Estamos no início do ano letivo. Todos os anos aparecem portugueses interessados em estudar alemão no Goethe. O que é que procuram? É mais uma questão profissional ou mais uma ambição académica?É as duas coisas, na verdade. Em termos académicos, temos muitos estudantes que querem passar um período dos estudos na Alemanha e querem aprender pelo menos o nível básico para o dia a dia na Alemanha. Mas também temos muitos alunos que estão numa fase da carreira em que trabalham ou querem trabalhar em empresas alemãs aqui em Portugal. Vimos nos últimos anos um imenso investimento de empresas alemãs em Portugal. E esses alunos percebem que, mesmo que a língua do dia a dia na empresa seja o inglês, sendo o middle management na maior parte dos casos composto por alemães, entendem que falar alemão pode ajudar a avançar na carreira. Também recebemos quase diariamente chamadas de empresas alemãs à procura de portugueses que falem um bom alemão. As empresas sediadas aqui há anos dizem-nos sempre que precisam de mais pessoas que falem alemão de um nível mais elevados, já um B2. E nós tentamos passar essa palavra para os alunos - que quando eles aprendem alemão destacam-se dos outros. Porque nem toda a gente tem a coragem de vir aprender alemão. Ou já tem uma ligação ou é difícil. A maioria dos alunos hoje em dia fala muito bem inglês. É um básico. E depois muitos alunos procuram o francês ou o espanhol, porque parece mais parecido, é mais fácil. Mas realmente acho que para um progresso na carreira pode ser uma mais-valia grande aprender o alemão. É disso que estamos a tentar convencer as escolas, fazemos esse trabalho, vamos às escolas no momento que os alunos fazem a escolha da segunda língua, fazemos aulas, que nós chamamos aulas de motivação, para que eles aprendam que o alemão não é assim tão difícil.O alemão é de facto visto como uma língua difícil, é uma fama injusta? Ou é mesmo difícil?Acho que o alemão é só diferente. É diferente de uma língua latina. A forma como se fala, o facto de ter três artigos, e isso às vezes dificulta. Mas ao mesmo tempo, já falando o inglês, o vocabulário não é tão diferente. Nas nossas aulas de motivação, as professoras leem um texto, ou dão um texto a ler, e de repente os alunos descobrem que afinal dá para perceber. Quando se faz o esforço de pensar um bocadinho, com todas as línguas que já temos na cabeça, percebemos que dá para entender o que está no texto. É verdade que a gramática é diferente, mas nos nossos cursos não colocamos tanto o foco na gramática, o foco é na comunicação e no dia a dia. É essa ideia que tentamos fazer chegar às pessoas, porque elas têm essa ideia que o alemão é só para os nerds. Mas qual a maior dificuldade que os alunos portugueses sentem? É a gramática, as declinações que não temos, a pronúncia?O que os portugueses vão ter mais dificuldade é que a estrutura frásica é diferente, a sintaxe é diferente. Em termos de pronúncia acho que não é o maior problema. Os portugueses têm uma facilidade, têm um leque linguístico bastante vasto, mas penso que a parte mais complicada é até se entrar na estrutura da língua, porque a partir do momento em que se consegue identificar a frase, onde é que começa e onde é que termina, a partir daí já se avança.Estamos à conversa na biblioteca do Instituto. Em setembro há a abertura da Roboteca. Que mais novidades é que vão surgir agora nesta rentrée aqui no Goethe? Nesta rentrée vamos ter vários eventos na biblioteca. Vamos falar sobre os desafios da tradução. Vamos fazer um evento em conjunto com a APTRAD - Associação Portuguesa de Tradutores. Porque a tradução para nós é muito importante. Quando lemos um livro traduzido de outra língua, é um outro mundo que se abre mesmo sem conhecer a língua original. E como demora até conseguir um domínio da língua em que já seja um momento de conforto e de prazer ler um livro em alemão, então a tradução para nós é muito importante. Infelizmente as editoras portuguesas não estão muito para aí viradas.Há resistência aos autores alemães? Ou será também uma dificuldade de terem tradutores? Sim, é preciso haver tradutores, mas temos bons tradutores em Portugal da língua alemã. Acho que é mais um desconhecimento. Os alemães têm uma forma diferente de escrever. Não temos muito esse tipo de page-turner que os americanos e os ingleses fazem muito bem, que é fácil de perceber e não se consegue parar de ler. A literatura contemporânea alemã é complexa, é muito artística. Então é mais difícil, não são obras leves que as pessoas levem para a praia… Temos coisas muito boas, uma língua muito forte, sentimentos muito fortes, ideias que ficam na cabeça. Mas há uma pequena resistência dos editores quando chega a hora de traduzir, também por ser um mercado pequeno. Então queremos promover esses novos livros e também a profissão dos tradutores. Esse evento que vamos ter vai falar sobre a dificuldade dos tradutores hoje em dia. Qual é a mais valia do Chat GPT na tradução literária, que é exigente, especialmente esses textos de que falei. É difícil, não pode ser literal. São metáforas, são ideias em que é preciso perceber o contexto para fazer uma boa tradução. E isso, o Chat GPT ainda não consegue. A editora portuguesa Antígona teve um projeto para traduzir cinco livros [do espanhol, francês, alemão, dinamarquês e polaco] para o português. Livros importantes mas que ainda não existiam em português. E no dia 30 de setembro vamos juntar os tradutores desses livros para falar da sua experiência. Portanto, o que esta biblioteca quer é atrair mais públicos. Estamos a comprar todos os livros em língua alemã que existem em português. De forma a sermos também uma biblioteca para os portugueses que não falam alemão. Esses livros estão identificados com um P. E o que está traduzido neste momento, são sobretudo clássicos? A nova literatura ainda tem dificuldades em chegar a Portugal? Sim, chegam muito poucos, cada ano temos um ou dois autores contemporâneos traduzidos.Pode dar alguns exemplos?Claro. Temos, por exemplo, o Kairos, de Jenny Erpenbeck, que recebeu o Booker 2024 e foi traduzido recentemente. Temos Marzahn, Mon Amour, de Katja Oskamp, que em português tem o mesmo título. Marzahn é um bairro de Berlim, que não tem muito boa fama. É um dos meus livros preferidos, porque é a história de uma escritora que, depois do primeiro livro, não consegue mais sucesso e procura outra profissão: torna-se pedicure. E trabalha em Marzahn, onde tem os habitantes como clientes, sobretudo velhinhos. Eles falam com ela, contam histórias do bairro, que fica na parte oriental de Berlim, contam traumas, como tiveram de se reinventar de um momento para o outro. Falam também da atualidade, como muitos vivem em condições de pobreza, como tiveram de recomeçar aos 40, 50 anos, sem qualificações reconhecidas, etc. São histórias muito fortes. E com essas histórias que ela vai ouvindo, ela faz um livro. É um livro com muito carinho por esse bairro, por essas pessoas. E o livro foi publicado em português. Já agora, um apontamento que é uma coisa muito rara, vai ser publicado no próximo ano um livro do poeta contemporâneo alemão Durs Grünbein, que é muito famoso na Alemanha, mas aqui só agora chega. Portanto, às vezes somos surpreendido pelas escolhas das editoras. Mas a maioria dos autores publicados em português são clássicos. São novas edições, por exemplo, de Franz Kafka, de Thomas Mann. .O instituto tem o nome de um grande vulto da literatura alemã. Podemos dizer que o alemão é a língua de Goethe, como dizemos que o português é a língua de Camões?Na verdade, acho que o Instituto escolheu a figura de Goethe não por causa da literatura, mas por ser um perito em várias áreas. Foi jurista, investigador, estadista. Foi um intelectual em várias áreas. Fez muitas viagens. Foi a Itália, foi ao Médio Oriente. E acho que é mais por causa da curiosidade que ele tinha pelo outro, por entender, que a escolha foi feita na altura. Porque nós não somos só um instituto de literatura. Dentro desses muitos dons que Goethe tinha, também foi um bom escritor. Deixou clássicos como Fausto que é uma sinopse das nossas vidas, das nossas escolhas.O Goethe Institut de Lisboa foi fundado em 1962. Na ressaca do pós-guerra. E desde então os nossos países mudaram muito - Portugal viveu a revolução, a chegada da democracia, a entrada na CEE. A Alemanha viveu a queda do Muro e a reunificação. O papel do instituto é fomentar as relações entre Alemanha e Portugal ao longo dos tempos?Sim, tentamos, em cada época, ver o que é preciso para melhorar as relações entre os dois países. Na altura em que Portugal ainda estava fechado na ditadura, este instituto foi uma pequena janela para o que estava a acontecer lá fora. Depois, nos anos 1970, muitos revolucionários, quase toda a cena cultural da Alemanha, tinha uma simpatia por este novo país e tentou ajudar. Muitos arquitetos vieram ajudar a construir o Portugal democrático. Muitos diretores de teatro. Mais ou menos toda a cena avant-garde da Alemanha veio para cá para trabalhar. Portanto, o nosso trabalho é acompanhar o estado dos dois países e melhorar as relações e o conhecimento. Hoje em dia, temos uma onda de alemães a vir para Portugal. Neste momento, o interesse dos alemães por Portugal é maior do que o dos portugueses pela Alemanha. Os alemães descobriram Portugal. Muitos vêm para cá para morar, abrir espaços ou comprar quintas na Serra da Estrela para fazer uma exploração ecológica. Na área da cultura, neste momento, na Alemanha, temos cortes imensos. Não temos Ministério da Cultura porque, depois da II Guerra Mundial, a Alemanha decidiu que não queria a educação e a cultura centralizadas, para ser mais difícil um regime autocrático controlar tudo. Por isso o Goethe tem muita autonomia. Não fazemos parte da Embaixada, há uma separação. Em Portugal vemos que a cultura é muito Lisboa. E nós tentamos chegar ao resto do país.O instituto também está ligado a várias iniciativas, algumas de outras áreas, como o cinema. Há algum projeto novo aí?Sim, tivemos o KINO, que era só em Lisboa. Depois fizemos o KULTURfest, que tem vários formatos e anda pelo país. Começou no Porto, foi para Coimbra, Leiria, Lisboa, agora Lagos. Aí mostram-se filmes, mas há também debates, workshops, workshops para crianças. Tivemos uma exposição que fizemos com a Friedrich Ebert Stiftung sobre os 60 anos de imigração portuguesa para a Alemanha. O Kulturfest vai para todos os sítios. E hoje tentamos fazer o mesmo com os nossos cursos online. As pessoas podem participar das ilhas, do interior.Sentiram mais procura pelos cursos online depois da covid? Sim, porque antigamente só podia fazer os cursos quem viesse fisicamente aos institutos. E hoje, com os cursos online temos muito mais pessoas que nunca teriam tido oportunidade de aprender alemão que o estão a fazer. Porque moram em Trás-os-Montes, porque moram nas ilhas. Agora têm a hipótese de aprender. Neste momento, qual é a proporção? De momento, acho que é um terço online, dois terços presencial. Mas no verão, com os cursos intensivo, foi mais perto dos 50-50. É um sector que está a crescer. Infelizmente, deixa a nossa sede mais vazia durante o dia. Antigamente, tínhamos grande procura. A maioria das pessoas que vinham à biblioteca eram alunos a tentar aperfeiçoar a aprendizagem. Hoje são pessoas diferentes. Felizmente também temos uma biblioteca online, temos tudo digitalizado, e com muito mais oferta do que temos aqui fisicamente. Quem vem hoje ao Goethe são pessoas que gostam do ambiente, gostam do jardim. Por isso nos últimos anos tentámos abrir o espaço e falar para as pessoas. Porque muita gente acha que é só para alunos, só para alemães. É muito difícil comunicar que é um espaço público e que gostaríamos que soubessem que é realmente para todos. E o jardim também. E temos o café. É só entrar.A Jana fala um ótimo português. Como aprendeu a nossa língua? Não sei se falo assim tão bem, mas tenho uma história antiga com Portugal. Nos anos 1980, o meu pai, que era engenheiro, veio trabalhar para o Barreiro e nós fomos viver para Cascais. Eu cresci no Guincho. O meu pai veio por um ano, mas o projeto afinal demorou cinco anos.Que idade tinha nessa altura?Tinha sete quando viemos e fiquei até aos 12. Em criança, tenho mais memórias portuguesas do que alemãs. Faltam-me muitas referências alemãs, mas conheço o Topogigio - na versão portuguesa [risos]. Comer bolas de Berlim na praia é outra lembrança da infância. Hoje quando falo com alemães que vieram para cá digo-lhes sempre que têm de comer uma bola de Berlim na praia. Eles perguntam porquê. Porque tem de ser. O açúcar e a areia, o sal do mar na boca. É uma experiência que é preciso ter. Mais tarde, esqueci todo o meu português, mas tive de me lembrar quando fui colocada no Goethe Institut no Brasil. E quando vim para cá, há três anos, diziam ‘o que é esse sotaque estranho, alemão, brasileiro?’ Agora estou a tentar fazer mais o sotaque português. Para mim foi sempre um sonho voltar a Portugal profissionalmente..Richard Bueno Hudson: “A segunda língua materna mais falada no mundo não é o inglês, mas sim o espanhol”.“Quando perguntamos aos nossos alunos por que querem aprender italiano, é sempre por prazer”