gestão de futuras vagas da pandemia.
Mas esta não é a única vantagem de um teste de saliva para a infeção pelo coronavírus. Outra é a sua fácil aplicação, que é simples, indolor e não invasiva, ao contrário do que acontece com atuais testes de diagnóstico que são feitos com recurso a uma zaragatoa, introduzida no interior das fossas nasais
"Os testes de zaragatoa são muito desagradáveis, e há doentes que têm de os repetir muitas vezes", explica o líder do projeto.
De resto, a ideia de usar a saliva para testes de diagnóstico da covid-19 não é um exclusivo dos investigadores do Saliva Tec. "Há outros grupos no mundo a trabalhar", afirma Nuno Rosa.
Nos Estados Unidos acaba, aliás, de ser aprovado um primeiro teste de saliva para a covid-19. O SalivaDirect, como se chama, foi desenvolvido por investigadores da Universidade de Yale e já testado com sucesso em jogadores de basquetebol da NBA, a National Basketball Association.
Concebido como um teste rápido e barato, que pode usar diferentes reagentes, ele poderá sobretudo agilizar o diagnóstico, alargando o número de pessoas testadas de forma a identificar mais doentes assintomáticos, que são uma fonte silenciosa de contágio, como explicaram os cientistas que o desenvolveram.
Já o teste que a equipa de Nuno Rosa pretende criar tem as duas valências: a de diagnóstico e a serológica. Trabalhar para chegar a um produto final é agora o que se segue. Mas no caminho feito há algo mais que já se consolidou: a plataforma de trabalho entre todas as instituições da zona de Viseu que integram o projeto. "Isto fica para o futuro e tornará mais fácil a resposta a outras situações de emergência em saúde", garante Nuno Rosa.
Este artigo faz parte de uma série dedicada aos investigadores portugueses e é apoiada por Abbvie.
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