Neste seu livro, afirma que Fernão Mendes Pinto, de facto, foi ao Japão em 1541. Isso significa que o primeiro português (e europeu) a visitar o arquipélago chegou dois anos antes da data mais falada, que é 1543. O que o leva a acreditar no homem que descreveu viagens tão fantásticas que lhe chegaram a chamar de “minto” em vez de Pinto?Admitimos que tenha sido o aventureiro e escritor Fernão Mendes Pinto um dos primeiros portugueses a ir ao Japão em 1541, sendo aliás o único que reivindicou tal feito. Tal aconteceu em declarações que em 1582 prestou aos jesuítas que o entrevistaram na sua quinta do Pragal, os quais ao passarem a escrito o que ele então afirmou registaram que: “No primeiro descobrimento do Japão se achou Fernão Mendes com alguns dous ou três portugueses em um junco dos chins (…) houveram vista da terra de Japão e chegaram a um porto por nome Tanoxima (Tanegashima) em dia de S. João no ano de (mil quinhentos e) quarenta e um”. Esse descobrimento foi também narrado por Pinto na sua Peregrinação, ainda que não o tivesse datado de forma explícita. A análise desta obra, contudo, permite também admitir que foi em 1541 que ele lá terá ido, o que é possível deduzir ao reconstituirmos criticamente as viagens que fez entre a Índia e o Japão, de 1539 a 1546, tendo em conta referências a factos solidamente apurados por ele aí referidos. A sua notável obra-prima constitui um livro onde às suas memórias autênticas de aventureiro ímpar junta a fantasia criativa de genial narrador de histórias. A este propósito é de evocar a feliz expressão de Eça de Queirós ao escrever sobre a sua literatura: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”. Tal afirmação adapta-se na perfeição à obra de Pinto, pois admitimos que na base dos textos que escreveu existe um fundo de verdade. A brincadeira do “minto”, em vez de Pinto, surgiu como resultado dos leitores da Peregrinação no século XVII terem pensado erradamente que ele fantasiava no que escreveu e vivera em meados do século XVI. Há também a realçar o facto de Pinto ter sido muito conceituado no Oriente e informador credível da sua realidade quer para os jesuítas, já em 1554, quer depois de 1558 para o cronista João de Barros. Pinto teve tanto prestígio que em 1554, quando ainda estava na Ásia, foi nomeado primeiro embaixador português no Japão pelo vice-rei do Estado da Índia. Dois dos maiores historiadores dos Descobrimentos Portugueses - Damião Peres e Vitorino Magalhães Godinho - também aceitaram que os portugueses chegaram ao Japão em 1541. Esta posição, ainda que, na nossa perspetiva, seja a mais correta, tem sido preterida a favor da hipótese defendida em 1946 pelo alemão Georg Schurhammer, sem discussão, segundo a qual teria sido em 1543 que os portugueses foram pela primeira vez ao Japão, embora sem que se mencionem os seus nomes e não considerando fontes japonesas que também afirmam ter sido em 1541. Por falar em viagens e viajantes fantásticos, naqueles séculos XV e XVI dos Descobrimentos, Nicolau Coelho também merece destaque, afinal foi a primeira pessoa a contactar gente dos quatro continentes. Quer explicar?Nicolau Coelho foi uma figura fundamental na História dos Descobrimentos que por vezes é esquecida, devido ao enorme relevo que tem Vasco da Gama como dirigente do descobrimento do caminho marítimo para a Índia. A sua ação nessa viagem foi fundamental, pois ia na vanguarda das explorações realizadas quando a armada chegava a determinado local. Além do papel essencial que ele então teve é também de assinalar que o teve quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500. Com efeito, Coelho foi o primeiro a contactar com os nativos desta terra logo em 23 de abril, no dia seguinte ao do avistamento do Brasil. Tal facto faz com que ele tenha sido o primeiro homem a ter estabelecido relações com gentes de todos os continentes, visto que além dos europeus, ele contactou durante as suas viagens com ameríndios, africanos e indianos, constatando assim que a humanidade é una na sua diversidade.Remontemos um pouco, ao início de tudo. Foi a passagem do Bojador por Gil Eanes em 1434 que deu início aos Descobrimentos?Sim, foi o dobrar o cabo Bojador por Gil Eanes que marcou simbolicamente e de facto o início dos Descobrimentos Portugueses, pois até 1434 esse local era o limite da África conhecida pelos europeus. Ao ter ultrapassado esse obstáculo ele permitiu o arranque da exploração do resto do litoral da África Ocidental a qual veio a culminar cinquenta e quatro anos depois com o seu integral conhecimento após Bartolomeu Dias ter descoberto e passado o cabo da Boa Esperança em 1488. Foi esta realização que permitiu o conhecimento da ligação entre o Atlântico e o Índico, abrindo assim o acesso à Índia por via marítima, o qual veio a ser alcançado dez anos depois por Vasco da Gama. A evidência de que até 1434 não se conheciam territórios a sul do cabo Bojador encontra-se na cartografia medieval, a qual não regista qualquer terra para sul desse cabo.Confirma que o Infante D. Henrique merece os méritos que lhe atribuem, mesmo nunca tendo havido a tão falada Escola de Sagres?É indiscutível que o infante D. Henrique foi o responsável pelo arranque dos Descobrimentos, pois não fosse o seu empenho e poder político e económico, que lhe permitiu ter tal iniciativa, eles não se teriam realizado na medida em que os particulares não tinham proveito em explorar regiões desérticas como eram aquelas onde se situava o cabo Bojador. O reconhecimento do pioneirismo da ação e da vontade do infante D. Henrique está atestado em todas as fontes históricas, havendo mesmo testemunhos que o referem como tendo sido o “inventor” da Guiné, isto é, o responsável pelo descobrimento da Guiné. A fantasia de atribuir ao Infante a criação de uma escola náutica em Sagres não tem qualquer fundamento, pois aí não só nunca houve tal escola como nem foi daí que se realizaram os Descobrimentos, pois estes foram feitos a partir de Lisboa. Sagres foi apenas um local deserto que em 1443 foi doado a D. Henrique para que aí criasse a sua Vila do Infante a fim de dominar uma posição estratégica onde se podia apoiar a navegação que se fazia entre o Mediterrâneo e o Atlântico.Como D. João II e D. Manuel I lidavam com os Descobrimentos? Boa parte da estratégia partia mesmo dos reis?Sendo um facto evidente que foram os portugueses a permitir o conhecimento da maior parte do mundo, estabelecendo pela primeira vez relações entre todos os continentes, cujas formas foram identificando, a verdade é que eles só agiram em obediência e por conveniência ao poder superior dos reis D. João II e D. Manuel I, pois foram estes que gizaram e ordenaram os seus ambiciosos projetos, na sequência do ímpeto inicial do infante D. Henrique. Os navegadores portugueses realizaram as suas missões no cumprimento das ordens que lhes eram dadas procedendo como executantes de viagens onde exploravam geograficamente todos os territórios tendo em vista objetivos económicos, políticos e religiosos traçados pelos referidos reis. É de assinalar neste contexto que D. Manuel I acabou por ser o primeiro soberano com um poder à escala global, pois enviava os seus vassalos para todos os continentes.A insistência portuguesa em fazer avançar para ocidente a linha de Tordesilhas é a prova de que se sabia da existência do Brasil antes de 1500?Um dos fatores decisivos que permite admitir terem sido conhecidos territórios do norte do Brasil, antes de Pedro Álvares Cabral o ter descoberto oficialmente em 1500 na sua costa oriental, consiste no facto de que, durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, D. João II só o ter aprovado em 1494 depois da linha divisória de interesses entre Portugal e Espanha passar a ser estabelecida a mais 270 léguas do que as 100 léguas inicialmente propostas por Espanha a ocidente do arquipélago de Cabo Verde. Foi precisamente nessas 270 léguas que se encontra o Brasil, o que permite deduzir que o desvio de tal linha resultou da circunstância de ter havido já em 1493 explorações realizadas por ordem de D.João II para averiguar se haveria terras ocidentais a sul do equador, as quais foram denunciadas por várias vezes, quer por Cristóvão Colombo quer pelos Reis Católicos, o que permite aceitar que tais explorações existiram. É ainda de assinalar que tal desvio não poderia ter sido feito para poder reservar para Portugal um espaço só com água para manobras de explorações no Atlântico Sul, tendo em vista estabelecer uma rota que em 1497 foi traçada por Vasco da Gama a menos de 100 léguas a ocidente de Cabo Verde. Com efeito, tal rota não podia passar 370 léguas a ocidente dessas ilhas, numa região que corresponde a zona da foz do rio Amazonas, pois se os navios seguissem no espaço ocupado pelo atual Brasil não poderiam seguir em direção ao cabo da Boa Esperança, visto irem encontrar a corrente equatorial que não lhes permitia ir para sul.Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães (este ao serviço de Espanha na sua mais célebre viagem) merecem ser considerados os três maiores navegadores da história mundial, ou figuras como o viking Leif Eriksson, o chinês Zheng He, o italiano Cristóvão Colombo e o inglês James Cook estão no mesmo patamar?Esses três navegadores portugueses são as mais importantes figuras dos Descobrimentos, pois estão inseridos num processo que permitiu a plena revelação da Terra e teve um enorme impacto no futuro. A tais personalidades poderíamos juntar outras de destaque nomeadamente Gil Eanes, Nuno Tristão, Diogo Cão, Pedro Álvares Cabral, Diogo Lopes de Sequeira, António de Abreu, Jorge Álvares. Dos mencionados navegadores estrangeiros o único que ombreia com os mais notáveis desses portugueses é o genovês Cristóvão Colombo que, depois de ter adquirido a sua formação náutica em Portugal, entre 1476 e 1485, e de aqui ter concebido o projeto de ir às Índias rumando a ocidente, conseguiu descobrir a América, embora nunca o tivesse reconhecido como tal, pois acreditou que era a Ásia. Foram os portugueses que em 1501 tiveram pela primeira vez a noção de que a América era um novo continente. Quanto aos restantes navegadores, apesar da importância que tiveram consideramos que estiveram longe do impacto que alcançaram as realizações inovadoras das personalidades atrás apontadas.Índia, China e Japão. Porque foi tão diferente o contacto português com cada um destes países asiáticos?Cada um destes territórios tinha especificidades diferentes, o que obrigou os portugueses ao identificá-los a ter de se adaptar às suas características. Na Índia o objetivo era controlar o comércio das especiarias através da nova rota do cabo da Boa Esperança, em detrimento da anterior rota do Levante. A fim de assegurarem a sua hegemonia nessa região os portugueses dominaram alguns dos seus pontos chaves. Quanto aos territórios muito longínquos da China e do Japão, os portugueses quando lá começaram a ir verificaram que aí só podiam estabelecer relações comerciais muito proveitosas, considerando a existência de Estados poderosos com os quais tinham de negociar o tipo de relações a estabelecer.Para desfazer mitos: a primeira viagem de Vasco da Gama foi no essencial pacífica, em especial no contacto com os indianos?A viagem de Vasco da Gama à Índia entre 1497 e 1498 é bem conhecida porque foi narrada com precisão por Álvaro Velho, que nela participou. É por isso possível analisar com toda a segurança o que então se passou e verificar que o seu capitão-mor se comportou sempre de forma pacífica na Índia. Vasco da Gama ao contactar com os indianos sempre teve comportamentos pautados pela lisura, apesar de ter chegado a ficar preso na região de Calecut devido à hostilidade dos muçulmanos, que não desejavam a concorrência dos portugueses no comércio das especiarias. Vasco da Gama autorizou todos os tripulantes da sua armada a visitar Calecut tendo eles estabelecido relações muito positivas com os seus habitantes, sem que entre eles tivesse havido qualquer confronto, pois os portugueses pretendiam apenas estabelecer relações comerciais.Já agora, falemos de outro mito, que desfaz no seu livro. Os portugueses, apesar da proximidade de Timor à Austrália, não foram à ilha-continente. Porquê?A justificação para os portugueses não terem ido à Austrália nos séculos XVI e XVII resulta tão simplesmente do facto de terem sido informados por nativos da Indonésia que nesse território não havia riquezas que fossem suscetíveis de motivar a sua ida a esse local muito longínquo. Com efeito, os portugueses só iam para regiões do Oriente onde havia produtos valiosos que justificassem a sua deslocação para obter lucros. Se eles não existissem os portugueses não investiam nessas deslocações, pois já tinham um imenso campo de atividades em vastos territórios tão longe de Portugal. Daí que, por exemplo, os portugueses tivessem relações regulares com Timor, porque aí obtinham um produto valioso como era o sândalo, mas não foram para sul dessa ilha em busca de uma terra para onde não havia rotas comerciais nem constava que houvesse qualquer riqueza. O facto de os portugueses não terem descoberto a Austrália evidencia-se pela circunstância de que só no final do século XVI o luso-indonésio Manuel Godinho de Erédia ter conseguido obter autorização para descobrir a por ele designada “Índia Meridional”, de que tinha ouvido falar a nativos e corresponderia à Austrália, mas onde não conseguiu ir. Esse seu desejo de então descobrir prova que os portugueses nunca lá haviam ido anteriormente, pois se o tivessem feito não seria necessário que ele reivindicasse tal intenção.."Gama, Albuquerque e Magalhães tinham grandes capacidades de chefia, tenacidade, coragem e resiliência".Mariagrazia Russo: “O mito de Vasco da Gama deve-se muito a Luís de Camões”