A Galeria Graça Brandão, em Lisboa, recebe a partir desta sexta-feira, 26 de setembro, duas exposições que marcam, cada uma à sua maneira, o presente, o futuro e a memória da arte contemporânea portuguesa. No piso superior do espaço, uma mostra em homenagem a Maria José Palla, fotógrafa e académica falecida no passado mês de julho, dá continuidade a um projeto que estava já em preparação antes da sua morte. Já no piso inferior, o escultor lisboeta Francisco Figueiredo Lopes, de 27 anos, apresenta Duplo Impulso, conjunto de obras recentes que exploram as tensões entre criação e destruição. A inauguração em dose dupla na galeria é uma das características da casa: José Mário Brandão, responsável pela curadoria e pela programação da galeria, vê nesse encontro expositivo e geracional um dos eixos fundamentais do trabalho que desenvolve há anos. A ideia é colocar lado a lado artistas consagrados e emergentes, permitindo que públicos distintos se cruzem e descubram novas linguagens. "A minha pretensão não é fazer propriamente um diálogo entre as obras dos dois artistas. A proposta é de dar visibilidade a um jovem, no caso o Francisco, ao mesmo tempo que também é exposto o trabalho de uma artista consagrada, como é o caso da Maria José Palla, uma referência na fotografia portuguesa. Ou seja: isso dá possibilidade a dois públicos diferentes terem acesso a dois trabalhos de tempos e estilos distintos", explica o galerista em entrevista ao Diário de Notícias..Nascida em 1944, Maria José Palla morreu no final de julho deste ano, quando participava da montagem da exposição na Graça Brandão e deixou uma obra extensa e diversa. Palla construiu a carreira na intersecção entre as artes e a academia: durante a ditadura salazarista, viveu em Paris como exilada, onde se doutorou em Línguas e Literaturas Românicas na Sorbonne e frequentou cursos no Institut Français de Photographie e na École de Vaugirard, além de ter estudado cinema com Jean Rouch.Foi também professora associada com agregação no Departamento de Estudos Portugueses da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Instituto de Estudos Medievais, lecionou História do Teatro, Literatura do Renascimento e Fotografia até à sua jubilação, em 2011. Para José Mário Brandão, que agora apresenta alguns dos trabalhos da sua área de especialidade, os autorretratos, trata-se uma obra que vai além das paredes. “A obra dela não se resumo aos autorretratos, era uma mulher extremamente culta, viveu muito tempo em Paris, foi obrigada a atravessar a fronteira por razões políticas, e trouxe tudo isso para o seu trabalho. O pai dela, Victor Palla, foi um arquiteto e fotógrafo extremamente importante na vida cultural portuguesa, autor de Lisboa, Cidade Triste e Bela, um dos livros mais procurados da fotografia portuguesa. Foi uma pessoa que conheci há muitos anos e esperava fazer mais alguma coisa sobre o trabalho dela. Infelizmente deixou-nos”, lamenta..A exposição agora inaugurada recupera imagens que a própria artista selecionara em 1999, para uma mostra no agora encerrado Museu do Traje, e que estavam a ser revistas para uma nova apresentação. A morte, em julho, alterou os planos, mas não os cancelou. “A exposição estava programada com ela. Evidentemente que não se pôde contar com as fotografias novas que ainda queria apresentar, mas, dentro do espírito da exposição, montámos uma pequena mostra que a represente muito bem”, explica o curador."Duplo Impulso"Já no rés-do-chão da galeria o jovem escultor lisboeta Francisco Figueiredo Lopes ganha espaço para apresentar o seu Duplo Impulso. A mostra reúne obras recentes em que trabalha a matéria de forma direta, explorando a relação entre construção e destruição..As esculturas do artista combinam ferro e outros materiais industriais, muitas vezes submetidos a cortes, desgastes e recomposições. De acordo com nota da galeria, a manipulação manual dá às peças de Francisco um caráter de conflito permanente, entre objeto acabado e ruína.Para José Mário Brandão, mais do que a técnica, é a atitude dos artistas de uma nova geração que chamam sua atenção e o motivam a organizar estes encontros na galeria. “O mais interessante [com os jovens] é o contacto com eles, o interesse que mostram em apresentar o que fazem. No caso do Francisco, gostei da maneira como se agarrava ao trabalho, procurava mostrar, lutar pelo trabalho. Com esta oportunidade, desafiei-o a apresentar aqui algumas de suas obras”, explica..Formado em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Francisco tem trabalhado sobre os materiais industriais investigando os ciclos de produção e consumo dos mesmos. Apesar de jovem, já tem um currículo com bagagem. Além de exibições em Portugal, já expôs em França e na Bósnia-Herzegovina, onde realizou em 2022 a sua primeira individual, War, Play, Ground, no Historical Museum de Sarajevo. Ambas exposições inauguram às 18h desta sexta-feira (26) e ficam patentes até o dia 8 de novembro. A Galeria Graça Brandão tem entrada gratuita.Exposições “Maria José Palla” e “Duplo Impulso”, de Francisco Figueiredo Lopes Local: na Galeria Graça Brandão (Rua dos Caetanos 26 A, Bairro Alto, Lisboa)Abertura: 26 de setembro de 2025, às 18h; em cartaz até 8 de novembro de 2025nuno.tibirica@dn.pt.Delfim Sardo: "A única coisa que tenho pena de não ter feito no CCB é um centro de estudos avançados em arte" .Eduardo Batarda (1943-2025): O pintor culto, crítico e irónico que desafiava ao jogo