E o PSD
Na semana passada, escrevi aqui que a questão designada por subsidiodependência não tinha o mesmo conteúdo para o PSD e para o Chega. Continuo a pensar que não tem, mas percebi pela entrevista da passada quarta-feira à TVI que para Rui Rio tem. Os comentários que fez sobre as pessoas que, malandras, não querem trabalhar para ganhar a loucura de 85 euros - sendo certo que uma grande parte delas tem menos de 18 anos - são dignos de um líder do Chega, mas não de um do PSD.
E como se não chegasse a legitimação de facto, através dos compromissos dos Açores, de um partido que naquele mesmo dia viu o seu líder multado por afirmações racistas, assumiu formalmente que basta concordar com propostas do Chega para que não haja impedimentos para acordos nacionais.
Ou seja, a questão do mais básico respeito pelo património político do PSD e da mais simples decência que dita não ser possível sentarmo-nos para negociar o que quer que seja com gente racista, xenófoba e que não respeita direitos humanos básicos já nem se levanta, basta que existam pontos com que ambos concordem. Para não tratar ninguém como estúpido, prefiro não dar exemplos de coisas com que eu posso concordar mesmo com as mais abjetas pessoas ou organizações, além de que isso não me permite sequer chegar perto delas.
Rui Rio, aliás, até vê com alguma simpatia o Chega: é uma federação de descontentes. Coitaditos. E até prevê uma evolução favorável desta gente. Para provar que está no bom caminho, André Ventura decidiu mandar, nesse mesmo dia, uma deputada, cidadã portuguesa, para a terra dela.
Não perceber que o cerne de movimentos como o Chega é o radicalismo populista, o racismo, a xenofobia, a destruição do modelo social ocidental e, apregoado aos quatro ventos, acabar com o regime é andar muito distraído. Não entender que estes indivíduos vão radicalizar ainda mais o discurso, e que no momento em que o deixarem de o fazer deixam de ter importância é pior, é uma distração criminosa.
Poder-se-ia assim pensar que Rui Rio é ingénuo ou, digamos, não está bem informado. Isto já seria muito grave para um líder da oposição, mas nem sequer parece ser esse o caso. Aqui o presidente do PSD também foi suficientemente transparente dizendo que sem o Chega só o PS pode governar. Eis a passadeira vermelha para o xenófobo Ventura.
Princípios? Valores? A isto Rio nada diz. A questão é poder, logo venda-se a alma ao diabo.
Claro que, no fundo, assume a desistência de convencer as pessoas de que é alternativa. Rio afirma desta forma não ser capaz de convencer as pessoas de que tem um projeto para Portugal em que as pessoas confiem. Segundo ele, só com o racista Ventura conseguirá governar. Só faltou verbalizar que entre votar no PSD e no Chega não há problema porque depois lá se entenderão.
Eis o lindo labirinto em que Rio meteu o PSD. Resta saber o que o PSD pensa de tudo isto.
Aparentemente, não está muito incomodado. Só vi uma pessoa com história e trabalho relevante no PSD a indignar-se: Jorge Moreira da Silva. Tirando mais duas ou três figuras menores, o partido parece estar a conviver bem com este atentado à sua própria existência. Nem pessoas com história no PSD, nem pretendentes à liderança, como Carlos Moedas ou Luís Montenegro, disseram o que quer que fosse. Apareceram, sim, os viúvos de Passos Coelho a mostrar o seu contentamento (porque pensam que a desagregação da direita facilitará o regresso do ex-primeiro-ministro), e o Expresso falou com alguns presidentes de distritais que mostraram até algum contentamento com este lançar de braços a quem quer implodir o regime.
Talvez a máquina do PSD esteja tão sedenta de poder que cegou. É verdade que está muito degradada, cheia de pessoas que olham para o partido apenas como uma agência de emprego e não como um repositório de valores políticos. Pelos vistos, há muitos que como Rio se esqueceram de que quem troca princípios por poder, mais cedo do que tarde, fica sem os dois.
Esperemos que haja uma parte importante do partido a pôr um travão a esta deriva contra a sua história e os seus valores e que impeça este suicídio. É que a máquina morre se não tiver eleitores, e esta estratégia fará o PSD perder boa parte do eleitorado de centro, e não será na direita radical que o recuperará. Aliás, quem quer tirar os socialistas do poder e pertença a essa direita não tem incentivo para votar no PSD, sabe que ele se aconchegará com o Chega.
Ainda espero que gente com responsabilidade e história no PSD venha explicar que este caminho o matará como partido central para a democracia portuguesa, como ainda tenho esperança de que os militantes de base forcem a liderança a arrepiar caminho. Não há, porém, como iludir a realidade: os primeiros sinais não são bons.