Tóquio2020 avança. Telma e Nelson Évora ainda não estão apurados, e agora?
No dia em que a UEFA adiou o Euro 2020 por um ano, o Comité Olímpico Internacional (COI) decidiu manter os Jogos Olímpicos em Tóquio, de 24 de julho a 9 de agosto, apesar da ameaça da pandemia do coronavírus. E agora? Com o desporto paralisado à escala mundial, como se apuram os atletas que ainda não asseguraram um lugar em Tóquio 2020? Portugal tem dois medalhados olímpicos nessa situação: Nelson Évora e Telma Monteiro. E como se prepara quem já está apurado face às restrições impostas pelas autoridades sanitárias? O campeão do mundo Fernando Pimenta explica ao DN como mudou as rotinas de treino.
A decisão foi tomada, na terça-feira, após uma reunião com as diversas federações internacionais dos desportos olímpicos, em que ficou decidido que vão ser efetuadas alterações nos critérios de qualificação dos atletas. Cada modalidade irá agora redefinir a distribuição das vagas que ainda estão em aberto. E devem fazê-lo até ao início de abril. Podem basear-se nos rankings ou em resultados recentes, desde que reflitam o princípio de distribuição de vagas por cada continente. Até agora só estão preenchidas 57% das vagas para Tóquio 2020. Nesta altura, 42 das 50 modalidades olímpicas ainda não têm o seu quadro de atletas totalmente preenchido. Só em março estavam previstas provas de apuramento de oito modalidades, entre elas ciclismo, triatlo e judo. Três modalidades em que Portugal tem aspirações.
No judo, por exemplo, há vários atletas com ranking para se apurarem, mas apenas um tem lugar garantido. Jorge Fonseca sagrou-se campeão mundial no ano passado, na categoria -100 kg, e garantiu uma vaga olímpica. Já Telma Monteiro, a porta-estandarte de Portugal e única medalhada olímpica no Rio 2016, ainda luta pelo apuramento. A judoca do Benfica, que há quatro anos conquistou o bronze na categoria -57 kg e encheu o país de orgulho, prepara-se agora para conseguir o apuramento para os seus quintos e últimos JO da carreira.
Telma tinha dois torneios neste mês para lutar pelo apuramento, mas foram ambos suspensos. Aliás, a judoca do Benfica, assim como os outros atletas olímpicos do clube encarnado, está de quarentena e só trabalha a parte física, na esperança de poder competir nas duas últimas provas de apuramento marcadas para maio. Apesar disso, a judoca tem ranking para se apurar, assim como as colegas Bárbara Timo e Rochele Nunes.
O cenário de incerteza é transversal a várias modalidades. Portugal tem mais de 50% da possível comitiva em Tóquio 2020 por apurar, tendo em conta que a comitiva que foi ao Rio 2016 era composta por 92 atletas (sendo 18 desses elementos da seleção de futebol, que desta feita não logrou a qualificação) e atualmente apenas 33 dos 114 atletas apoiados pelo programa olímpico têm lugar garantido.
O atletismo é, para já, a modalidade mais representada, com sete presenças asseguradas, com destaque para João Vieira, que, aos 43 anos, tem marca de qualificação nos 50 km marcha e deverá estar pela sexta vez em Jogos, tornando-se o segundo português com mais presenças, a uma do velejador João Rodrigues. Pedro Pichardo, recentemente naturalizado, tem marca no triplo salto, assim como Patrícia Mamona e Evelise Veiga, enquanto Susana Costa ainda tenta a qualificação. Salomé Rocha e Sara Catarina Ribeiro já têm mínimos para a maratona. Falta Nelson Évora.
O atleta do triplo salto é dos um habitués na aldeia olímpica. Ainda é ele o dono do último título olímpico nacional até ao momento, depois de ter realizado "um sonho de criança" em Pequim 2008 ao sagrar-se campeão olímpico. Nesse ano, Évora respondeu sempre aos ataques dos seus adversários, acabando com a competição ao 4.º ensaio, saltando 17,67 metros. Um salto que não pôde defender em Londres 2012 devido a lesão e que não conseguiu repetir no Rio 2016.
Atualmente treina em Madrid com o ex-campão mundial Ivan Pedroso e ainda há duas semanas confessou que ambiciona chegar aos 18 metros em Tóquio 2020. Nesta época, Évora tem andado longe das melhores marcas. O máximo que já saltou foram 16,51 metros, em Pombal, no mês de fevereiro. A qualificação encerra a 29 de junho, mas o atleta do Sporting não sabe quando voltará a competir e aguarda pela definição dos novos critérios de qualificação. Se o critério for o ranking mundial do triplo salto, Nelson está garantido, já que ocupa o 4.º lugar... que dá apuramento (segundo os critérios atuais).
Quem já está apurado é Fernando Pimenta na canoagem. Crónico candidato às medalhas, o canoísta do Benfica admite que tem sido "complicado" manter a preparação olímpica face às restrições impostas pela DGS e autoridades desportivas. Teve de adiar estágios de preparação e alterar o calendário de treino e redefinir todo um plano de preparação. "Os clubes e os locais onde costumava ir treinar estão fechados. Infelizmente não podemos treinar na pista de Montemor-o-Velho, que está fechada, por isso é meter o caiaque em cima do carro e procurar um lugar para me fazer à água. A canoagem não é um desporto de contacto e por isso dá para gerir. Eu treino sozinho, o meu treinador vai no barco a motor a metros de distância. Eu sempre treinei assim desta forma solitária e por isso não estranho tanto. É claro que temos um pouco mais de rigor e cuidado nas tarefas que fazemos", confessou ao DN o campeão do mundo de canoagem K1.
Treinar em rio aberto "não é a mesma coisa" do que treinar numa pista balizada, como nos Jogos Olímpicos, mas ele "tenta fazer o melhor possível", mesmo num clima de incerteza quanto à realização da prova. "Nunca pensei que não havia Jogos Olímpicos. Sempre treinei como se fosse para os Jogos. Tinha e tenho de estar preparado caso eles aconteçam. Chegar lá com a consciência tranquila", contou o atleta de Ponte de Lima.
Fernando Pimenta não quer entrar em águas que não domina e por isso preferiu não tomar posição sobre a decisão do COI: "Há entidades e pessoas mais capacitadas do que eu para avaliar se os Jogos se devem realizar, adiar ou cancelar. Os atletas têm de fazer a sua parte e ajudar a conter o vírus. Temos de estar atentos, os atletas são saudáveis, mas não são autoimunes."
O canoísta espera ainda que os atletas portugueses, que ainda não se apuraram, não desistam. "É muito complicado, mas a vida de um atleta é feita de incertezas, é continuar a trabalhar e não baixar as armas, manter o foco e a motivação e acreditar em melhores tempos, melhores desempenhos e não pensar que já acabou. É dar o melhor até chegar aos Jogos Olímpicos", disse o atleta do Benfica.
A ameaça do coronavírus obrigou a suspender o trajeto da tocha olímpica, mas não travou o Comité Olímpico na intenção de realizar o maior evento desportivo a nível mundial. Apesar de reconhecer que este é um cenário sem precedentes, o COI acredita que não é o momento para decisões drásticas, como adiar ou cancelar o evento. "Continuamos completamente comprometidos com os Jogos Olímpicos Tóquio 2020 e, mais de quatro meses antes do arranque, não há necessidade de quaisquer decisões drásticas e qualquer especulação será contraproducente", pode ler-se no comunicado do máximo organismo desportivo a nível mundial.
Thomas Bach, presidente do COI, assegurou que "a principal preocupação" do organismo que dirige é "a saúde e o bem-estar de todos os envolvidos nos preparativos para os Jogos Olímpicos". A vontade do Japão em receber a prova foi determinante para a decisão do organismo. O primeiro-ministro, Shinzo Abe, reforçou a intenção de que o evento se realize nas datas previstas, apesar de vários países estarem a ser afetados com a pandemia.
Esta decisão de manter os JO aconteceu, precisamente, no dia em que um vice-presidente do Comité Olímpico do Japão acusou positivo no teste de covid-19, pandemia que já conta com 180 mil infetados em todo o mundo e 7471 mortos. Só em Portugal já são quase 500 infetados e um morto.