Rioísta me desconfesso
Confessamos pecados, praticados em atos, pensamentos e omissões, e transportamos para o domínio público o que tínhamos até então guardado em segredo, mais ou menos, disfarçado. Foi o que fiz em agosto de 2013, neste mesmo jornal, em artigo a que dei o título "Rioísta me confesso". Nesse texto, tornei público o que era evidente para a maioria das pessoas (jornalistas e amigos) que comigo partilhavam o dia-a-dia profissional, mas também para os que me lessem ou ouvissem com alguma regularidade: eu vejo em Rui Rio uma forma diferente de estar na política.
Nesse texto, escrito há sete anos, Rio estava a sair da presidência da Câmara do Porto e assumia uma posição contra o seu partido, dando o seu contributo para que o seu sucessor fosse Rui Moreira e não Luís Filipe Menezes, o candidato que o PSD de Pedro Passos Coelho (o mesmo que inventou André Ventura para Loures) lançava para a cidade do Porto. Terminei esse texto escrevendo: "Não é preciso ser do PSD para ver que a forma como Rui Rio está na política devia ser um exemplo para toda a gente, mas é preciso ser do PSD para tirar proveito direto de ter Rio no partido. Basta não ceder à hipocrisia." Rui Rio estava longe de ser líder do PSD, mas acreditar na forma como se afirmava na política permitia adivinhar que acabaria por chegar ao lugar onde está agora.
O problema da política e da análise política é sempre o da posição relativa em que cada um de nós se encontra nos diferentes momentos da história. Não tenho mais razão agora do que tinha em 2013, e pode dar-se o caso de não ter razão nem antes nem depois, ou ter razão nos dois momentos. Aplica-se a mesma probabilidade à forma de estar na política de Rui Rio.
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Tenho como certo que a discordância profunda com Rui Rio em relação ao racismo e ao Chega não muda o que penso do seu caminho político, da enorme admiração pelo que fez enquanto autarca do Porto nos bairros sociais e das suas propostas políticas em relação à justiça e mesmo às regras que devem prevalecer no exercício da profissão de jornalista. Há é nesta ligação ao Chega um pecado mortal que afasta os sociais-democratas de um partido que se procurava afirmar, exatamente agora, como sendo centrista ("perdendo o centro e essa componente moderada da sociedade, temos mais dificuldade em crescer", afirmou Rui Rio à RDP, em janeiro deste ano).
Convenhamos, para quem se tinha mostrado resiliente na defesa de um partido mais inclinado para a esquerda, esta forte guinada à direita deve ter provocado um grande desequilíbrio. Vertigens, talvez. Como gostava de saber o que pensa Rui Rio da defesa que os seus "amigos" do Observador têm estado a fazer da sua aliança com o Chega. Se nem isso o faz desconfiar das virtudes do que entende ser o pragmatismo de uma maioria que só se forma à direita com o apoio de racistas e xenófobos, então significa que Rio pode não estar a ver o que se passa.
Não é de excluir que o líder do PSD não esteja mesmo a perceber patavina do que é o Chega, de tal forma que tanto o imagina como o maior partido à direita do PSD nas próximas legislativas, como vê a forte probabilidade de o Chega desaparecer daqui a dois anos. Mais grave ainda, Rui Rio descreve o partido de André Ventura como uma mera "federação de descontentes" e recusa-se a ver racismo e xenofobia que, na opinião dele, nem existem em Portugal.
Jornalista